A dias de entrar em vigor a nova lei de Segurança Privada, para a qual contribuiu enquanto presidente da Associação de Empresas de Segurança (AES), e depois de um arranque falhado de época do Sporting com uma goleada sofrida frente ao Benfica na Supertaça antes do empate com o Marítimo a abrir o Campeonato, o advogado Rogério Alves esteve programa “Sob Escuta”, a grande entrevista semanal da Rádio Observador. Depois de explicar como chegou à Associação que representa mais de metade das empresas que se dedica à segurança privada, Rogério Alves falou de algumas novidades da nova lei.
A partir de 7 de setembro, os sistemas de videovigilância dos espaços públicos vão passar a estar ligados à GNR e à PSP, consoante os casos, e vão permitir à polícia ver ao vivo o que ali se passa. A ideia é intervir o mais rapidamente se houver um crime ou usar as imagens para investigações. Mas com limites, como aliás preconizou a Comissão Nacional de Proteção de Dados e a própria Ordem dos Advogados quando chamadas a dar parecer sobre a lei. Para Rogério Alves isto não significa um “Big Brother” mas “há pequenos preços que têm que ser pagos” para evitar crimes como, por exemplo, o terrorismo.
Da nova lei de segurança privada, o advogado espera o fim das situações de contratos ilegais no setor que emprega cerca de 40 mil trabalhadores, assim como a regulação da “concorrência desleal”, sobretudo em concursos públicos para segurança em hospitais, universidades, ministérios ou outros institutos públicos. O ex-bastonário da Ordem dos Advogados, que defende um dos arguidos do processo dos Vistos Gold, critica o facto de se olhar para certas “condutas” como sendo crimes, justificando a absolvição do ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo, também arguido neste processo. Diz que, aliás, esse é um problema que tem sido comum na Justiça, lembrando a recente polémica das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos.
Como sportinguista, e assumidamente desgostoso com o epílogo da Supertaça, respondeu igualmente a algumas perguntas sobre o seu clube. O também presidente da Assembleia Geral do Sporting passa ao lado da possibilidade de poder um dia ser candidato à liderança do clube mas salienta que em breve terá 60 anos e que é preciso dar lugar aos mais jovens.
[O melhor da entrevista a Rogério Alves]
Como e porque é que um advogado, que até já foi bastonário da Ordem dos Advogados, chega à presidência da Associação de Empresas de Segurança (AES)?
Cheguei a presidente da AES por convite, foi uma coisa realmente acidental. Num determinado momento desafiaram-me para assumir um compromisso relativamente a uma área da qual estava completamente afastado, analisei o pedido, como fazemos como advogados, analisamos o caso, e considerei que face aos objetivos que nortearam o convite, era um convite aliciante, interessante e útil. Já levo há três mandatos, há nove anos. Tive a alegria de agora recentemente ver a promulgação desta lei 46/2019 e verificar que muitos dos objetivos pelos quais tinha sido convidado, e que tinham sido os ingredientes que me levaram a aceitar o convite, acabaram por se concretizar. Agora temos de aguardar que se concretizem na prática porque há um certo fosso entre aquilo que as leis dizem e que a prática desdiz.
No último ano a Associação teve um papel importante na alteração à lei da segurança privada, que entra em vigor no próximo dia 7 de setembro. Há dois meses foram condenados três ex-seguranças da discoteca Urban Beach por duas tentativas de homicídio. Se esta lei já estivesse em vigor, teria mudado alguma coisa na responsabilização da discoteca e da própria empresa de segurança?
Nesse aspeto particular não mudaria muita coisa porque estamos a falar de fenómenos de índole criminal, na verdade não é aí que se fazem sentir as alterações que esta lei veio trazer. Há aqui dois universos que são a segurança da noite e a segurança que não é da noite. A segurança da noite é mais conhecida, porque infelizmente, de vez em quando, produz incidentes com grande impacto. A Associação que presido está fora desse segmento. O que esta lei vem ajudar a fazer, em matéria de responsabilidade, é que as entidades que contratem empresas de segurança privada que, por seu turno, não cumpram a lei em termos de pagamentos aos trabalhadores, à Segurança Social, ao Fisco, podem vir a ser responsabilizadas pela infração. O que acontece é que numa distorção claríssima da concorrência, empresas apresentam-se a concurso, nomeadamente no Estado, Tribunais, em ministérios, em universidades, em hospitais, com preços que imediatamente pressagiam que estas normas não vão ser cumpridas. Essa é uma das lutas que consideramos que está agora em condições de ser feita, com mais utensílios legais e com inspeções feitas de forma englobada pela PSP, pelas Autoridade Tributária e pela Segurança Social.
Há capacidade para essas inspeções?
Sim, porque essas inspeções têm uma vantagem muito grande. Com a informação que está disponível em fontes abertas para essas entidades, consigo diagnosticar rapidamente quantos contratos esta empresa tem, porque eles estão registados – obrigatoriamente têm que ser registados numa plataforma –, quantos trabalhadores estão a cumprir esses contratos, quantas horas esses contratos implicam, qual é o valor em trabalho extraordinário, em trabalho ao fim de semana…
Portanto vai ser tudo informatizado…
Ora bem. Por isso é que lhe chamamos inspeção inteligente. É abrir o computador e de uma forma muito fácil, acessível e rápida, diagnosticar as patologias imediatamente.
Esta lei da segurança privada traz também uma série de mudanças nos contratos de trabalho, uma luta também da vossa Associação. Encontrou situações destas?
O mercado sabe isto. Toda a gente sabe isto. O problema é demonstrá-lo, dizê-lo e não tirar partido disto. Quando o Estado coloca como critério de contratação fundamentalmente o preço, então o Estado também tira partido desta situação e fecha os olhos. O mercado sabe, e as autoridades fiscalizadoras sabem, que muitos desses preços baixos só são possíveis à custa da violação dos direitos dos trabalhadores, da violação das regras que obrigam a pagar à Segurança Social, ao Fisco, etc.. É através deste mecanismo de solidariedade na responsabilidade e de inspeções inteligentes, que vamos prová-lo, demonstrá-lo e atacá-lo. Quando a lei vem dizer que estas práticas são desleais e não podem ser levadas a cabo, vem reforçar a luta contra a violação dos contratos coletivos e contra a violação da lei.
Acha que assim poderá haver menos seguranças a exercerem a atividade ilegalmente?
A atividade ilegal de segurança privada vai ser mais difícil, mais combatida, porque a Assembleia da República teve muita sensibilidade para as soluções que propusemos. Fizemos aprovar um relatório que diagnosticava, já há vários anos, todas estas maleitas. E conseguimos que a lei fornecesse não só a devida orientação mas também as devidas sanções e os mecanismos de combate. É claro, as coisas são mais fáceis de dizer do que fazer, mas pelo menos a partir de agora estamos em condições de ir à luta contra o trabalho declarado de uma forma mais clarificada. A partir de agora as entidades têm que ter cuidado ao contratarem novas entidades.
A AES celebrou no final de 2018 um contrato coletivo de trabalho para as empresas suas associadas. No entanto há um mês surgiu um outro contrato coletivo no setor. Os cerca de 40 mil profissionais, que trabalham nesta área, regem-se agora por qual ? O Governo devia ter feito alguma coisa?
Depende, fizemos um contrato há vários meses, que não agradou a outra associação patronal. A partir daí o que se imporia, do nosso ponto de vista, era que o Governo, através da portaria de extensão, tivesse alargado os efeitos do contrato coletivo que tinham sido celebrados com os sindicatos e com a associação mais representativa, ao mercado que não estava abrangido por esses contratos.
O que não fez…
Não fez, o Governo fez uma espécie de veto de gaveta. Ficou a pensar no assunto, não tomou nenhuma decisão. Isto é: desencadeou o processo, ouviu as partes, houve oposição à extensão, houve quem estivesse de acordo e quem estivesse contra. Só que o Governo não decidiu, ficou à espera durante mais de um semestre. Entretanto, aparece outro contrato coletivo. Agora quem subscreve o contrato A fica vinculado a ele, quem está no outro fica no outro. Resta saber o que fazer a quem não está abrangido nem por um nem por outro. Nós continuamos a achar que são contratos muito semelhantes que têm uma divergência capital. Isto é, regra geral os trabalhadores da empresa A transitam em determinadas condições para a empresa B, ora no nosso contrato coletivo temos uma regulação muito precisa e detalhada de como é que opera esta transmissão. Na nossa apreciação, este novo e segundo contrato coletivo de trabalho refere-a em moldes vagos, imprecisos e, nalguns casos, até ilegais.
Basta uma qualquer empresa mudar de empresa de segurança e manter outro funcionário que tem outras obrigações. Porque acha que o Governo nada fez?
Não sei, o Governo ficou inerte a olhar para a situação, uma conduta que nós criticamos, mas infelizmente não posso interpretar. Essa espera criou alguma incerteza no mercado. Porque mesmo para além desta questão, havia questões nomeadamente salariais, onde conseguimos um aumento de 20% em dois anos. Se o mercado funcionasse dentro das regras podia abrir espaço a mais 4.000 postos de trabalho.
Representou recentemente um dos arguidos do processo Vistos Gold, o ex-presidente do Instituto dos Registos e do Notariado António Figueiredo. No processo foi também arguido um ex-ministro, Miguel Macedo, que acabou absolvido. O seu cliente foi condenado a quatro anos e sete meses por quatro dos 12 crimes de que fora acusado. Recorreu?
Claro que sim.
O Ministério Público também?
Também.
Como olha para este processo?
Bem, este processo tem muita simpatologia na administração da Justiça… Sobretudo olho para este processo com a seguinte visão: o país não pode ser judicializado. Há condutas que podemos considerar que são erradas, há condutas que podemos considerar que não deviam ser tomadas por A, por B ou por C, mas que não são crime. Em Portugal, as pessoas preocupam-se mais em saber se alguém é arguido no processo A ou B, do que em saberem exatamente o que ele fez. E esta judicialização do mundo, da política, que alastra e contagia pelo país todo, faz com que as pessoas não olhem para os fenómenos, mas para o epifenómenos.
Mas este processo não foi julgado pelas pessoas mas sim por um tribunal…
Não, mas repare, temos processos como este que suscitam grande debate público…
Como o processo Marquês que envolve um ex-primeiro-ministro…
Sim, muitas vezes eles são discutidos publicamente, mesmo por quem tem formação jurídica, e é até sadio, mas muitas vezes prescinde-se nessa discussão do que aconteceu. Não basta saber se o Presidente da Câmara ou o secretário de Estado é arguido. Eu, como cidadão, gostaria de saber o que ele fez. Mas voltando ao processo dos Vistos Gold, parece-me que há uma grande confusão entre o que é uma conduta eventualmente criticável e o que é uma conduta que constitua crime. São duas coisas completamente diferentes que muitas vezes não se distinguem. Aliás depois a lei vai atrás de um certo sentimento, de um apelo securitário da comunidade, e caímos em situações como esta da lei das incompatibilidades – que está agora na moda e que permite que um ministro tenha que ser destituído porque um seu sobrinho concorreu numa Câmara Municipal para fornecer o fogo de artifício para uma festa ou o almoço para uma inauguração, de acordo com a interpretação draconiana da lei…
Que existe há mais de 20 anos…
Que é de 1993 e depois foi retificada em 1995 e noutras ocasiões. Penso que a generalidade das pessoas considera que um ministro ou um secretário de Estado tem o dever ético de se comportar devidamente, isto é, de não favorecer familiares, não favorecer amigos, implementar procedimentos transparentes e corretos, afastar-se de situações equívocas. Mas já não acredito que as pessoas considerem bem que alguém seja compelido a demitir-se porque o seu sobrinho, o seu primo, o seu irmão ou o seu avô decidiu candidatar se a um concurso qualquer. E isso é motivo para que o ministro caia. Se alguém quiser derrubar um ministro, basta conhecer bem um primo. Faz algum sentido este sancionamento? Não faz. Assim como algumas condutas que não são legalmente puníveis mas que não deixam de ser eticamente condenáveis e desprezíveis, e as pessoas que as exercem devem ter um sancionamento político e administrativo.
Que era o que devia ter acontecido com Miguel Macedo…. Considera que a conduta do ex-ministro não configurou crime como, aliás, se provou em tribunal?
Exatamente. Posso discordar que o ministro tome determinadas opções, faça determinadas contratações, faça determinadas escolhas… Agora, esta avidez de tudo ser crime tem dois efeitos altamente perversos: atafulha os tribunais de coisas inúteis, o que não permite que se dediquem a coisas verdadeiramente graves, sejam crimes económicos, financeiros, de delito comum; e em segundo lugar faz com que a opinião pública seja desviada da sua análise dos factos para as etiquetas, daquilo que se fez para aquilo a que corresponde no teatro judiciário. Ver os candidatos a isto ou aquilo serem condenados em primeira instância e terem que se demitir, até compreendo. Porque uma pessoa condenada em primeira instância, justa ou injustamente, pode perder condições para exercer o cargo. Agora, temos que ter a noção que para alguém ser constituído arguido, basta um pequeno passo, uma queixa anónima. Vamos desjudicializar o país, deixar os tribunais paras coisas verdadeiramente graves e não fazer leis como esta nas quais todos tropeçam e andam todos à procura ‘Como é que eu fujo da lei que fiz?’.
A nova lei de segurança privada prevê uma questão que gerou alguma controvérsia, a avaliar pelos pareceres da Comissão Nacional de Proteção de Dados e da própria Ordem dos Advogados. Falo do sistema de videovigilância das empresas, que vai passar a estar ligado à polícia para efeitos de investigação e para uma intervenção mais rápida em caso de necessidade…
Há medidas intrusivas com as quais eu concordo, desde que sejam tomadas algumas precauções que a lei também procura tomar. Quando há equipamentos de videovigilância, as pessoas devem ser advertidas que eles existem. É assim nos espaços públicos. Acho que é útil que, havendo essa advertência, a polícia em alguns casos tenha conhecimento em tempo real, porque nós lidamos com fenómenos de terrorismo, criminalidade grave. Não me choca. Uma alteração importante que esta lei trouxe, e que refez um erro que a lei anterior tinha, tem a ver com as revistas à entrada dos recintos desportivos. A anterior lei dizia que se deviam usar raquetes de deteção e isso não faz nenhum sentido. Porque há alguns artigos que podem ser introduzidos num estádio, que nem sequer são detetáveis por esses meios técnicos. Portanto, a revista manual é perfeitamente admissível, feita pela segurança privada, porque só é submetido a essa revista quem quer entrar nesse espetáculo. E, de uma maneira geral, as pessoas que vão a esse espetáculo querem que a segurança privada seja eficaz a detetar, e obviamente impedir, a entrada daquilo que possa pôr em risco o desenvolvimento do espetáculo.
No caso da invasão à Academia de Alcochete, caso esta ligação vídeo existisse, teria mudado alguma coisa?
Em tese, claro que sim. Não podemos ter um país Big Brother mas deve existir atenção a determinadas zonas sensíveis. A possibilidade de detetar precocemente um fenómeno violador da lei afigura-se como positivo, mas também é dissuasora. Acho que há pequenos preços que têm que ser pagos. Sou defensor dos direitos liberdades e garantias, e este é um dos casos. Estamos a falar de espaços públicos, de espaços onde há perigo de eclosão de fenómenos de criminalidade, zonas mais sensíveis… Por exemplo, a rede de Metro. Obviamente que haver visualização de imagem em tempo real numa rede de Metro pode ajudar a prevenir fenómenos de criminalidade. As pessoas sabem que têm que abdicar um pouco da sua privacidade em prol da segurança da comunidade e este é um dos casos em que se justifica.
E como é que a lei é aplicada na prática?
Estamos sempre a tropeçar em formalidades de lei. Imagine o que se passa com as escutas. Quem está a fazer as escutas são elementos dos órgãos de polícia criminal, mas quem tem que validar as escutas é um juiz. Portanto, não pode qualquer pessoa que tem acesso às imagens usá-las, vendê-las, fazer chantagem com elas. Só podem e só devem ser utilizadas no quadro de uma investigação e quando valores elevados e previstos na lei impõem a utilização desse meio probatório. Quem não respeitar essa regra deve ser severamente punido. O que tem que haver é alguém que detete uma qualquer sintomatologia que tenha vestígios de ser prática criminosa e deve comunicar imediatamente à autoridades judiciárias competentes para que seja aberto um inquérito.
No caso da Academia do Sporting, havendo estas imagens, podia ter-se atuado mais cedo. A tese do crime de terrorismo acabaria por cair?
Se qualquer fenómeno, imaginemos a entrada introdução em local vedado ao público, ou a entrada proibida ou limitada, for detetado precocemente, pode evitar-se a prática de crimes, como é óbvio. Se alguém for com uma espingarda na mão com a intenção de matar alguém dentro de uma casa e for detetado precocemente, não pode ser punido e condenado por homicídio, poderá no limite ser por ameaça, por homicídio de forma tentada. Isto é um debate difícil, ninguém tem soluções perfeitas. Na dose certa, estas limitações à privacidade podem efetivamente evitar a eclosão de fenómenos criminosos. Se evita, as pessoas não podem ser julgadas nem punidas por eles.
Falou na questão do Big Brother… Entrou em 2006 no Sporting, como presidente da Mesa da Assembleia Geral, quando era bastonário, num período tranquilo. 12 anos depois, deparamo-nos com uma semana onde na segunda-feira vai almoçar com João Benedito nas Amoreiras, depois vai jantar com o grupo de pessoas no Clube de Golfe do Jamor e é logo logo “apanhado” com vídeos… Como vê essa mudança?
Foram três episódios curiosos, foram esses dois que referiu mais uma ida à final da Taça de Portugal em que fiquei ao lado do doutor José Maria Ricciardi. Foi a trilogia pré-eleitoral. Mas a questão é que em regra tenho boas relações com as pessoas. Portanto, quando fui almoçar com João Benedito, pessoa de quem sou amigo e de quem gosto, não foi às escondidas. Não era para ser fotografado, mas pronto, mas não fui às escondidas, na clandestinidade. Fomos a um sítio público, alias foi comentado por muita gente, até por muitos sportinguistas…
Nesse dia por acaso também lá estava José Maria Ricciardi…
Casualmente também lá estava a almoçar com outra pessoa… Mas não fiz isso à escondidas, porque quando há eleições, como em 2018 em que o Sporting estava a atravessar um período turbulento, é normal que algumas pessoas falem umas com as outras para tentar encontrar soluções… Agora parece que ser fotografado com alguém significa logo uma aliança, um projeto. Não, estamos a falar! Falei com muito mais pessoas em muitos mais locais para tentar construir alternativas, alternativas que foram construídas: no caso, o João Beneito construiu a sua, o Dr. José Maria Ricciardi a sua, e eu estive numa terceira. Isso não quer dizer que me incompatibilize com as pessoas e que não fale com elas. Como é que se conclui que a falar com A ou B estamos na mesma lista?
Considera que é essa perceção que depois vem cá fora, que ao contrário do que acontece no Benfica ou no FC Porto, quase que transforma o Sporting num partido político? Não acha que essas situações propiciam isso?
Não, porque isso levaria a que não pudéssemos falar uns com os outros, ou que falássemos uns com os outros na clandestinidade. Acredito que as pessoas no Benfica e no FC Porto também falam umas com as outras…
As pessoas aparentemente não ligam muito a isso…
Isso é que é o problema. O Sporting tem um protagonismo enorme no espaço público, viveu um ano em que houve muitos fatores de trauma, de desgaste, de conflito. O nosso grande desafio como Sporting é alterar esta situação. Não é deixar de falar uns com os outros. Temos é de não especular desenfreadamente. Temos de deixar de parte, como já várias vezes, a linguagem bélica, a permanente suspeição, as teorias da conspiração, que depois vão mudando. O grande desafio histórico do Sporting é começar a não ser refém disso que depois a própria imprensa espelha, porque se calhar ninguém noticia que o vice-presidente do Benfica A almoce com o diretor para as modalidade B ou com o putativo candidato C, mas o Sporting tornou-se um produto muito apetecível.
Em 2009 foi apontado como possível candidato na Mesa de José Eduardo Bettencourt e à presidência. Não uma nem outra. Depois entra no ato eleitoral de 2011, tem aquelas declarações em que diz que ganhou a Mesa e Bruno de Carvalho mas afinal foi ao contrário e na verdade quem ganha é Godinho Lopes e Eduardo Barroso…
Repare, essa questão é uma questão bastante simples. A informação que foi dada, porque lá está, é a falta de informação correta que faz depois induzir em erro. A informação que chegou lá ao piso onde nós estávamos, que é uma informação que se verificou depois que não estava validada, não tinha origem. Não se sabia bem de onde, foi uma informação num sentido que depois não conferiu com os resultados. Não temos que fazer isto um drama nem um caso…
Mas imagino que tenha ficado chateado, o diz que disse que lhe dava a vitória e que afinal passado uma hora e meia era outro…
Mas isso é uma questão pessoal. Ao contrário do que possa por vezes parecer, para mim a melhor solução para o Sporting é a que tiver que ser. E a vontade dos sócios deve sempre prevalecer independentemente de pessoa A ficar mais triste. Houve uma divulgação errada que não compaginou depois com os resultados. No tempo seguinte até se admitiu pedir a recontagem, coisa que jamais apadrinharia porque resignei-me a saber que tinha sido uma informação errada. Se agora me der uma informação errada sobre um óbito, eu darei uma opinião, se depois me disser que afinal a pessoa não morreu, o que eu disse fica desatualizado…
É valido para um dia…
Nesse caso sim [risos]. Ali houve a assunção de um pressuposto que é errado. E lá está, a minha preocupação na altura, quando me vinham falar no assunto era: ‘Para o Sporting o assunto está estabilizado, os resultados foram contados por quem tem que ser contados, não houve qualquer reação.’ Digamos que do ponto de vista judicial ou com pedidos de recontagem. Acho que isso é bom para o Sporting, não estarmos permanentemente a criar casos sob casos. Isso aconteceu há oito anos ainda se lembra disso! Isso foi apenas uma informação errada. E digo-o porque nada mais aconteceu.
Na verdade também nunca houve ninguém que explicasse que o que se passou era uma informação errada…
Só pode ter sido. Isso é uma dedução. Mas isso foi uma coisa que se descobriu logo ali passado meia hora, ou uma hora. Há meios jurídicos e práticos e concretos, os votos ficaram à guarda do Sporting, ficaram à guarda da mesa eleita, enfim de quem entendeu guardá-los e de quem na altura foi designado. Não houve qualquer reação para além de comentários.
Santana Lopes teve um chavão curioso quando esteve na última Vichysoise, aqui na Rádio Observador, quando lhe perguntaram se algum dia poderia concorrer a Presidente da República e respondeu “O futuro a Deus pertence”. O que pensa no futuro sobre o Sporting? Já cumpriu a sua missão?
Nunca pensei nisso, não tenho uma projeção quanto a isso. Acredito que há novas gerações que podem aparecer, que podem concorrer. Aliás, o presidente atual [Frederico Varandas] tem 39 anos. Há novas gerações, há gente nova, gente boa, que está a aparecer e isso é uma coisa na qual nem sequer penso. Tenho 57 anos. Se tudo correr normalmente, quando o mandato terminar estarei próximo dos 60 anos. Às vezes fico perplexo com algumas coisas… Como que sou advogado da Apollo…. São coisas completamente falsas. Para mim é uma questão absolutamente vital não fazer qualquer tipo de negócios, nem de acordos, nem de participações, a nível profissional com o Sporting, o que até pode ser uma limitação, mas é assim. Gosto do Sporting porque gosto do Sporting. Sou sócio há mais de 40 anos, tenho vivido, sofrido, combatido sempre a trincheira da Sporting e o que desejo é que consigamos aproveitar o tempo para construir unidade. Para que a nossa força, que é enorme, não seja embaraçada por esses permanente episódios de divisão.
[Rogério Alves “Sob Escuta”. A entrevista na íntegra]