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Cristiano Ronaldo contratou dois gémeos, agentes da PSP, para serem seus seguranças pessoais e o caso está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, por suspeitas do crime de segurança privada ilegal em território nacional. Por não estarem autorizados a desempenhar tais funções em Portugal, além do inquérito crime, que visa também quem os contratou — o jogador português ou alguém por si — poderão enfrentar um processo disciplinar quando e se regressarem à PSP.
Não se sabe quando começou a ligação entre Ronaldo e os irmãos Ramalheiro, mas foi público que entre 2018 e 2019, um dos dois polícias, à data do Corpo de Segurança Pessoal da PSP, já tinha estado a desempenhar funções junto dos jogadores da seleção nacional, altura em que as autoridades consideraram haver ameaça terrorista e decidiram apertar as medidas de proteção, incluindo dos jogadores.
Já depois disso, ambos pediram uma licença sem vencimento e foram trabalhar para a segurança do jogador (e da sua família). Mas, se fazer esse trabalho no estrangeiro (Ronaldo está agora em Manchester) não representa qualquer incompatibilidade, dentro das fronteiras nacionais é mesmo ilegal. O Observador sabe que por duas vezes ambos os polícias foram apanhados pela PSP a prestar segurança pessoal ao avançado português em Lisboa e que os indícios técnicos recolhidos terão mesmo levado a Direção Nacional da PSP a lavrar dois autos que enviou ao Ministério Público, para abertura de um inquérito-crime.
Questionada pelo Observador, a Direção Nacional da PSP disse não comentar “casos sob investigação”. Mas esclareceu que “o exercício de qualquer atividade de segurança privada em Portugal sem licenciamento e habilitação prévias, de empresas e profissionais, constitui crime, nos termos do respetivo regime jurídico”. E deixou ainda claro que a ilegalidade não está apenas em quem pratica a segurança privada, mas também quem contrata esses serviços incorre no mesmo ilícito: “Constitui crime quem contratar entidade e profissionais não licenciados e habilitados”.
Os dois agentes deverão ainda enfrentar um processo disciplinar no regresso às suas funções. “Em abstrato, os polícias que se encontrem em licença sem vencimento e que, nessa condição, pratiquem atos que possam ter relevância disciplinar, poderão ser sujeitos a procedimento nesse âmbito quando regressem à efetividade de funções”, adiantou ainda a mesma fonte oficial.
Imprensa inglesa mostra um dos seguranças em destaque
Vamos por partes. A imagem de um dos polícias que até há alguns meses prestava segurança pessoal a figuras ligadas à política portuguesa (como membro do corpo de segurança pessoal da PSP) apareceu esta semana no jornal britânico The Sun que noticiava uma ida a um restaurante italiano de Cristiano Ronaldo, neste seu regresso ao Manchester, e da sua família – a companheira Georgina, os filhos e a mãe, que o visitava. Mas esta não foi a primeira vez que o polícia apareceu em público ao lado do jogador português e da companheira Georgina, revelando ao mundo ser seu segurança privado.
Já em finais de agosto, quando foi anunciada a saída do avançado português do clube italiano Juventus, este polícia, já em licença sem vencimento, apareceu com o irmão gémeo, também PSP, ao lado de Cristiano e de Georgina à chegada ao aeroporto de Lisboa, onde eram esperados por uma multidão curiosa com o futuro da estrela do futebol. As imagens da TVI, por exemplo, mostram os dois irmãos (que na verdade são trigémeos, estando o terceiro a prestar serviço na GNR), à porta do aeroporto a observar se o casal pode passar em segurança para o carro que o espera, e acompanham-no impedindo que sejam abordados por jornalistas e curiosos no local.
Nesse mesmo dia 27 de agosto, apurou o Observador, a Direção Nacional da PSP, perante as imagens evidentes de que os dois polícias estavam a fazer segurança privada em território nacional, decidiu que deveria ser levantado um auto pelo exercício ilegal da atividade de segurança privada. E esta seria já a segunda vez que o fazia, sabe o Observador.
O primeiro auto levantado tinha sido já depois da estadia de Ronaldo em Portugal em maio, quando imagens televisivas mostravam o jogador e a companheira a saírem da sua nova casa, em Lisboa, também acompanhados pelos dois polícias em licença, como se pode ver também na TVI. Um deles está mesmo a usar um auricular.
Estes dois momentos foram fundamentais. Durante os últimos tempos, a PSP fez um trabalho de observação e de documentação da atividade de ambos em território nacional, tendo elencado nos autos, sabe o Observador, um conjunto de comportamentos para com Ronaldo e com terceiros, como jornalistas e adeptos — ao tentar desviá-los –, que deixou claro que desenvolvem ações de proteção, não só no estrangeiro — onde podem –, como no nosso país, sempre que o jogador cá está.
Apesar de o caso já estar no Ministério Público, questionada esta sexta-feira de manhã pelo Observador, a Procuradoria-Geral da República não enviou qualquer resposta até à hora de publicação deste artigo.
Jorge e Sérgio Ramalheiro estão na PSP há mais de uma década e já foram entrevistados algumas vezes com o irmão, por serem trigémeos nas forças de segurança, com um militar que enveredou pela GNR. Antes de se formarem na GNR e na PSP, e apenas com 18 anos, voluntariaram-se para ir para os Comandos e concluíram o 103.º curso com distinção. Chegaram mesmo a prestar serviço no Afeganistão. Acabariam depois por candidatar-se à PSP e à GNR. Jorge e Sérgio, os mais parecidos fisicamente, foram para a PSP e foram dos melhores alunos do curso. Alexandre foi para a GNR e foi o que terminou a formação com melhor avaliação.
https://www.youtube.com/watch?v=AfhTz8baN_E&ab_channel=S%C3%A9rgioRamalheiro
Sérgio e Jorge começaram a trabalhar no serviço de patrulha, mas assim que puderam concorreram à Unidade Especial de Polícia, onde entraram no Corpo de Segurança Pessoal. As fardas foram trocadas por elegantes fatos e era comum vê-los em serviço em cerimónias públicas onde estivessem chefes de estado ou membros de governo. Aliás, em Diário da República há mesmo louvores em seu nome assinados pelo então Presidente da República Cavaco Silva ou pelo ministro da Defesa Nacional Santos Silva (no caso de Jorge), pela dedicação no seu trabalho.
Em 2019, um dos gémeos a par de outros elementos da Segurança Pessoal, foram destacados para fazer segurança durante a Liga das Nações de futebol que se realizou em Portugal. Em causa estava uma possível ameaça terrorista dado o número de adeptos que se iriam concentrar no país. No final, a PSP acabaria por divulgar uma fotografia no Facebook com os cinco elementos da PSP que tinham estado com a comitiva portuguesa, ao lado de Ronaldo e da Taça conquistada por Portugal na competição. Um deles era um dos irmãos que agora deixou a polícia para lhe fazer segurança privada. “Só para relembrar que a Taça é nossa e que o CR7 sabe quem a guarda melhor: Corpo de Segurança Pessoal da Unidade Especial de Polícia”, lia-se na publicação.
Porque podem ser seguranças em Inglaterra, mas aqui não?
Em resposta ao Observador, a Direção Nacional da PSP explica que “a atividade no âmbito da segurança privada, exercida tanto por empresas como pessoas, encontra-se sujeita a licenciamento e habilitação prévia e é regulada pela Polícia de Segurança Pública, por intermédio do Departamento de Segurança Privada”.
Segundo a lei de segurança privada, para o exercício das suas funções, um vigilante de proteção e acompanhamento pessoal tem que ser titular de cartão profissional, emitido pelas autoridades competentes, válido pelo prazo de cinco anos e suscetível de renovação por iguais períodos de tempo. “Não há vigilantes avulsos”, explica ao Observador o advogado Rogério Alves, que preside à Associação de Empresas de Segurança (AES), que teve de negociar anos para garantir que havia contratos de trabalho nesta área.
“Para exercer funções tem que ter um contrato com uma empresa autorizada a exercer determinadas valências dentro da segurança privada e tem que ter o seu cartão profissional”, explica o advogado. Cartão que é atribuído à Direção Nacional da PSP depois de uma formação em segurança privada e que terá que ser devolvido caso cesse o contrato de trabalho.”Quem atribui o cartão para o exercício da atividade é a PSP, que terá que verificar se não está num quadro de impedimento ou incompatibilidade”, diz Rogério Alves, sem conhecer o caso concreto. Aliás, diz, os chamados guarda-costas são, em Portugal, “uma minoria”.
E lá fora, como funciona? Na resposta enviada ao Observador, a PSP esclarece que “o exercício dessa atividade em território nacional rege-se por normativos nacionais próprios, que poderão não ser coincidentes com os de qualquer outros país, nomeadamente europeu”. Ou seja, “uma empresa ou pessoa que cumpra os normativos nacionais e possa exercer atividade de segurança privada em Portugal, poderá não o poder fazer noutro país e vice-versa”. Isso faz com que, pelas funções praticadas por ambos no Reino Unido ou em Itália, a PSP considere que não há qualquer irregularidade ou ilegalidade em relação aos dois irmãos.
Há cada vez mais polícias a saírem da PSP, garante sindicato
O presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP), Paulo Santos, disse ao Observador que há cada vez mais polícias a saírem da instituição com uma licença sem vencimento de maior ou menor duração, mas que a maior parte sai para outros serviços “mais atrativos” (financeiramente) dentro do setor público, uma vez que muitos fizeram entretanto licenciaturas. Há, porém, casos residuais de polícias que saem para fazer segurança privada, mas não em licença sem vencimento, até porque “cria um quadro de desconfiança em incompatibilidade”. A menos que seja num quadro de comissão de serviço para trabalhar como segurança privado num ministério, por exemplo.
Em casos muito pontuais, conta, já aconteceu, no entanto, polícias saírem em licença sem revelar o verdadeiro destino e quando voltam à instituição acabam a enfrentar processos “disciplinares e até criminais”. Paulo Santos lembra que entrar na PSP implica uma formação dada pelo Estado.
É que, segundo explicou, as licenças sem vencimento (que podem ser de curta ou longa duração) só são concedidas pela Direção Nacional da PSP de acordo com o objetivo de quem as pede. “O Estado investe-nos, estamos num regime de nomeação e não num contrato de trabalho normal da função pública”, adverte o dirigente sindical.
O Observador contactou Jorge Ramalheiro para perceber se ele e o irmão já tinham sido notificados do inquérito. Apesar da insistência — as mensagens enviadas foram lidas — não foi enviada qualquer resposta até à hora de publicação do artigo.