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Rui Moreira fumava no alpendre da sua enorme casa na Avenida da Boavista, no Porto, enquanto esperava pelo Observador. Choveu torrencialmente durante a entrevista, que decorria na sua sala. O presidente da Câmara do Porto preferiu falar como candidato num território mais pessoal e não no seu gabinete na Avenida dos Aliados. Na entrevista emitida em direto esta quinta-feira de manhã no Facebook e em streaming no site do Observador, o independente respondeu também a leitores e deu as suas explicações sobre a rutura com o Partido Socialista e com o seu ex-vereador Manuel Pizarro. Chegou a admitir que, com a atitude do PS, e depois da entrevista de Ana Catarina Mendes ao Observador, o seu grupo de apoiantes não podia deixar “que a candidatura fosse contaminada ou apropriada” por outros Neste caso, o Partido Socialista.
Apesar de toda a novela política que se desenrolou ao longo da última semana, Rui Moreira admite que sem o PS não será mais fácil: “Sei perfeitamente que hoje o caminho para uma eventual vitória nas eleições é muito mais difícil do que era há quinze dias atrás”. Em relação à cidade, fica a promessa de criação de uma taxa turística.
“Não podíamos deixar que a nossa candidatura fosse contaminada ou apropriada”
A independência do candidato Rui Moreira seria contaminada se fosse para as ruas do Porto em campanha com o Partido Socialista?
Não. Não era com o Partido Socialista. Desde o princípio, quando apresentei a minha candidatura, disse que todos cabiam. Pessoas com partido, que não têm partido, algumas que nunca votaram, outras que votam aleatoriamente ou de acordo com os seus interesses. Não teria nenhum problema.
Incomodava-o durante a campanha aparecerem pessoas com bandeiras do PS?
Não tivemos bandeiras na nossa campanha a não ser as do Nosso Partido é o Porto e só nos últimos dias. Não tínhamos muito dinheiro. Conto que participem na nossa campanha pessoas que são do Partido Socialista e que vão preferir se calhar a nossa candidatura e vão andar connosco, como andaram pessoas do PSD e até do Partido Comunista. Pessoas e bandeiras apesar de tudo são coisas diferentes.
Em termos de conceito, se a sua campanha tivesse um apoio do PS — que é o partido do Governo –, poderia manter o seu discurso quando disse há quatro anos: “Isto é uma lista livre e independente, verdadeiramente independente”?
Poderia, não teria problema.
Esse discurso teria a mesma coerência? Era mais difícil.
O discurso é coerente, porque também da primeira vez imaginámos que houvesse outras forças políticas a apoiar-nos. Quando lançámos a primeira candidatura não tínhamos ainda o apoio do CDS, é bom que se tenha a noção disso.
Mas esta cisão com o PS reforça o caráter independente da sua candidatura. Não é uma vantagem para si romper agora com o PS?
Em primeiro lugar, ontem [quarta-feira] ficou felizmente claro, através da entrevista do dr. Manuel Pizarro [à RTP2] que não foi o Rui Moreira que cortou com nada. Esse assunto está definitivamente arrumado e não queria voltar a ele. Acho que as pessoas já perceberam. Não se trata de reforçar. O que não podíamos deixar é que esta nossa candidatura fosse de alguma maneira contaminada ou apropriada por alguém. Desde o princípio, quando foi anunciado o apoio, se é um apoio sem condições, muito bem…
Está a falar da conversa que teve com António Costa antes de ele anunciar o seu apoio há cerca de um ano antes do congresso do PS?
Não foi a conversa que tive com António Costa. Sobre isso não falo. Falo sobre as declarações públicas que fiz nesse mesmo dia. Lembro-me de estar a sair da Torre dos Clérigos, com o Miguel Pereira Leite, presidente da Assembleia Municipal, e disse: “Agradeço muito o apoio. É exatamente isso que nós pretendemos dos partidos democráticos, não queremos partidos de extrema-direita ou fascistas. Agradecemos o apoio, e não nos sentimos condicionados por ele e contamos com esse apoio, e, já agora, o presidente da Assembleia Municipal, se ele puder vai ser aqui o Miguel Pereira Leite”. Isto manteve-se sempre e terá de se manter como essência do movimento independente. Por isso, disse que não pode ser entendido o apoio dos partidos a um movimento independente como se fosse uma coligação formal, que nem sequer é permitido por lei. E uma coligação informal não é permitida por nós e pelas pessoas do Porto. O Porto não quer isso, como demonstrou nessa altura.
Então foi o PS nacional que se tentou apropriar da sua candidatura, foi isso?
Não. O que estou a dizer é que o que aconteceu nas últimas horas esclareceu finalmente questão. Andava-se a discutir quem quebrou, quem fez, não sei o quê, esse assunto está resolvido. O dr. Manuel Pizarro disse claramente que foi o PS que entendeu não apoiar esta candidatura.
“Era legítima a expetativa de Pizarro ir em número dois”
Tudo isto começou as declarações de Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS ao Expresso e ao Observador: o que é que ela disse que foi assim tão grave?
Ela condicionou o apoio a uma negociação de listas. Para ser claro: nada disto tem a ver com as celebrações, ou com o facto de o PS fazer contagem de votos. Para nós, o que interessa é a contagem no Porto. O facto de as pessoas celebrarem, com certeza: se ganham uma eleição, se sentem que fazem parte, é normal que celebrem, que façam as contas que quiserem. Essa questão não nos incomoda. A questão é ela ter dito especificamente que era um apoio condicionado à participação nas listas, o que aliás ontem foi reafirmado pelo dr. Manuel Pizarro.
O que Ana Catarina Mendes disse foi que o PS “apoia a candidatura de Rui Moreira e está absolutamente convicto de que terá representação forte nessa lista”. E depois que a representação do PS será no quadro “de uma negociação que terá de haver com o PS”…
Lá está, negociação…
Mas não é suposto negociar-se quando se está a fazer um acordo e a dar um apoio?
Não. Negociar não. É suposto haver conversas no sentido de fazer a melhor lista, de compor um governo para o Porto. Os vereadores são imutáveis, cada um deles é eleito individualmente. Quando se escolhe uma lista para a vereação, não é a mesma coisa que escolher ministros. Ministros podem mudar-se. O vereador é imutável, porque é eleito por direito próprio. A negociação implica objetivamente uma condição, que faz sentido para os partidos. Se dois partidos se resolvem coligar numa eleição local ou nacional é normal. A lógica dos partidos é perfeitamente legítima. Mas essa não pode ser a lógica dos movimentos e independentes.
Seria aceitável que o PS tivesse uma representação inferior ao que seria a transposição dos resultados eleitorais via método de Hondt?
Mas não tenho resultados eleitorais, isso só vamos ter agora.
Não. Com base nos resultados anteriores, de 2013. Quando se juntam candidaturas juntam-se com base no método de Hondt.
Mas nunca se colocou dessa forma.
O PS aceitava uma representação abaixo disso?
Nunca se colocou dessa forma, mas era perfeitamente legítima a expetativa do PS, que nunca neguei, de ir naturalmente buscar pessoas ao espetro do PS, fossem dirigentes, militantes ou simpatizantes.
Mas comunicou essa vontade a Manuel Pizarro?
Falámos várias vezes. Não me vou pronunciar sobre as conversas que tive com o dr. Pizarro, mas era evidente que este era um assunto pacífico entre nós. Não havia nenhuma querela relativamente a essa matéria.
Já tinham alguma coisa fechada na questão das listas?
Não tinha coisa nenhuma fechada…
Na quarta-feira, quando foi a entrevista de Ana Catarina Mendes, não havia já um esboço do que ia ser a lista?
Havia várias conversas com Manuel Pizarro no sentido de contactarmos algumas pessoas que de facto eram do espectro do PS. Mas que fique claro: era perfeitamente legítima a expetativa do dr. Manuel Pizarro de ser número dois da lista.
Era uma possibilidade que tinha em mente?
Com certeza. Era uma possibilidade admitida, legítima e provável. O que é que transforma isso numa situação mais ou menos impossível? É preciso conjugar as declarações da secretária-geral do PS, com o caso Manuel dos Santos. Há quase um mês, este eurodeputado do PS fez declarações que depois reiterou num artigo escrito no i a dizer: há um acordo secreto. Rui Moreira vai ser eleito, depois vai ser convidado por António Costa para ministro ou para eurodeputado e, nesse momento, Manuel Pizarro é o presidente da câmara do Porto. Pode-se dizer que não é muito credível. Pois o Tiago Barbosa Ribeiro, presidente da concelhia disse que isso não era verdade e o Rui Moreira reagiu. Mas essa era a intervenção que esperava que houvesse quer por parte do primeiro-ministro. Dizerem que me ia chamar para ministro é um facto muito grave na democracia portuguesa se isso sucedesse.
“As pessoas do Porto não gostam dessas trafulhices”
Manuel dos Santos nem sequer é da mesma fação do PS de Manuel Pizarro. Ele foi contra o acordo de gestão da câmara…
Sei que o dr. Manuel Pizarro ficou tão incomodado com isso quanto eu. Sabe que as coisas no Porto são como são. As pessoas no Porto não gostam dessas trafulhices, que era a ameaça que era feita ou a suspeita levantada. Lembrem-se o que aconteceu com o dr. Fernando Gomes. Um dia saiu da cidade para ir para ministro. E depois voltou para o Porto para concorrer às eleições e perdeu.
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Sente-se um lesado de Espírito Santo?
Não.
O FC Porto não o lesou nesta época?
Sim, mas não o Espírito Santo.
Então quem?
Há um problema de ciclo, o Benfica está num ciclo virtuoso, o Porto já o teve, mas não identifico em Espírito Santo essa culpa.
Ser presidente do FC Porto, nunca?
Estou quase como o Bruno de Carvalho: era daquelas expectativas de criança, só que no meu caso já não vou lá chegar. O FCP está bem entregue.
Lisboa tem um presidente que é do Porto. O Porto aceitaria ter um presidente de Lisboa?
Não sei se já teve, mas acho que não vai ter.
O que sabe melhor numa tarde de verão, uma imperial ou um fino?
Um fino claramente.
Mas pode-se beber um fino em Lisboa e uma imperial no Porto?
Acho que sim, hoje em dia já se pode. Somos ambos mais cosmopolitas do que éramos há uns anos. Quando vou a Lisboa e peço um fino já ninguém se zanga. Ainda que goste mais de vinho do que cerveja.
Que vinho serve às suas visitas estrangeiras?
Vinho do Douro ou vinho do Porto, conforme a circunstância. A última vez que oferecemos um almoço foi Vinha Grande. O vinho do Porto não sei qual era.
O que é que deixou de fazer desde que é presidente da câmara de que tem mais saudades?
Tenho menos tempo para estar com os meus filhos, com os meus netos, com a minha mãe e tenho menos tempo para fotografar e para escrever. Já não consigo fotografar pessoas e gostava muito de fotografar pessoas.
Pode usar o novo conceito das selfies…
Eu próprio já estou a ser selfizado em muitas alturas.
Tem selfies com o Presidente Marcelo?
Nunca tirei nenhuma.
O que é que Lisboa tem de melhor?
A luz.
Como é que se agradece a uma pessoa que nos dá um rim mesmo sendo um irmão?
Continuando a fazer a vida normal, com ele, e tendo juízo para não o estragar.
Encarou a possibilidade de morte muito cedo na sua vida, como é que isso o marcou?
Há duas formas de ver a coisa: dá-nos mais coragem, percebemos que estamos em tempo emprestado (neste caso pelo meu irmão ou por ter tido sorte) e a partir daí percebemos que não vamos cá estar sempre, passamos a olhar a morte de maneira diferente.
Que sonho tem ainda por realizar?
Não tenho grandes sonhos. Gostava de ver os meus netos crescerem, espero ter saúde para ver os meus netos crescerem.
Mas a aceitação de um convite para ser ministro dependeria de si.
O pior era dizer que isto estava combinado e isso é extraordinariamente grave. É mentira e quando é mentira é preciso que alguém denuncie isto. Ou pelo menos alguém com responsabilidades nacionais que o esclareça. A partir daquele momento agrava o impacto das declarações da secretária-geral. Porque ela até aí não tinha falado no Porto e começa a falar nessa mesma altura. Esperava que a direção do PS dissesse que o que aquele senhor disse é mentira. Que o primeiro-ministro fizesse uma declaração a dizer que não podia ser e que era preciso pôr ordem na casa. Isto era uma suspeita de caráter. Imagine que me apresentava às eleições e Manuel Pizarro ia em número dois. Passado dez dias eu ia para ministro e entregava a câmara ao PS. Era isso que estava a ser construído. Não pode ser.
Mas não acha que o eurodeputado Manuel dos Santos é um bode expiatório um bocadinho distante do Largo do Rato?
Não. Se a secretária-geral adjunta do PS, sabendo que as coisas no Porto estavam todas resolvidas, queria ter uma intervenção, em vez de estar a dizer que queria condicionar a minha lista, porque é o que não disse: “O que aquele senhor disse não é verdade e aquilo que acontece no Porto está a ser tratado no Porto, pelo Tiago Barbosa Ribeiro e pelo Manuel Pizarro e aparentemente está tudo bem”.
Depois da entrevista de Ana Catarina Mendes ao Observador, o seu núcleo duro reuniu-se e, na manhã seguinte, todos os jornais, incluindo o Observador, escreveram que Rui Moreira prescindia, recusava, rompia, com o PS. Isso não era verdade?
Os meus conselheiros manifestaram, na própria noite, a necessidade absoluta de reunirmos, chamando a atenção para o facto de estarmos a perder o controlo da situação. Havia um conjunto de pessoas que começava a não perceber o que estava em jogo. Ou seja, parecia de repente que a nossa candidatura, que era uma candidatura independente e que tinha o apoio do PS, estava a ser invertida. Parecia que afinal era uma candidatura do PS, determinada pelo PS, e que era apoiada pelo movimento independente. Esta é a lógica dos partidos. Não é a nossa. Aquilo que essas pessoas disseram foi: “Se é assim, temos de abdicar do apoio do PS”. Que é uma coisa completamente diferente de dizer: ‘Houve rutura’.
Mas abdicar do apoio do PS é uma rutura…
Não. Se o apoio do PS fosse condicionado, então tínhamos de abdicar do apoio do PS, isso é que foi dito. E foi isso que eu disse à noite na SIC, palavra por palavra. Agora, o que o doutor Manuel Pizarro diz é perfeitamente legítimo. Ele diz: “Estava à espera de ter o número dois e não sendo o número dois na lista, o PS não está interessado”. Compreendo perfeitamente.
Não foi isso que Manuel Pizarro disse, mas já lá vamos. Depois da reunião do seu núcleo duro, o que é que esperava que o PS fizesse?
Esperava que o PS falasse e Manuel Pizarro fê-lo nessa manhã [de sexta-feira]. Também toda a gente sabe que fui almoçar com o Manuel Pizarro nesse dia, mais não direi e não vou revelar o conteúdo. Nessa noite fui à SIC e expliquei claramente que agradecíamos o apoio do PS, da forma incondicional que tinha sido anunciado há um ano. Esclareci também que o número dois não seria uma pessoa do PS. Quis deixar isto claro. E disse-o nessa altura porque as circunstâncias estavam profundamente alteradas por estas duas componentes. Compreendo que o PS diga depois: “Não aceitamos”. Sabe uma coisa? Ficar em número dois, três ou quatro é a lógica dos partidos.
Rui Moreira em 45 tweets. “Foi o PS que entendeu não apoiar candidatura”
Manuel Pizarro entendeu as suas declarações como um ultimato: “Ou eu, ou PS”. E posso ler algumas declarações de Manuel Pizarro que o demonstram: “Sou militante com muito orgulho, não renego a minha filiação…” . Manuel Pizarro entendeu-o como um ultimato…
Não vale a pena insistirmos relativamente a essa matéria. Compreendo e respeito perfeitamente que a lógica de um partido possa ser essa. Não foi nenhum ato de arrogância, nem de sobranceria.
Não respondeu. Estou a centrar-me nas declarações de Manuel Pizarro que disse claramente que sentiu num “beco sem saída”…
Então tomou a decisão que quis tomar. E respeito perfeitamente. Eu e Manuel Pizarro temos demonstrado nos últimos dias que, independentemente da espuma e da poeira que por aí anda, que somos capazes de dizer a mesma coisa gostando ou não gostando do que sucedeu. E que seja claro: nenhum de nós gostou do que aconteceu. Estamos a tentar preservar uma relação de amizade e de respeito mútuo, dizendo a verdade. Agora, o facto de ambos estarmos a dizer a verdade, não quer dizer que a conclusão tenha de ser a mesma. Aquilo que ficou claro ontem [com a entrevista de Manuel Pizarro, na RTP2], é que o PS não aceitou. Qual PS? Não me diz respeito. No meu movimento, a questão é simples: gostaríamos de manter esta relação, mas esta relação não pode ser condicionada por lógicas partidárias.
Manuel Pizarro comprou uma guerra grande dentro do PS quando decidiu apoiá-lo na gestão da câmara, em 2013. Não acha que ele merecia que tivesse tido um bocadinho mais de paciência com o partido em Lisboa?
Eu também merecia. O nosso movimento também merecia. Na altura, o nosso movimento interpretou aquilo que era a geografia ditada pelos eleitores. Se não nos deram maioria absoluta, temos uma segunda força política mais votada e era normal que falássemos com Manuel Pizarro. E até só precisávamos de um vereador para a maioria. Ainda assim, convidámos o dr. Manuel Pizarro e o arquitecto Correia Fernandes. E aquilo que fizemos nessa altura foi um acordo que interessou a ambas as partes. Aqui não tem que haver um agradecimento relativamente a essa matéria. É um agradecimento mútuo porque, de facto, o PS teve também durante este tempo todo o protagonismo que teve e foi muito útil através das pessoas que participaram. Isso foi muito importante para a cidade.
“A ‘mercearia’ destrói a credibilidade dos partidos”
Temos aqui várias perguntas de leitores. A primeira é a de José Batista que pergunta se estaria disposto a integrar como vereador um executivo presidido por Manuel Pizarro?
Se fosse do PS, seguramente que não.
Na convenção do PS houve quem lhe chamasse partidofóbico. É partidofóbico?
Essa declaração vem do presidente de câmara de Caminha, que considero ser dos melhores valores autárquicos de Portugal. Só me preocupa que ainda não tenha percebido aquilo que eu disse há quatro anos. Os partidos são o sal da democracia — que não pode ser feita apenas através de movimentos independentes e sou contra a democracia direta –, mas os partidos terão de compreender que esta questão da “mercearia” destrói a credibilidade dos partidos. É importante que o percebam isto para que não aconteça o que está a acontecer nos outros países europeus, em que subitamente os partidos tradicionais desapareceram. Quando a própria Ana Catarina Mendes, quando lhe perguntam se o PS não tem um projeto de poder futuro no Porto, e ela diz “a seu tempo”, eu esperaria que ela dissesse o contrário. O normal era que ela dissesse que “nos próximos quatro anos vamos estar com o Rui Moreira”.
Também o acusaram de ter um “ego galáctico” nessa convenção do PS. Como é que comenta isso?
A única coisa de galáctico é que sou um admirador do Cristiano Ronaldo, à parte disso não me vejo como galáctico, não acho que tenho esse ego e sejamos claros: sei perfeitamente que hoje o caminho para uma eventual vitória nas eleições é muito mais difícil do que era há quinze dias.
Acha que é mais difícil sem o PS do que com o PS?
Com certeza, com certeza.
Se lhe faltar outra vez a maioria absoluta, Manuel Pizarro já disse que os acontecimentos de agora têm gravidade para o futuro…Voltaria a convidar Pizarro para vereador?
Não vou pôr sequer esse cenário. A minha primeira preocupação é saber se os eleitores querem que o nosso projeto continue. São os eleitores portuenses — não é Lisboa –, que vão determinar nos próximos meses quem é que vai ganhar as eleições. E depois vão determinar se o vencedor dessas eleições terá ou não a maioria absoluta, e só depois disso nós faremos a interpretação que entendermos.
Disse na RTP2 que são os eleitores que vão definir a geografia política. Se o PSD ficar em segundo, admite fazer uma acordo com o PSD?
A questão coloca-se sempre na lógica de, primeiro, ver o que os eleitores dizem, depois no dia seguinte falaremos.
Então não exclui.
Não excluo hipóteses nenhumas nem considero hipóteses nenhumas. Serão os eleitores a determinar o mapa eleitoral e nós neste momento não abrimos nem fechamos portas porque não faz qualquer sentido.
Já disse que foi o PS nacional que prejudicou o processo e tentou contaminar o movimento independente. Mas na entrevista à RTP2, Manuel Pizarro nega essa tese e diz que a decisão de avançar com uma candidatura foi dele. Isso não desmente a sua tese?
Não vale a pena. Foi o PS, não vale a pena. Se o dr. Manuel Pizarro diz que foi ele, foi o PS. Quero é que fique claro, para aqueles que diziam que eu tinha tomado a posição arrogante de ser eu a rachar, ficou claro que foi o PS. Não me peça para fazer essa análise. Tenho total respeito e consideração pela decisão que foi tomada pelo PS. É bom que tenha ficado claro com o dr. Pizarro, a quem eu agradeço a correção, que esta decisão foi tomada pelo PS. Como é que o dr. Pizarro tomou a decisão, se foi individual ou não, certamente que foi em nome do PS e portanto foi o PS, não me interessa mais.
Concorda com a frase de Jorge Coelho que dizia que os independentes são demasiado imprevisíveis?
Prefiro dizer que os partidos às vezes são demasiado previsíveis.
“Não pode haver só restaurantes de tripas e bacalhau”
O leitor Nuno João pergunta: “O que pensa sobre a massificação que se observa ao nível do setor da restauração no Porto? O que pensa sobre a ameaça de perda de identidade da cidade face a esta nova fase que a cidade vive?”
Relativamente à restauração no centro do Porto, temos verificado é que há uns anos estava em grandes dificuldades. Há uns sete anos, muita da restauração tradicional estava esvaída. Por várias razões, desde logo pelo IVA da restauração que, numa altura em que as pessoas tinham menor poder de compra, teve maior impacto; ao mesmo tempo, houve a alteração da leis das rendas. Por isso, vimos restaurantes tradicionais sofrerem momentos de grave aflição. Muitos desses restaurantes estão hoje a viver melhor porque têm mais clientela, e porque a própria cidade estado na moda….ajuda. Quando aparece um restaurante como o Ernesto ou a Adega de São Nicolau a serem citados em roteiros internacionais no New York Times ou no Washington Post isto é excelente. É a maior publicidade que podem ter e não têm de a pagar. É evidente que depois isto não garante que não haja também outros restaurantes. Alguns deles de promotores de sushi que querem fazer restaurantes de sushi ou disto ou daquilo. Também não podemos ter uma cidade em que todos os restaurantes têm de ter tripas ou bacalhau. O que é importante é que haja esta mistura. Se me pergunta se o sushi é uma tradição? Não é, mas se as pessoas gostam….
Outro leitor, Simão Rio, pergunta: “Como pensa resolver o problema do estacionamento em segunda fila e locais proibidos que se instalou na cidade após a disseminação dos parquímetros?”
Não posso responder a uma pergunta que não corresponde a uma realidade. A verdade é que o estacionamento em segunda fila existia na cidade há anos. As pessoas criaram o hábito de terem direito àquilo, de chegar um polícia e a pessoa dizer que só estava ali parada porque estava à espera que a mãe descesse do consultório. É um hábito que está criado em Portugal. Tem de se resolver através de uma alteração profunda da nossa cultura, mas também através do policiamento. Não tem nada a ver com os parquímetros. O que os parquímetros fizeram foi aumentar a rotação junto ao passeio, o que é conveniente para os moradores e para o comércio tradicional. Se for hoje a zonas de parquímetros, vê que não só há mais estacionamento como há menos estacionamento em segunda fila. A relação de causa efeito abordada por este leitor não corresponde à realidade.
Mais um leitor, Luís Razoilo, pergunta o seguinte: “Não acha que, de certa forma, faltou ao respeito aos portuenses ao atribuir uma medalha de mérito ao genro do ditador angolano?”
Em primeiro lugar, a medalha de ouro que foi atribuída ao dr. Sindika Dokolo foi atribuída por unanimidade. Todos os partidos representados na câmara e na Assembleia Municipal (nós, PS, PSD, PCP, BE) concordaram com a atribuição das medalhas. E fizémo-lo porque o senhor em causa teve para com a cidade do Porto uma atuação extraordinariamente relevante ao nível cultural, tendo trazido um dos maiores colecionadores de arte africana. Tal como aconteceu ao senhor Oliver Stone, que esteve na cidade noutra circunstância, mas também lhe foi atribuída a mesma medalha. Apenas isso.
Espera que se continue a discutir o mercado do Bolhão?
O mercado do Bolhão já não se discute porque finalmente as pessoas já viram que está em obras.
Mas a obra ainda não acabou.
Como é que podia ter acabado?! A obra podia ter acabado de uma maneira: se entregássemos a privados. Discutimos esse assunto com todo o cuidado, com todos os comerciantes, fizemos um levantamento socioeconomico, falamos com todos os partidos, era importante haver um alargadíssimo consenso. Chegamos à conclusão que a cidade do Porto podia-se dar ao luxo de não fazer aquilo no modelo privado, porque as contas assim o permitiam. Depois chegamos à conclusão que o Porto precisava de ter um mercado municipal de frescos, isto foi muito mais importante. As obras estão em curso, o concurso do resto da obra está lançado.
“Se me perguntar, consigo encontrar 20 estações de metro que seriam precisas!”
O que é que o distingue de Manuel Pizarro?
O que é que me distingue? Naturalmente temos, em relação à política nacional, opções diferentes. Mas isso não era importante. Durante quatro anos interpretámos um programa, que era o meu programa, em que houve uma enorme participação de dois vereadores nas áreas que eram da sua competência direta, mas também em muitas decisões. Tínhamos reuniões alargadas em que havia sugestões, participação de uns e de outros. Certamente havia coisas em que estávamos de acordo e outras em que não estávamos.
Onde é que não estavam de acordo?
Em pouca coisa. Não faz sentido agora estar a falar disso.
Ficou satisfeito com a alteração legislativa para as candidaturas independentes? A associação dos autarcas independentes diz que é minimalista, concorda?
Para já, acho que o que fiz do ponto de vista democrático é inatacável. Dirigi uma carta a todos os partidos com representação parlamentar a chamar a atenção para um aspeto que ainda não estava a ser abordado no Parlamento: é que a intenção que o legislador tinha não estava plasmada na lei e havia ali um buraco negro que precisava de ser corrigido. O que foi feito podia ter ido mais além. Mas a questão fundamental foi resolvida: o fator de imponderabilidade. Ou seja, corríamos o risco de ir recolher assinaturas com uma lista com todos os membros, efetivos e suplentes, e subitamente um deles morrer ou ficar inibido de concorrer. Resultado: toda essa lista era considerada nula. Isso não parecia certo. Os partidos compreenderam isso e criaram aqui uma flexibilidade suficiente para, até um determinado número de membros dessa lista, se puder fazer alterações. Outra coisa estranha era as nossas siglas não poderem estar no boletim de voto, tinha de ser um número romano. Parece ser concorrência desleal, todos concordam. Os partidos resolveram também essa questão. Claro que podia ter-se ido mais longe — como disse o Presidente da República –, mas Roma e Pavia não se fizeram num dia. Alguma coisa foi conseguida e estou satisfeito com isso.
O nosso leitor Ricardo Martins enviou a seguinte pergunta: “A esmagadora maioria das cidades europeias tem apostado na mobilidade através de bicicletas para resolver os problemas de trânsito. Tenciona seguir esta tendência no segundo mandato?”
Para resolver os problemas de trânsito nos não podemos contar que a bicicleta resolva o problema todo. A minha aposta neste momento é de duas naturezas: primeiro, há a questão dos STCP, a decisão que este Governo tomou de permitir a municipalização dos STCP vai-nos permitir ter políticas ativas de mobilidade. Da mesma maneira que o crescimento da rede do metro, já anunciado, vai melhorar seguramente essas condições. É evidente que as bicicletas resolvem uma parte do problema, e vamos continuar a fazer ciclovias, mas para isso precisamos de um outro projeto que tem a ver com os modos suaves de transporte. Infelizmente o Porto, mais do que Lisboa, tem um problema para quem anda de bicicleta, que é ter muitos altos e baixos. E por isso temos de encontrar formas de permitir que isso não seja um obstáculo.
Por falar em mobilidade… Admite construir mais 20 estações de metro, como prometeu Assunção Cristas para Lisboa?
Vinte? Eu para já estou preocupado com esta extensão de metro que está anunciada, espero que ela ande e estou muito contente com a decisão que foi tomada nessa matéria por este governo, e gostaria depois que o metro pudesse ter mais algumas estações. Mas o investimento público é o investimento que é. Se me perguntar se eu consigo encontrar 20 estações que seriam precisas eu consigo!
Assunção Cristas fez esse anúncio no Parlamento, não acha que essa é uma visão centralista do investimento?
A visão relativamente a Lisboa nunca é uma visão centralista. Acho perfeitamente legítimo que se procure pelo menos mapear as estações do futuro. A Metro do Porto fez uma análise de custo-benefício e se somarmos as estações todas que estão previstas são mais do que 20. Não me parece mal que se tenha uma visão estratégica duma rede, olhando para a rede de metro de Londres ou Paris percebemos que a densificação é competitiva. Ter um pensamento estratégico parece-me absolutamente bem, mas se me perguntar se e vou prometer estações de metro não vou. Desde logo porque o metro do Porto não é um investimento municipal. Gostaria que fosse se a câmara tivesse os recursos para o fazer, mas não tem.
O pacote de descentralização do Governo é centralista ou é suficientemente descentralizador?
Retomo o meu discurso de tomada de posse. Descentralizar implica transferir não apenas competências mas recursos humanos e materiais, sob pena de apenas estarmos a alijar competências. Na proposta de lei do Orçamento aprovada no início do ano havia uma medida que flexibilizava os quadros de pessoal das câmaras que tem estado fechada a sete chaves. Ou seja permitia, em função das necessidades, aumentar o número de direções municipais. Essa era uma condição para as câmaras ficarem com novas competências, senão as novas competências chegam aos municípios, os municípios não têm quadros para os desenvolver e, ou fazem outsorcing, ou não as podem desempenhar. A proposta de lei previa isso mas quando fomos a ver o documento final isso não aparecia lá. O mesmo em relação aos recursos. Por exemplo, a transferência de uma parte das receitas do IVA para as cidades: se isso for garantido, naturalmente as cidades podem ficar com novas competências, mas passar competências e não passar recursos não funciona.
A forma de eleição das CCDR faz sentido? Não pode haver um curto-circuito entre a pessoa que emana dos autarcas e as ordens que vêm do Governo?
Aqui também tem a ver com descentralização. Se é para ser um diretor regional, não vale a pena ser eleito. Se é um diretor regional que cumpre as ordens do governo então não vale a pena ser eleito. Se é para dar de facto maiores competências às CCDR em áreas específicas, aí já vale a pena. Mas temos de ser consequentes: se a CCDR passar a ter um determinado poder, se permitir ter alguns poderes soberanos então vale a pena ser eleito.
O PCP pôs em cima da mesa a questão da regionalização. Propôs um referendo e tudo. O Governo já disse que nem pensar neste mandato. A regionalização corre o risco de ser mais um patamar para um poder controlado pelo pessoal partidário?
Depende de como é feita. De como é criada e gerada. Surpreende-me que o PCP esteja a falar de descentralização e regionalização, porque, primeiro, quando pensamos na Constituição da República, no início, o partido comunista foi contra. Pode-me dizer que passaram muitos anos, mas normalmente ao fim de muitos anos o partido comunista não muda nada. Depois posso-lhe falar na experiência do Porto: o partido comunista tem-se oposto à gestão municipal dos STCP. Portanto, uns dias diz umas coisas, e noutros diz outras. Não sei se é um truque eleitoral. Mas como sou a favor da regionalização, sou sempre favorável a que ela venha a ser discutida. Acho é que tem de ser pensada no sentido de envolver mais cidadãos. Ou seja, tem de ser mais bottom to top do que top to bottom. Na altura, a regionalização foi recusada exatamente por isso. No referendo mm 1998, o mapa era incompreensível. O cidadão comum pensou que aquilo era só Estado, mais Estado, mais peso, que iria custar mais, mais poderes intermédios, não se percebendo exatamente quais eram as competências. Mas se de facto redefinirmos as competências e conseguirmos uma participação cívica interessante, aí sim, acho que a regionalização faz sentido.
“Não estou a ver a República governada a partir do Porto”
Daqui a uns anos pondera de alguma maneira pensar em candidatar-se a Presidente da República? Na democracia nunca houve um Presidente do Porto: um de Alcains, dois de Lisboa e um de Boliqueime.
Sinceramente, não me passa muito pela cabeça. Não estou a ver a República governada a partir do Porto. Gosto muito de viver nesta casa, estar com os meus filhos, ficar por cá, pela cidade do Porto.
Então quer ficar cá pela cidade do Porto?
Tive montes de convites quer de ordem política quer profissional para sair do Porto, e eu, que já vivi uns anos fora, tive sempre muitas saudades do Porto e gosto muito do Porto. Portanto, conto quedar-me por aqui. Além disso, depois há a questão da idade e acho que a uma certa altura os políticos devem dar lugar aos mais novos.
Fará mais um mandato ou pondera fazer mais dois?
Isso veremos. Em principio acho que o normal é fazer dois mandatos. Acho que os dois mandatos é o normal. O meu modelo seria de que os mandatos deviam ser mais longos e irreplicáveis. Acho que deviam ser de seis ou sete anos, quatro anos são períodos muito curtos para se poder fazer alguma coisa.
Terminou o mandato sem concretizar alguns dos principais projetos a que se propôs.
Está muito enganado.
As obras do Bolhão, por exemplo, o terminal intermodal de Campanhã também ainda não está terminado. Isso não o diminui enquanto recandidato?
Duas notas: se perguntar ali fora, muitas das pessoas vão dizer que estamos a fazer obra a mais, e até estamos a fazer obra ao mesmo tempo. Depois, uma das questões fundamentais da nossa candidatura foi que na altura não prometemos nada, e fomos criticados por isso pelos nossos opositores. O que é que dissemos? Dissemos que íamos manter as boas contas da cidade do Porto.
O PCP caracterizou-o como o Tio Patinhas.
Achei piada. Trocamos essas piadas com o partido comunista. Mandamos bocas uns aos outros, não me incomoda nada. Mas não quero dizer qual é a figura da Disney que associo ao partido comunista, podia não ter piada. Mas tínhamos duas ideias: baixar os impostos e manter as boas contas. A cidade tem vindo a baixar o seu endividamento e a ter mais recursos disponíveis para funcionar bem, e esses recursos têm sido aplicados. Baixar o endividamento permite baixar impostos.
Por falar em impostos, não vai propor a criação de uma taxa turística no Porto à semelhança do que acontece em Lisboa?
Vou, vou, vou.
Pode explicar melhor?
É muito simples: precisamos de facto de encontrar forma de atenuar a pegada turística, sermos capazes de termos habitação social, mas também habitação para a classe média no centro, para o centro ser invadido não por turistas mas também por moradores. É isso, o objetivo da taxa turística não é fomentar o turismo que foi criado em Lisboa, confesso que não compreendo o modelo, nós queremos uma taxa para atenuar a pegada turística que todos reconhecem.
Pode ver aqui a entrevista integral: