Putin ascendeu ao poder em 1999, após a crise financeira e económica de 1998 que levou a uma queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 5,3%. O PIB per capita foi em 1998 o mais baixo desde a formação da Federação da Rússia, em 1991. A crise financeira de 98 atacou finanças públicas, mercados e setor bancário. E chegou Putin.
Mais de 20 anos depois, a Rússia invade a Ucrânia. Do Ocidente a primeira reação foi jogar com a economia e atirá-la contra Putin. Será que a economia é um arma de guerra? Os economistas contactados pelo Observador acreditam que é isso mesmo que se está a passar, mas Paulo Soares de Pinho, professor da NovaSBE, vai colocando nuvens no horizonte: Putin é neste momento um animal encurralado e perigoso.
Dos aliados, as sanções foram evoluindo desde que Putin começou a invasão da Ucrânia, até se chegar ao coração financeiro de Moscovo. Alguns bancos russos foram banidos do sistema Swift, de troca de informações que permite transações internacionais, e as reservas do Banco Central da Rússia no exterior ficaram congeladas. Duas sanções que limitaram a resposta de Moscovo na sua política monetária, para conter a desvalorização do rublo que já vai com uma perda de quase 30%. A bolsa de Moscovo continua fechada. Há bancos russos na União Europeia a falir. E os movimentos de capitais estão limitados. As exportações da Rússia de gás e petróleo continuam.
Reservas do Banco Central da Rússia no exterior congeladas. Até a Suíça quebrou a sua neutralidade
Um movimento como não se viu nunca. Estados Unidos da América, Reino Unido, União Europeia e até a neutral Suíça avançaram no congelamento das reservas estrangeiras do Banco Central da Rússia.
Nessas reservas a Rússia mantinha grande confiança para continuar a alimentar a máquina de Guerra e conter qualquer impacto sobre o rublo. Aliás, antes do anúncio dessa sanção, o banco central russo esteve a comprar rublos no mercado o que conteve a moeda local no final da semana passada. Já esta semana, a opção foi aumentar a taxa de juro diretora de 9,5% para 20%. Mas, agora, há quem admita que a Rússia já tem poucos instrumentos de política monetária para atuar no mercado. Ainda determinou que as empresas russas vendessem as reservas que tivesse em moeda estrangeira, trocando-as por rublos.
“Este congelamento é a maior das sanções, sendo mais um óbice para que possam proteger a instabilidade cambial e o sistema financeiro”, sustenta Pedro Brinca, economia e professor da NovaSBE, que considera que Putin não devia esperar algo como esta sanção nem sanções desta magnitude.
O Banco Central da Rússia tinha no final do ano passado 630 mil milhões de dólares em reservas externas, sendo a maioria — 497 mil milhões denominados em moeda estrangeira.
A Rússia, segundo foi sendo relatado, vinha a tomar medidas para deslorizar as suas reservas. E certo é que, em junho de 2021 (últimos dados conhecidos), o euro pesava 32,3% das reservas enquanto o dólar contava para 16,4%. Mas o yuan chinês já atingia os 13%.
Ricardo Cabral, professor de economia do ISEG, aponta esta diversificação por parte do Kremlin em relação às suas reservas. De acordo com os dados do banco central russo, cerca de 55% das reservas estão em ativos denominados em euros, dólares e libras, totalmente congelados. Já em ouro e yuans estão 34,8% dos ativos, sendo os tais 13% em yuans e 21,7% em ouro.
Miguel Faria e Castro, economista na Reserva Federal de St. Louis, nos Estados Unidos da América, realça ao Observador que no caso do ouro será difícil, mesmo assim, à Rússia vendê-lo neste momento, com exceção de um comprador que é a China, ainda assim tê-lo-ia, se batesse à porta de Pequim, de vendê-lo a desconto. O ouro, nos mercados internacionais, está a valer mais de 1.900 dólares a onça.
A China não avançou com sanções económicas, nunca falando em invasão da Rússia. Nem países como o Dubai e o Brasil.
No que respeita às sanções financeiras, não as apoiamos”, declarou Guo Shuqing, presidente da Comissão chinesa de Banca e Seguros, notando serem unilaterais. “China não se vai juntar às sanções”.
Quase inédita é a aplicação de sanções financeiras por parte da Suíça. E isso é igualmente salientado por Ricardo Cabral ao Observador que lembra que a Suíça, Japão e todo o Ocidente “bloquearam essas reservas”. Até Singapura, que se admitia que podia ter dinheiro russo nomeadamente de oligarcas, impôs sanções, embora não se conheçam as extensões. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Singapura, Vivian Balakrishnan, assumiu que o país iria “bloquear alguns bancos russos e transações financeiras ligadas à Rússia”, mas explicou, segunda-feira, 28 de fevereiro, que medidas específicas estão a ser trabalhadas e serão anunciadas brevemente.
O caso helvético é, no entanto, mais paradigmático, já que significa abandonar a sua posição de neutralidade. “Esta é uma medida de grande alcance por parte da Suíça”, reconheceu o presidente da Confederação Helvética, Ignazio Cassis. Até porque, a Suíça não avançou no mesmo sentido em 2014, quando se estabeleceram sanções à Rússia pela anexação da Crimeia.
Suíça abandona neutralidade, aplicando à Rússia e a Putin as sanções aprovadas pela UE
Além das reservas do banco central também os fundos soberanos russos foram limitados — ainda que com diferentes extensões — pelos aliados. No conjunto desses fundos e do banco central estima-se que a Rússia disponha de mais de 1 bilião de dólares.
Os Estados Unidos e o Reino Unido congelaram as transações com o fundo soberano nacional russo (NWF), que tinha nos seus cofres cerca de 190 mil milhões de dólares. A União Europeia determinou sanções ao Fundo de Investimento Direto Russo. Segundo a decisão europeia, “é proibido investir, participar ou contribuir de outra forma para projetos cofinanciados pelo Fundo de Investimento Direto Russo”.
O NWF serve de estabilizador das contas públicas russas e o Kremlin já recorreu a ele esta semana, para adquirir ações de empresas russas. De acordo com a Reuters, foi ordenado ao fundo soberano que destinasse 10 mil milhões de dólares para essas aquisições.
Onde estão depositadas as reservas?
Sabendo-se que as reservas ficaram congeladas falta perceber onde estão depositadas para que o efeito seja efetivamente sentido. O próprio banco central russo garante que 14% está na China, o que fica fora deste congelamento. Mas assume que muito está na Zona Euro, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Japão, o que significa que fica sem poder utilizar essas reservas. O Observador sabe que o Banco de Portugal não tem depósitos da Federação Russa.
Há um conjunto de reservas — 5% — em instituições financeiras internacionais, não sendo dito que entidades são estas. De qualquer forma, o BIS (Banco Internacional de Pagamentos), que funciona como um banco central dos bancos centrais (integra 150 bancos centrais) e está sedeado na Suíça, terá dinheiro russo depositado. Contactado pelo Observador, o BIS não revelou os valores, mas diz que “seguirá as sanções conforme aplicável”, assegurando essencialmente que “não será um meio para contornar as sanções”.
O caso helvético é relevante não tanto para congelar as reservas do banco central, mas para travar os próprios oligarcas russos de movimentarem dinheiro. Aliás, segundo dados do Banco Nacional da Suíça, cerca de 10,4 mil milhões de francos suíços (10,14 mil milhões de euros ao câmbio atual) que estavam no país, em 2020, eram de russos.
E devido a este congelamento, que impede, na prática, a utilização por parte da Rússia das principais moedas internacionais (dólar, euro, iene, franco suíço), Ricardo Cabral deixa a pergunta: em que dinheiro passa a Rússia a receber das vendas que fazem ao exterior? E pode daqui advir uma contra-sanção da Rússia?
Sem reservas, Rússia fica sem muitas ferramentas para suster rublo
Não havendo reservas possíveis de serem utilizadas, que ferramentas tem agora a Rússia para controlar a sua moeda? Depois de num primeiro movimento ter ainda utilizado reservas em dólares e euros para comprar rublos, impedindo uma maior queda da moeda, o banco central da Rússia teve, num segundo movimento, de mais do que duplicar — passando de 9,5% para 20% — as suas taxas de juro. Que tem duplo efeito: contém desvalorização da moeda e acena aos russos para a manutenção dos depósitos nos bancos locais já que terão uma remuneração superior. Por outro lado, limita a atividade creditícia. Mas ainda assim já houve uma corrida aos depósitos na Rússia, depois do Ocidente ter divulgado as sanções. O que levou a que, na União Europeia, subsidiárias do Sberbank já tivessem caído.
Russo Sberbank sai do mercado europeu, após resolução de unidades na Croácia e Eslovénia
Face à corrida aos bancos, a Rússia limitou movimentos de dinheiro, nomeadamente saída de moeda estrangeira do país.
Ainda assim, apesar destas ações o rublo vale bem menos agora do que valia na semana passada. Hoje por um euro dá para receber 121 rublos, enquanto, antes da invasão da Ucrânia, dava para cerca de 90 rublos.
Não podendo conter o rublo, realça Miguel Faria e Castro, os investidores podem, em cima disso, lançar ataques especulativos à moeda russa.
Uma desvalorização significa receber menos pelas exportações e pagar mais pelas importações. Consequência? Inflação e o Kremlin pode não ter muito mais meios para a controlar. Em janeiro a inflação na Rússia estava nos 8,73%.
E a subida de preços é já o resultado das sanções do Ocidente. Para Miguel Faria e Castro, “a economia é definitivamente uma arma e já estamos a ver os efeitos. O sistema financeiro entrou em colapso sem o Ocidente mover uma única tropa”, sendo particularmente eficaz porque a Rússia, enquanto Estado, “não é um país rico”. Ainda assim, “a classe média está habituada a determinada qualidade de vida e, com isto, vão colocar em questão” as manobras de Putin. Também Pedro Brinca aponta que algumas destas sanções “vão tornar a vida mais difícil para os russos”, tornando a guerra ainda mais “impopular”. Já há manifestações em várias cidades da Rússia, esperando alguns analistas que o poder do povo consiga demover o poder de Kremlin.
Mas Paulo Soares de Pinho não considera que a consequência mais provável destas sanções possa ser a população virar-se contra o Presidente. “Não acho a mais provável”, considerando, até, poder haver o perigo oposto, de a população endurecer a posição face ao Ocidente, reforçando a posição de Putin que considerou, em tempos, algumas sanções financeiras, nomeadamente a retirada dos bancos russos do swift como um ato de guerra.
Quando a Rússia avisou que exclusão do SWIFT seria “declaração de guerra” pelo Ocidente
Swift sem bancos russos?
A retirada dos bancos russos do Swift era vista como a mais gravosa das sanções aplicáveis, até os aliados terem chegado às reservas do banco central. Ainda assim, e mesmo que na União Europeia só seja aplicada a sete bancos e a partir de dia 12 de março, os efeitos práticos já chegaram.
Bank Otkitrie, Novikombank, Promsvyazbank, Bank Rossiya, Sovocombank, Vnesheconombank (VEB) e
VTB Bank são os bancos banidos do Swift por parte da União Europeia. Ficam de fora alguns dos maiores bancos russos e as transações energéticas.
Quando são aplicadas sanções a pessoas, entidades ou países, essa informação é transposta para as listas “negras” da União Europeia, do Banco de Portugal ou da OFAC (entidade do departamento do Tesouro americano) é desta forma que entram no radar dos bancos comerciais.
Cabe às equipas de compliance (departamento de cumprimento de regras) assegurar que estas atualizações foram transpostas para as listas internas das instituições bancárias e, a partir desse momento, sempre que é tentada uma operação que tenha como contraparte uma dessas entidades ela é bloqueada automaticamente ou então o sistema emite um alerta que leva o comercial do banco a validar junto da equipa de compliance se pode ou não realizar a operação em causa.
No caso das sanções aplicadas ao uso do sistema Swift para transações com sete bancos russos, serão avaliados os fluxos de saída que envolvam as entidades sinalizadas nas sanções impostas na Europa — União Europeia e Reino Unido — e nos Estados Unidos. Mas para tal é essencial que esses clientes estejam classificados.
Em caso de dúvida sobre a identidade das entidades sancionadas há critérios adicionais de validação como moradas, datas de nascimento (em caso de pessoas individuais). As sanções envolvem também transferências financeiras associadas a pessoas singulares da oligarquia russa e empresas a elas ligadas. Neste quadro, as entradas de fluxos provenientes dessas individualidades, que entrarão para as listas internas de operações e cliente a vigiar, farão logo soar alertas.
O presidente do BCP, Miguel Maya, explicou esta segunda-feira que o banco já implementou cerca de 100 medidas em resultado das restrições impostas pela Comissão Europeia à atividade com a Rússia. O banco identificou duas situações de operações no sistema Swift relacionadas com aquele país, mas do outro lado estavam filiais russas de bancos europeus e não as instituições bancárias russas que tenham sido sancionadas.
A União Europeia deixou de fora desta sanção bancos como o Sberbank (o maior) e o Gazprombank, os maiores intermediários para pagar o gás natural e o petróleo russo. Ainda assim estão sujeitos a outras medidas sancionatórias, mas o bloco europeu mostra-se, assim, preocupado em manter os fluxos de produtos de energia a funcionar.
Esta sanção de excluir alguns bancos do Swift apresenta-se, pois, um obstáculo maior para as transações internacionais, nomeadamente importações e exportações — mas fora, como se viu, da energia.
Acabou por pressionar. Mesmo antes de entrar em vigor oficialmente também contribuiu para a corrida aos bancos, com medo de não conseguirem retirar dinheiro de países aliados.
De qualquer forma, neste caso do Swift, como nem todos os bancos foram afetados pode haver forma de contornar essa exclusão, através de bancos não excluídos, ainda que qualquer transação de e para a Rússia faça, agora, acender o botão de alarme. Por outro lado, a própria Rússia estava a desenvolver um sistema próprio, que dificilmente serve para contornar esta sanção.
E as criptomoedas podem ser uma escapatória? Ricardo Cabral acredita que essa hipótese não será muito viável até pela instabilidade das redes de comunicações e da internet por estes dias na Rússia e Ucrânia. Além disso não têm dimensão para os volumes em questão.
Ainda assim, nos últimos dias os volumes de transação entre rublos e bitcoin aumentaram para um recorde de nove meses, de acordo com a CoinDesk.
Ainda assim, as criptomoedas não servirão para pagar alguns dos bens que a Rússia necessita. E será pouco provável que os aliados aceitem pagamentos nessa moeda para as suas compras. Mas podes estar a servir para os russos converterem rublos desvalorizados ou enviarem dinheiro para fora.
O ministro das Finanças francês, Bruno le Maire, disse, aliás, esta quarta-feira que a União Europeia pretende garantir que as criptomoedas não vão ser usadas para contornar sanções.
Estamos a implementar medidas, em particular nas criptomoedas e criptoativos, para que não sejam usados para contornar as sanções financeiras implementadas pelos 27 países da União Europeia”, declarou Le Maire numa conferência de imprensa, citado pela Reuters.
O mundo das compras internacionais da Rússia
Limitadas as transações internacionais, de entrada e de saída de dólares e euros, em particular, como serão agora transacionadas as compras da Rússia e para a Rússia?
As de energia, como se viu, ficaram de fora das sanções. Mas o que acontece ao resto? A dúvida existe, e o efeito imediato é que as importações vão aumentar de preço, havendo mesmo alguns produtos que vão parar de ser abastecidos. Mas a Rússia não exporta apenas energia para os aliados. Há outros produtos, como alumínio, paládio e níquel que passam para o lado da fronteira da União Europeia, além dos cereais. A Rússia, ainda assim, exporta mais do que importa.
As principais exportações da Rússia são crude (123 mil milhões de dólares), produtos petrolíferos refinados (66,2 mil milhões), gás de petróleo (26,3 mil milhões), carvão (17,6 mil milhões), e trigo (8,14 mil milhões), exportando em particular para a China (58,1 mil milhões), Países Baixos (41,7 mil milhões), Bielorrússia (20,5 mil milhões de dólares), Alemanha (18,9 mil milhões) e Itália (16,7 mil milhões).
Produtos que para a Rússia podem servir como contra-sanção, se fechar os fornecimentos — ainda que o peso da China continue a colocar dinheiro no país. O grupo siderúrgico russo Severstal já anunciou a suspensão das entregas à Europa após as sanções aplicadas contra o seu principal acionista Alexei Mordashov.
E se a Rússia cortar o gás natural e o petróleo aos aliados? Mais uma “arma” mas neste caso do lado russo.
No caso do petróleo, Rússia é o terceiro maior produtor, depois dos Estados Unidos e Arábia Saudita. Em janeiro deste ano, a produção russa estava nos 11,3 milhões de barris por dia, enquanto os Estados Unidos debitavam 17,6 milhões e os sauditas 12 milhões. Cerca de 60% das exportações de petróleo russo vão para a Europa e 20% para a China. Mas se os países não determinaram o fim das exportações de petróleo da Rússia, há empresas a fazê-lo. A Galp é um caso que travou a compra de produtos petrolíferos da Rússia.
Há outras empresas a irem na mesma direção. E, segundo o The New York Times, apesar do brent (Londres) e do WTI (Nova Iorque), ter atingido esta quarta-feira os 112 dólares por barril, o petróleo russo está mais barato. Segundo esse artigo, os exportadores russos estão a oferecer o seu melhor petróleo com um desconto de 20 dólares face aos preços do mercado internacional. O Médio Oriente tem sido o fornecedor que mais beneficia desta saída gradual da Rússia, o que tem impulsionado o preço. Aliás isso levou os aliados a libertarem reservas de petróleo. Mais uma consequência. Comprar menos petróleo à Rússia pode dar a Putin menos dinheiro.
Sinal de força leva aliados a libertarem reservas de petróleo. Mas preço subiu depois de decisão
Já no gás natural, as compras continuam. Portugal até comprou 10% do seu gás no ano passado à Rússia. Mas na União Europeia supera os 40%.
Por estes dias, há quem recorde que uma das teorias para o ataque do Japão a Pearl Harbor em 1941 foi precisamente o do país do Sol Nascente ter ficado sem petróleo por causa do embargo a que estava sujeito.
Para já esta dependência da energia da Rússia está já ter o efeito da escalada de preços nos EUA e Europa, sendo a inflação (ou mesmo a estagflação) um dano colateral nos aliados, com a perspetiva de que os bancos centrais possam novamente interrogar-se se é altura de mexer nas taxas de juro. A Fed já sinalizou que mantém o plano de subir taxas em março. O BCE anunciará a sua posição na próxima semana. Pedro Brinca admite que haja contenção.
É também Pedro Brinca que fala de uma sanção com efeitos douradores na Rússia. É que com este conflito a Europa vai reconsiderar as suas compras a nível mundial e avançar para uma menor dependência russa, ou seja, as exportações vão ser substituídas. E isso é algo que não vai ser compensado.
Há um outro produto que pode estar no centro deste conflito. O trigo. Segundo contou em setembro o Financial Times, Putin, quando assumiu a presidência, não gostou de saber que a Rússia importava, então, 50% dos seus alimentos, em 2000. Traçou como estratégia garantir maior autoabastecimento, para atingir, em alguns casos, 80-95%. E conseguiu. Hoje é o maior exportador de trigo, ultrapassando em 2017 os Estados Unidos e o Canadá. E isto numa altura em que o mundo precisa de produzir mais alimentos. Um trunfo na manga para a Rússia.
Redução da globalização e novas disrupções nas cadeias de abastecimento
A “arma” económica joga-se contra a Rússia. Mas há pesos para os aliados. Já começaram os avisos. Além dos preços mais caros na energia e bens alimentares e da subida da inflação, de forma imediata, está já a assistir-se a outro nas rotas de abastecimento. Ainda o mundo não estava refeito das disrupções que aconteceram por causa da pandemia de Covid-19 e já há outro fenómeno. O encerramento do espaço aéreo russo, além das restrições no espaço da Ucrânia e países vizinhos está a levar a que as rotas para do Ocidente para Oriente tenham de sofrer alterações, com aumentos de horas nos voos, encarecendo as ligações para o comércio e para os particulares. Os voos que ligam a União Europeia à Ásia podem demorar mais quatro horas.
Voos da UE para Ásia podem demorar mais quatro horas para não sobrevoar Rússia
Rotas mais longas e logo mais caras é o que podem esperar os negócios e os particulares dos aliados. Soares de Pinho reforça esse efeito com esta arma económica. O crescimento económico esperado com os planos de recuperação em marcha podem ficar com um ponto de interrogação. Os responsáveis europeus têm alertado para isso mesmo. Este avanço dos aliados vai ter custos para a sua própria economia e população.
Este professor de economia não tem dúvidas que este conflito vai levar “a algo mais vasto”, com “as alterações da geopolítica mundial e redução grande da globalização”, havendo menos colaboração entre blocos. A globalização foi baseada num pressuposto de paz que agora tem um novo capítulo. Pior cenário é o que fala de um Putin sem nada a perder. “A capacidade da Rússia em termos militares é desproporcional ao seu poder económico”, acredita Pedro Brinca. A economia russa é a 12.ª maior em termos mundiais, com um PIB de cerca de 1,4 biliões de euros, apesar dos seus 146 milhões de habitantes (o nono). O PIB per capita coloca a Rússia em 65.º lugar.
Tem pouca dívida pública, na ordem dos 20% do PIB, mas neste momento emitir dívida está vedada nos principais mercados internacionais, podendo, também aqui, poder virar-se para a China. E já há analistas a anteciparem que a Rússia possa não pagar algumas das suas emissões obrigacionistas. Para 16 de março está agendado o pagamento de cupões de duas obrigações, no total de 107 milhões de dólares. Mas já a 7 de março, a Gazprom tem um pagamento de 1,3 mil milhões de dólares para fazer.
A extensão das sanções já se fazem sentir na Rússia mas também nos aliados. Ursula von der Leyen tem dito e repetido que as sanções visam enfraquecer a capacidade da Rússia de financiar a guerra. E é pela economia que os aliados começaram a atacar. Mas a imprevisibilidade de Putin está a deixar dúvidas sobre as retaliações, que podem já não ser com a arma económica.