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A queda em desgraça de Ricardo Salgado tem uma fotografia icónica. No meio do turbilhão do verão de 2014 que pré-anunciou a falência do Grupo Espírito Santo (GES,) alguém colou um cartaz no centro de Lisboa com um grande plano do líder do BES e uma mascarilha à volta do olhos — numa espécie de Zorro ao contrário que em vez de defender os fracos e oprimidos era ele próprio apresentado como um vilão, o Dono Disto Tudo. A foto ganhou uma relevância tão significativa que até o jornal inglês Financial Times a escolheu, em setembro de 2014, para ilustrar um artigo de fundo sobre as suspeitas de fraude que existiam contra a gestão de Salgado à frente do BES na sua importante secção de análise diária chamada “Big Read”. Além de só tratar dos assuntos mais relevantes à escala global, o “Big Read” ocupa uma página inteira, logo, a foto de Ricardo ‘Zorro’ Salgado saltava imediatamente à vista.
A atenção que o Financial Times, assim como o norte-americano Wall Street Journal, deu à derrocada do GES só aconteceu porque os Espírito Santo eram, de facto, uma marca reconhecida pelos especialistas em alta finança. O “Grupo” estava presente em 25 países e esse era um registo que orgulhava Salgado. Uns países, contudo, eram mais importantes do que outros e as operações dos Espírito Santo passavam essencialmente por Lisboa, Genebra, Luxemburgo, Miami, Luanda e Dubai. Era nesta espécie de hexágono da alta finança que as operações financeiras do GES estavam concentradas.
A história contada neste artigo passa por uma parte desse hexágono e é mais uma prova de como o GES foi o último grande grupo económico português que teve uma implementação em quatro dos cinco continentes.
Baltazar Garzón em Lisboa
15 de janeiro de 2018. Baltazar Garzón, o ex-super juiz espanhol, entra no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), situado na rua Gomes Freire, em Lisboa, para ter uma reunião com o procurador Rosário Teixeira e outros magistrados. Garzón, que caiu em desgraça em 2012 depois de ter sido condenado pelo Supremo Tribunal de Espanha a 11 anos de suspensão do exercício da magistratura pelo crime de prevaricação, tinha aterrado em Lisboa seis meses antes para participar numa mediática conferência com os seus colegas Sérgio Moro (o juiz da Operação Lava Jato) e Carlos Alexandre (o magistrado que tinha ordenado a prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates). Desta vez, o assunto era bastante mais complexo e envolvia (e envolve) uma investigação criminal que começou nos Estados Unidos, continuou em Espanha e até já chegou à Venezuela sobre o desvio de pelo menos 3,5 mil milhões de euros dos cofres da poderosa empresa Petróleos da Venezuela (PDVSA), uma das principais produtoras petrolíferas do mundo e um autêntico fundo soberano da Venezuela.
Baltazar Garzón, que é agora advogado e fundou o escritório Ilocad, fez-se acompanhar do seu colega português Miguel Matias, do escritório Raposo Subtil & Associados. Os dois representam a PDVSA, um em Espanha e o outro em Portugal, e queriam explicar aos magistrados do DCIAP que estão interessados na informação que a equipa do procurador José Ranito já recolheu nos processos do Universo Espírito Santo para juntar aos casos judiciais que estão a decorrer na Venezuela, nos Estados Unidos e em Espanha.
Tudo porque o BES e Ricardo Salgado são, no entender dos advogados da PDVSA e das autoridades norte-americanas e espanholas, uma peça importante no desvio de parte desses 3,5 mil milhões de euros entre 2007 e 2012 que pertencerão aos cofres da PDVSA. Uma boa parte dos fundos alegadamente desviados terão passado por contas bancárias do BES Madeira, do BES Luxemburgo, do Banque Privée Espírito Santo (Suíça) e do Espírito Santo Bankers, no Dubai. Isto já para não falar dos 1,5 mil milhões de euros que a PDVSA perdeu por conta dos investimentos ruinosos em papel comercial do GES em operações que tiveram intervenção de Ricardo Salgado junto da administração da PDVSA em 2014 — e numa altura em que as sociedades do GES emitentes desse papel comercial já estariam numa situação contabilística de insolvência.
A informação prestada por Baltazar Garzón e Miguel Matias sobre o alegado envolvimento de Ricardo Salgado e do BES no escândalo da PDVSA não surpreendeu os procuradores do DCIAP — a equipa do procurador José Ranito já investiga as ligações do caso BES/GES à Venezuela desde 2015. E acabou por revelar até mais informação que pode ser interessante para o processo português.
Uma das auditorias encomendadas pela PDVSA à auditora norte-americana, Berkowitz Pollack & Brandt, assegura que Ricardo Salgado e João Alexandre Silva, o ex-diretor da Sucursal Financeira da Madeira do BES, estarão alegadamente implicados nos factos relacionados com o alegado desvio de fundos da PVDSA.
Além de coordenar a equipa de defesa de Julian Assange (o fundador da Wikileaks que continua refugiado na embaixada do Equador em Londres) Garzón é, na prática, o braço em Espanha da luta que Nicolas Maduro, presidente da Venezuela, decidiu encetar contra os antigos lugar-tenentes do seu antecessor, o falecido líder histórico da revolução bolivariana Hugo Chavéz — daí a auditoria que o Governo da Venezuela encomendou à Berkowitz Pollack & Brandt para perceber o que aconteceu na PDVSA. Ainda em fevereiro último, Baltazar Garzon foi avistado em Caracas, o que deu lugar a diversas especulações da imprensa espanhola sobre o que estaria a fazer na Venezuela.
Contactado pelo Observador, Miguel Matias recusou-se a prestar qualquer declaração sobre esta matéria.
O Observador enviou um conjunto de perguntas escritas para Ricardo Salgado mas o seu porta-voz afirmou que o ex-líder do BES não faz comentários sobre “matérias que estão em segredo de justiça”.
O cerco a Rafael Ramirez, o ex-homem forte de Chávez
Nas investigações do DCIAP ao Universo Espírito Santo os factos relacionados com a Venezuela estão a ser escrutinados à parte. E aqui aparecem em lugar de destaque as ligações de Ricardo Salgado a Rafael Ramirez, presidente da PDVSA entre novembro de 2004 e setembro de 2014 e figura muito próxima de Hugo Chávez.
Foi durante o consulado de Rafael Ramirez que a PDVSA contratou o BES para diversos serviços financeiros de montantes muito significativos. A exposição da PDVSA ao BES e aos títulos de dívida do BES chegou a ser de 8,2 mil milhões de euros em 2009 — um montante que ascendia a cerca de 8% do total dos ativos da PDVSA (um pouco acima dos 100 mil milhões de euros, segundo o relatório e contas da empresa daquele ano), encontrando-se entre tais ativos não só os fundos financeiros da empresa, como também os equipamentos e as reservas de petróleo. O valor de exposição ao GES acabou por descer nos anos seguintes, tendo atingido os cerca de 3,1 mil milhões de euros em dezembro de 2011 — mesmo assim, um valor muito significativo para o GES mas um valor residual para o 11.º maior produtor global de petróleo.
O interesse do DCIAP sobre esta matéria explica-se assim: um conjunto alargado de responsáveis da administração de Rafael Ramirez na PDVSA que avaliaram e adjudicaram estes serviços receberam alegados pagamentos da ES Enterprises. Trata-se da sociedade offshore do GES que Ricardo Salgado controlava, segundo o Ministério Público, como um ‘saco azul — isto é, para despesas não documentadas, não contabilizadas e alegadamente sem serem declarados ao Fisco.
O próprio Rafael Ramirez é suspeito de alegadamente ter recebido pagamentos do ‘saco azul’ do GES através de diversos testas-de-ferro.
Mas quem é Rafael Ramirez? A resposta mais curta é simples: na Venezuela, não é um homem qualquer.
Foi nomeado ministro da Energia e Minas em 2002 por Hugo Chávez, tendo passado a ministro da Energia e do Petróleo em 2005. Entre novembro de 2004 e setembro de 2014 desempenhou as funções de todo-o-poderoso presidente da PDVSA em estreita ligação com o presidente Chávez. Ramirez e Chávez eram uma dupla política e empresarial.
Apesar de ter chegado a ser vice-presidente do Conselho de Ministros para a Área Económica de Nicolás Maduro, sucessor de Chávez — sendo mais tarde, em setembro de 2014, nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros –, caiu em desgraça junto de Maduro e foi afastado. Acabou por partir para um exílio dourado em Nova Iorque, como representante permanente da Venezuela nas Nações Unidas, onde chegou a liderar o Conselho de Segurança durante o mês de fevereiro de 2016.
Ramirez está hoje, de facto, exilado em Nova Iorque e recusa-se a voltar à Venezuela, onde tem pendente um mandado de captura por suspeitas de estar implicado no desvio de fundos da PDVSA. Um primo seu, Daniel Salazar Carreño, está preso na Venezuela depois de terem sido apreendidos em Espanha, a pedido das autoridades norte-americanas, mais de 2 mil milhões de euros que estavam depositados em 37 contas abertas em nome de sociedades offshore do Panamá num banco de Andorra (chamado Banca Privada d’ Andorra, onde o procurador Orlando Figueira, que está a ser julgado na Operação Fizz por suspeitas de corrupção também tinha conta).
Uma parte desses depósitos estavam depositados à ordem de empresas ligadas a Diego Salazar e a outros ex-responsáveis políticos venezuelanos como Nervis Villalobos, ex-vice-presidente de Energia entre 2004 e 2006 (braço-direito de Ramirez), e Javier Alvarado, ex-vice-ministro de Energia e ex-diretor da Corporación Eléctrica Nacional entre 2007 e 2010. Os referidos 2 mil milhões de euros alegadamente pertencerão aos cofres da PDVSA.
Os gastos e os esquemas de Salazar em Espanha fizeram várias manchetes do El País durante o mês de dezembro. Desde a utilização de uma miss Venezuela como testa-de-ferro para a abertura de contas bancárias e justificação de transferências para Andorra até aos gastos luxuosos em relógios Rolex e Cartier (uma conta total de 1,7 milhões de euros em 109 relógios daquelas marcas), vinho Pomerol Petrus e champagne Dom Perignon (só no natal de 2012 Salazar ofereceu 694 garrafas, sendo que o Petrus custa 5.560 euros por unidade), presunto ibérico Joselito (nove quilos por 42.398 euros e estadias em alguns dos hotéis mais luxuosos da Europa — o Ritz de Paris era o favorito, como atestam os mais de 575 mil euros gastos — com os respetivos alugueres de limusines.
Diego Salazar foi preso no início de dezembro de 2017 na Venezuela, quando Nervis Villalobos já tinha sido detido pelas autoridades espanholas dois meses antes em Madrid a propósito de um outro caso judicial. Os Estados Unidos, contudo, já solicitaram a extradição de Villalobos a propósito do caso PDVSA. Ambas as detenções eram apresentadas pelo El País em dezembro de 2017, aquando da notícias sobre a apreensão dos valores em Andorra, como um “cerco a Rafael Ramirez”. Tudo porque a Procuradoria-Geral da Venezuela tinha aberto na mesma altura uma investigação formal contra Rafael Ramirez e Diego Salazar. Os venezuelanos, por seu lado, também querem a extradição de Villalobos.
Tarek William Saab, procurador-geral da República da Venezuela, fez questão de dar uma conferência de imprensa a 3 de dezembro de 2017, onde anunciou a detenção de Salazar por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e associação criminosa. Uma medida que se insere na “cruzada contra os corruptos” que tinha sido proclamada por Nicolás Maduro e que já tinha levado à detenção de Eulogio del Pino, sucessor de Rafael Ramirez à frente da PDVSA, e de Nelson Martinez, ex-ministro do Petróleo. Os visados por essa “cruzada” falam em perseguição política.
Os pagamentos do ‘saco azul’ do GES para o Dubai
O BES e Ricardo Salgado são apontados nas investigações portuguesas ao Universo Espírito Santo como tendo transferido igualmente um montante significativo para ex-responsáveis políticos venezuelanos, nomeadamente para alegados testas-de-ferro de Rafael Ramirez.
No total, estão em causa transferências de mais de 100 milhões de euros que terão sido realizadas para mais de 30 sociedades offshore — um valor que o Correio da Manhã já tinha revelado e o Observador confirmou. Com uma particularidade: todas as sociedades offshore, que a equipa do procurador José Ranito acredita que estão ligadas a responsáveis políticos e a gestores da PDVSA abriram contas na Espírito Santo (ES) Bankers — o banco que o GES tinha nos Emirados Árabes Unidos.
O ES Bankers foi sancionado em 2014 pela Dubai Financial Services Authority, a autoridade de supervisão na zona financeira do Dubai, por não respeitar as regras de deteção de branqueamento de capitais, nomeadamente por não fiscalizar a origem da fortuna dos seus clientes. Na origem dessa sanção estiveram, sabe o Observador, as contas daquelas 30 sociedades offshore alegadamente pertencentes a Pessoas Politicamente Expostas venezuelanas — um conceito da legislação europeia contra o branqueamento de capitais que, em parte, também é seguido no Dubai e que se refere a todo e qualquer responsável público ou político e aos seus familiares mais diretos.
Os pagamentos, como era prática habitual, terão sido ordenados por Ricardo Salgado a Jean-Luc Schneider, o alto quadro suíço do GES que tinha poderes para movimentar as contas da ES Enterprises no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, e que apenas respondia ao líder executivo do BES. Tendo em conta que os fundos apenas circulavam entre sociedades financeiras do GES, a alegada ocultação da identidade dos verdadeiros beneficiários ficou facilitada enquanto o poder de Ricardo Salgado esteve intacto. Com a derrocada do GES, a descoberta foi facilitada quando o Ministério Público da Suíça apreendeu todos os arquivos das sociedades financeiras do GES e os enviou para o DCIAP ao abrigo da cooperação judiciária internacional.
É precisamente este tipo de informação que Baltazan Garzón e Miguel Matias procuram em Portugal para fornecer ao seu cliente (a PDVSA), de forma a que a empresa pública venezuelana possa não só acionar ações criminais e cíveis contra os ex-responsáveis da PDVSA na Venezuela, Espanha e Estados Unidos como também tentar recuperar os fundos alegadamente desviados.
Mas não são os únicos. Nem este era o único esquema da PDVSA no qual o GES desempenhou um papel importante.
Departamento de Justiça dos EUA participa em interrogatório a ex-responsável do BES Madeira
23 de março de 2018. Preso em casa com pulseira eletrónica, João Alexandre Silva é chamado ao DCIAP. Constituído arguido nos autos principais por suspeitas da alegada prática de três tipos diferentes de crime de corrupção (corrupção ativa, corrupção passiva no setor privado e corrupção com prejuízo do comércio internacional de agentes públicos internacionais) e branqueamento de capitais, desta vez o ex-diretor do BES na Sucursal Financeira da Madeira será ouvido como testemunha.
O seu advogado, Artur Marques, com muita experiência em processos económico-financeiros, olha com desconfiança para a diligência, pois o seu cliente é o único responsável do BES que está sujeito a uma medida de coação privativa da liberdade. Nem Ricardo Salgado, que apenas foi sujeito à mesma medida de coação por cinco meses (e sem pulseira eletrónica), nem nenhum outro membro da família Espírito Santo está detido. Só João Alexandre Silva.
“É incompreensível que o meu cliente seja o único responsável do BES detido até ao momento. Está há 10 meses com obrigação de permanência na habitação”, afirmou Artur Marques ao Observador.
É verdade que João Alexandre Silva também não era um homem qualquer no BES. Diretor da BES Sucursal Financeira da Madeira, que acumulou com funções no Departamento de International Business and Private Banking (DIBPB), Alexandre era um homem de mão de Salgado. O ex-banqueiro gostava de ter vários braços direitos para assuntos concretos que tinham de ser tratados com o máximo de discrição. No caso, Alexandre Silva era o homem que tratava do dossiê da Venezuela, gerindo e comunicando todos os aspetos práticos das operações e serviços contratualizados com as entidades públicas venezuelanas e fazendo de intermediário com todos os departamentos internos do BES e do GES envolvidos.
João Alexandre Silva era também o intermediário dos contactos entre Ricardo Salgado e a cúpula da PDVSA e também com altos responsáveis políticos da Venezuela, chegando mesmo a transportar cartas pessoais que Salgado dirigiu a Hugo Chávez, presidente da Venezuela entre 2004 e 2013, ano em que morreu, e ao seu sucessor Nicolás Maduro.
São estas relações próximas entre Ricardo Salgado e os altos responsáveis da Venezuela e da PDVSA que foram exploradas numa inquirição tensa durante toda a manhã de 23 de março de 2018. De um lado estavam os procuradores do Universo Espírito Santo que tinham detido e constituído João Alexandre como arguido em junho de 2017, do outro lado estava um Artur Marques cada vez mais desconfiado.
É que na sala estava um convidado especial: um responsável do Departamento de Justiça dos Estados Unidos que tinha solicitado formalmente a cooperação judiciária de Portugal para interrogar João Alexandre Silva, mas também para obter informação documental do caso do Universo Espírito Santo.
A inquirição concentrou-se na execução de um contrato de garantia bancária de mais de 3 mil milhões de euros assinado entre o BES e a PDVSA para assegurar o pagamento de contratos de fornecimentos de materiais e de serviços a diversas subsidiárias da petrolífera venezuelana e no papel do BES e do GES na circulação de fundos financeiros destinados a representantes da PDVSA e a políticos venezuelanos.
O esquema da PDVSA
De acordo com as suspeitas originais das investigações abertas nos Estados Unidos em 2015 sobre o alegado desfalque da petrolífera venezuelana — e que vieram a ser secundadas pelas investigações espanholas –, diversos administradores e diretores da PDVSA terão alegadamente desviado à custa desses contratos valores superiores a cerca de 5 mil milhões de euros dos cofres da PDVSA. Já em 2015, a Justiça norte-americana suspeitava de alegada lavagem de dinheiro através da Banca Privada D’Andorra — daí o pedido de apreensão dos fundos que dirigiu às autoridades espanholas.
Como? De duas formas:
- Criando empresas que sobrefaturavam serviços ou fornecimento de materiais que foram contratualizados com as subsidiárias da PDVSA;
- Ou criando empresas que cobravam serviços e fornecimento de materiais que nunca prestaram.
Os dinheiros desviados serviam não só para pagar alegadas ‘luvas’ a responsáveis da PDVSA e do Governo da Venezuela.
No centro do caso está Roberto Rincon, ex-diretor da PDVSA e a sua longa lista de sociedades norte-americanas e de paraísos fiscais tituladas por alegados testas-de-ferro da sua família ou até mesmo empregados.
Rincon, hoje com 58 anos, foi detido nos Estados Unidos em dezembro de 2015, juntamente com outro venezuelano chamado Abraham Shiera, com 55 anos. A detenção de Rincon ocorreu no Texas, onde decorre em Houston a principal investigação criminal da Justiça do caso PDVSA, enquanto que a de Shiera verificou-se em Miami. As suspeitas, de acordo com um comunicado de imprensa do Departamento de Justiça (o equivalente ao Ministério da Justiça português), eram claras: suspeitas de implementação de um alegado esquema de corrupção de representantes políticos e diretivos da PDVSA para ganhar contratos superiores a mil milhões de euros.
Nos Estados Unidos, um pouco à semelhança de Portugal onde existe um crime de corrupção no comércio internacional, os cidadãos residentes podem ser acusados de conspiração para violar o “Foreign Corrupt Pratices Act” por subornarem representantes de governos ou de entidades públicas internacionais.
O mandado de detenção de Rincon e de Shiera, citado pelo New York Times, refere que um deles tinha movimentado cerca de 750 milhões de dólares (cerca de 627, 6 milhões de euros ao câmbio actual) entre 2010 e 2013.
O New York Times referia na mesma notícia que, aquando da detenção de Roberto Rincon no Texas, este alegadamente teria sido detido dentro de um avião privado onde também estaria Hugo Carvajal, um ex-líder dos serviços de informações venezuelanos. Carvajal terá sido autorizado a regressar à Venezuela, escusando-se assim a responder perante a Justiça dos Estados Unidos sobre alegações de que estaria envolvido num caso supostamente relacionado com tráfico de droga.
Rincon fez um acordo com o Departamento de Justiça em junho de 2016, numa espécie de colaboração premiada que nos Estados Unidos se chama “plea bargain”, onde confessou o seu papel no esquema de corrupção da PDVSA. Assim, Roberto Rincon declarou-se culpado no Tribunal Federal de Houston e admitiu que o esquema tinha começado em 2009, sendo que o próprio Rincon e Shiera teriam pago subornos a responsáveis da PDVSA para admitirem as suas empresas nos concursos públicos de fornecimento de serviços e de bens que costumavam ser lançados pela petrolífera venezuelana.
Em 2016, Roberto Rincon tinha sido o sexto cidadão venezuelano a declarar-se culpado perante a Justiça dos Estados Unidos de ter participado nesse alegado esquema de corrupção. Entre eles estavam Christian Maldonado Barillas, José Luis Ramos Castillo e Alfonzo Gravina Muñoz. Todos confessaram que tinham recebido subornos de Rincon para adjudicar serviços da PDVSA às suas empresas.
Já este mês de abril de 2018, mais cinco ex-responsáveis públicos da Venezuela declararam-se culpados dos mesmos crimes. César Rincon, ex-presidente da Bariven, uma subsidiária da PDVSA que importava, entre outros, produtos agrícolas ou derivados de leite — e com as quais diversas empresas portuguesas fizeram contratos. Rincon confessou que tinha recebido cerca de 7 milhões de dólares (cerca de 5,8 milhões de euros) de Roberto Rincon. Desta vez, estava em causa a adjudicação de cerca de mil milhões de euros de serviços às empresas deste último.
Todos estes empresários e responsáveis venezuelanos (Roberto Rincon e diversos familiares seus, Abraham Shiera, Christian Maldonado, José Castillo e Alfonzo Muñoz) foram alvo em Espanha de uma queixa formal apresentada pela PDVSA a 8 de junho de 2017, por via do escritório de Baltazar Garzón, na Audiência Nacional — um tribunal especial espanhol que mistura os portugueses DCIAP e Tribunal Central de Instrução Criminal numa só instituição e com poderes de julgamento.
As relações entre a Venezuela e os Estados Unidos, que nunca foram boas desde que Hugo Chávez assumiu o poder no final dos anos 90, atingiram um ponto ainda mais baixo com as investigações norte-americanas a Roberto Rincon e à sua rede. Contudo, se numa primeira fase as acusações foram muito intensas, agora o Governo de Nicolás Maduro critica os Estados Unidos por não entregar à Justiça venezuelana todos os suspeitos que têm confessado crimes ou que têm sido condenados pelos tribunais federais norte-americanos.
Já os Estados Unidos, por seu lado, têm pressionado diplomaticamente os seus parceiros a denunciar e a detetar circuitos financeiros que correspondam a alegados subornos ou lavagem de dinheiro. Desde 2015, aliás, que as administrações norte-americanas têm vindo a impôr sanções económicas à Venezuela devido à forma como o regime chavista tem restringido as liberdades na Venezuela. “Medidas concretas são necessárias para combater a capacidade do esquema de corrupção de representantes políticos e públicos da Venezuela e evitar abusos do sistema internacional das respetivas redes”, afirmou a 19 de abril de 2018 o secretário de Estado de Tesouro, Steve Mnuchin, à Associated Press.