A falta de resposta na área de radiologia de intervenção na Grande Lisboa está a gerar desconforto no seio da Unidade Local de Saúde de Coimbra. O Hospital de Santa Maria, na capital, esteve durante duas semanas do mês de agosto sem resposta na área da radiologia de intervenção (uma subespecialidade médica que realiza tratamentos minimamente invasivos, nomeadamente para desobstruir artérias, drenar líquidos ou fazer biópsias) e a solução encontrada está a mais de 200 quilómetros: a ULS de Coimbra, segundo confirmaram ao Observador fontes hospitalares.
O maior hospital do país tem apenas dois médicos especialistas nesta área, que estiveram de férias em simultâneo durante duas semanas, gerando um caos que acabou por impactar na ULS de Coimbra, uma vez que, durante todo este período, a solução foi enviar doentes que tinham procedimentos de radiologia de intervenção programados para esta outra unidade do SNS.
Hospital de Santa Maria em silêncio
“O hospital de Santa Maria esteve 15 dias sem radiologia de intervenção programada e radiologia de intervenção de urgência. Nada”, adianta ao Observador um médico que acompanhou estes processos e que pediu anonimato. São frequentes as dificuldades dos dois hospitais da área de Lisboa que têm resposta nesta área (o Santa Maria e o Curry Cabral) para conseguirem garantir as escalas durante os períodos noturnos. Mas nunca o Santa Maria tinha ficado sem resposta em radiologia de intervenção, de forma ininterrupta, durante um período tão alargado — de duas semanas — como aconteceu este mês.
Os dois médicos especializados nesta área estiveram de férias em simultâneo. Segundo a mesma fonte, ambos têm filhos em idade escolar, tendo visto as férias aprovadas pela unidade hospitalar. O Observador tentou por diversas vezes, ao longo dos últimos sete dias, obter uma reação oficial por parte da ULS de Santa Maria, mas sem sucesso. A organização das férias dos médicos tem impacto na resposta dos serviços, como concluíram cinco inspeções da Inspeção Geral das Atividades em Saúde, reveladas pelo Observador, no início desta semana, e como sublinha a própria Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
Coimbra diz que a sua atividade “tem sido de grande impacto”
O Observador sabe que a falta de capacidade de resposta do Santa Maria na radiologia de intervenção afetou o tratamento a vários doentes — nomeadamente impossibilitando a desobstrução de uma artéria e, num outro caso, a drenagem de líquidos — e que alguns doentes foram mesmo encaminhados para a ULS de Coimbra, dada a limitada capacidade de resposta no Hospital Curry Cabral.
Oficialmente a ULS de Coimbra não confirma ao Observador a transferência de utentes (remetendo o pedido de esclarecimentos para a ULS de Santa Maria e para a Direção Executiva do SNS), mas sublinha que a sua “escala de Radiologia de Intervenção responde de forma permanente” — ao contrário do que acontece na capital — e que a atividade da ULS de Coimbra nesta área “tem sido de grande impacto clínico no tratamento urgente dos doentes, em articulação com as diferentes unidades de saúde“.
A unidade de Coimbra confirma igualmente que lhe são referenciados “doentes não só da área da Região de Saúde do Centro [região em que é o único hospital com resposta em radiologia de intervenção] mas também de diferentes Hospitais do Continente e Regiões Autónomas”.
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Há apenas 20 a 30 radiologistas de intervenção no SNS
O radiologista Luís Curvo Semedo, que é médico na ULS de Coimbra, confirma que o hospital da cidade “tem uma resposta robusta, que cobre a totalidade dos dias da semana”, recebendo doentes dos hospitais de Lisboa e até do Algarve quando não existe capacidade de resposta nestas regiões. “Mesmo em períodos normais, o Santa Maria não dá uma cobertura integral na radiologia de intervenção”, revela o também presidente da Sociedade Portuguesa de Radiologia e Medicina Nuclear.
A radiologia é uma das especialidades mais deficitárias nos hospitais do SNS no que diz respeito ao número de recursos humanos disponíveis. Na radiologia de intervenção em concreto, há apenas 20 a 30 especialistas nos hospitais públicos (e apenas seis nos dois hospitais de Lisboa), um número que tem vindo a diminuir nos últimos anos. “Há muito poucos médicos, cada vez menos. São captados pelo privado, que chega a pagar quatro vezes mais”, reconhece uma outra fonte hospitalar que pediu anonimato, dando conta de que o Santa Maria tem feito esforços para conseguir atrair mais um especialista em radiologia de intervenção para os quadros.
“A Direção Executiva conhece os problemas, mas pede para trabalharmos em rede”, diz a mesma fonte — o que significa sobrecarregar determinados hospitais, como o de Coimbra. Questionada sobre se tinha conhecimento da falta de resposta em radiologia de intervenção na área de Lisboa, se teve alguma intervenção no encaminhamento de doentes de Lisboa para Coimbra e que esforços estão a ser ou foram desenvolvidos, a entidade liderada por António Gandra D’Almeida não respondeu até ao momento.