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Foi após o cerco de Kiev, em abril de 2022, que a Seneca começou a ganhar forma
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Foi após o cerco de Kiev, em abril de 2022, que a Seneca começou a ganhar forma

Foi após o cerco de Kiev, em abril de 2022, que a Seneca começou a ganhar forma

Seneca. O "exército de miúdos" liderado por um poeta que luta para que Bakhmut não caia nas mãos dos russos

Trazendo "soluções inovadoras" à linha da frente, unidade Seneca é composta "por jovens sem experiência, mas com conhecimentos "tecnológicos". Defendem atualmente Bakhmut, mas situação é "complicada".

“Acabei a escola, trabalhei durante um ano e começou a guerra.” Com apenas 19 anos, Vadym Adamov tornou-se especialista a pilotar drones, sendo essa uma das tarefas que ocupa na unidade Seneca, que integra a 93.ª brigada mecanizada no exército ucraniano. Neste momento, o jovem está a combater em Bakhmut, o ponto mais quente da guerra na Ucrânia e que poderá ficar sob controlo da Rússia nos próximos tempos. A conquista do leste da localidade já foi reivindicada pelo grupo paramilitar Wagner, mas Kiev promete não dar o braço a torcer tão cedo.

A unidade promete não desertar. “A nossa grande vantagem é que, ao sermos miúdos, somos muito irresponsáveis e podemos fazer coisas que outros pensam duas vezes”, afirma Vadym, citado pelo jornal El Mundo. Formado por cerca de 60 elementos, o grupo dedica-se a encontrar “solução técnicas e inovadoras” na 93.ª brigada. “Veteranos, militares profissionais, especialistas e entusiastas juntaram-se para acelerar a vitória da Ucrânia. O nosso objetivo é criar uma vantagem tática em certas áreas da linha da frente através do uso de soluções tecnológicas fora do padrão”, descreve-se no site da Seneca.

A formação da Seneca

Foi após o cerco de Kiev, em abril de 2022, que a equipa começou a ganhar forma. Com 27 anos, o atual líder da unidade, Vlad Sord, que é poeta e até tem uma editora, foi convidado pelo ativista Roman Ratushnyi para se juntar à 93.ª brigada. Os dois eram combatentes experientes, que se tinham conhecido em 2014 no Euromaidan, a revolta popular ucraniana que levou à destituição do ex-Presidente ucraniano pró-russo, Viktor Yanukovych, à subsequente anexação da Crimeia e ao início de um conflito armado no Donbass.

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“Quando começámos a trabalhar juntos, era claro que poderíamos alcançar o inimaginável. O Roman e eu estávamos constantemente a gerar ideias. E tínhamos acumulado o capital social suficiente para implementar facilmente essas ideias juntas”, diz Roman Ratushnyi em entrevista ao portal svidomi.

Vlad Sord (à esquerda) e Roman Ratushnyi (à direita)

Site da Seneca

No entanto, as ideias ambiciosas dos dois soldados sofreram um duro revés em junho de 2022. Aos 24 anos, Roman Ratushnyi morreu durante um combate em Izium. Uma tragédia que não fez desistir Vlad Sord dos projetos. Duas semanas depois da morte do ativista, um dos comandante daquela brigada, Ruslan Shevchuk, teve conhecimento do projeto e ficou entusiasmado.

Esse comandante sugeriu que Vlad Sord criasse e liderasse a unidade especial. Aceitou o convite e passou então a chefiar uma unidade militar. “Decidi o nome sozinho. Não consultei ninguém, mas apoiaram-me todos de forma unânime”, conta o soldado de 27 anos. A escolha recaiu sobre Seneca — nome do filósofo estoico romano e também o nome de guerra de Roman Ratushnyi, funcionando assim como uma homenagem ao seu ex-camarada.

Desde aí, a unidade Seneca já esteve em Izium, Kharkiv, Soledar e agora está a combater em Bakhmut. “O nosso principal objetivo é proteger o maior número de pessoas possível e ter a maior eficiência com o mínimo de recursos humanos”, explica Vlad Sord. Apesar do teor inovador do projeto, o soldado de 27 anos confessa que está “farto” da guerra. “Continuamos a lutar com base no ódio e vamos continuar a fazer o nosso trabalho. Todos entendem que, se não o fizermos, tudo aquilo por que lutamos vai desmoronar-se.”

Como funciona a Seneca?

“Uma estrutura dentro da estrutura.” É assim que Vlad Sord define a atuação do grupo que lidera. Embora esteja vinculada à 93.ª brigada, a unidade possui alguma liberdade de ação. Por exemplo, compra autonomamente os equipamentos e veículos de combate, quase todos através de campanhas de crowdfunding. Nas redes sociais, multiplicam-se as publicações ora a pedir doações, ora a agradecê-las. Recentemente, a Seneca conseguiu angariar cerca de 17 mil dólares (aproximadamente 16 mil euros).

As redes sociais desempenham um papel fundamental para a Seneca, nomeadamente no que diz respeito ao recrutamento de militares. “Quando ainda estava em Kharkiv, consegui recrutar pessoas suficientes para a brigada através do Twitter: engenheiros, programadores e designers”, lembra Vlad Sord. Assim, a unidade militar foi conseguindo conquistar soldados “jovens, com iniciativa, sem experiência de combate, mas com conhecimentos específicos” na área da tecnologia, domínio em que se diferencia.

A estrutura interna prova que a tecnologia assume um papel de relevo nesta unidade, existindo quatro subgrupos — três dedicados a drones, outro que opera morteiros.

  • O primeiro subgrupo trata do reconhecimento aéreo, patrulhando o espaço aéreo com o recurso a drones.
  • O segundo subgrupo pilota drones leves com o objetivo de “destruir munições” da Rússia ou distrair as tropas de Moscovo.
  • O terceiro subgrupo pilota drones de combate que atingem “equipamentos inimigos”, lançando “explosivos” a “distâncias curtas e médias”.
  • O quarto subgrupo, em coordenação com o reconhecimento aéreo, atinge alvos inimigos com recursos a morteiros.

Há ainda um departamento que está encarregue do tratamento de dados, que obtém informações através do subgrupo do reconhecimento aéreo. “Analisa-se tudo para que seja possível conhecermos melhor todo o território do que os próprios russos: [onde estão] as suas fortificações, os seus abrigos e os seus equipamentos”, aclara Vlad Sord. Com este nível de pormenor, é mais fácil pilotar os drones e atingir os alvos com uma elevada eficácia — sendo que alguns equipamentos são mesmos controlados através de óculos de realidade aumentada, tal como num videojogo.

“Aqui todos somos autodidatas. Aprendemos a ler e com videojogos. Não temos idade nem para terminar a universidade. Somos o exército dos miúdos”, resume Vadym Adamov.

"Aqui todos somos autodidatas. Aprendemos a ler e com videojogos. Não temos idade nem para terminar a universidade. Somos o exército dos miúdos"
Vadym Adamov, jovem de 19 anos pertencente à unidade Seneca

Bakhmut. Ocidente já admite que localidade possa cair na mãos dos russos

Por agora, e tendo em conta o estado do conflito, a unidade Seneca permanecerá em Bakhmut, lutando para evitar que a localidade caia nas mãos dos russos. Porém, a situação no terreno é cada vez mais “complicada” — como o próprio Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já o reconheceu. Neste momento, de acordo com o relatório desta quinta-feira elaborado pelo think tank norte-americano Instituto para a Guerra, as forças de Moscovo já controlam “pelo menos 50%” da cidade.

A destruição de Bakhmut
A destruição de Bakhmut
Soldados em Bakhmut
Soldados em Bakhmut

O líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, disse na quarta-feira que a Rússia já controla todo o leste da cidade. O objetivo de Moscovo passa agora por tentar atacar o norte e o sul da localidade. Adicionalmente, as forças russas “estão a tentar bloquear as linhas de comunicação” ucranianas, de modo a conseguir cercá-las e levar a uma retirada forçada.

Por sua vez, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, reiterou o objetivo russo de tomar a localidade e indicou que a conquista russa de Bakhmut poderá ser o ponto de partida para uma nova ofensiva de Moscovo. “A cidade é um importante centro defensivo para as tropas ucranianas em Donbass. Capturá-la permitirá novas operações ofensivas nas linhas de defesa das Forças Armadas da Ucrânia”, afirmou o governante.

Ainda assim, os especialistas do Instituto para a Guerra duvidam que, mesmo que as tropas russas capturem a cidade, Moscovo seja capaz de levar a cabo uma ofensiva rápida: “As forças russas não dispõe do poder de combate necessário”.

Tropas ucranianas em Bakhmut

Facebook 93.ª Brigada Mecanizada

Apesar disso, o Chefe de Estado ucraniano receia que o plano do ministro da Defesa da Rússia seja colocado em prática. “Entendemos que depois de Bakhmut [a Rússia] pode ir mais além. Pode ir até Kramatorsk, até Sloviansk. Depois de Bakhmut, passaria a haver uma estrada aberta para os russos chegarem a outras cidades na Ucrânia na direção de Donetsk”, assumiu Volodymyr Zelensky numa entrevista à CNN internacional, estabelecendo a defesa da cidade como uma “prioridade”.

O líder ucraniano assegurou que a tomada de Bakhmut continua a ser fundamental, mas já há vozes dentro das Forças Armadas a criticarem a persistência de Volodymyr Zelensky na defesa da cidade. De acordo com o Kyiv Independent, alguns insatisfeitos consideraram que estão a ser utilizados como “carne para canhão”, alegando que o Presidente está apenas a tentar “cansar” os russos, sem nenhum objetivo estratégico por detrás.

Todavia, um conselheiro da presidência ucraniana desmentiu a falta de união, assinalando que existe consenso dentro do exército ucraniano quanto à defesa de Bakhmut. “Existe um consenso entre os militares sobre a necessidade de continuar a defender a cidade e a desgastar as forças inimigas, enquanto são construídas novas linhas de defesa”, referiu Mykhaylo Podolyak.

Já o Ocidente não parece particularmente otimista sobre as perspetivas de a Ucrânia continuar a dominar a Bakhmut. O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, admitiu que não se pode “excluir” que Bakhmut caia “nos próximos dias”. “Não devemos subestimar a Rússia”, sinalizou Jens Stoltenberg, acrescentando que Moscovo “está a utilizar mais tropas, mais forças” do que no início da invasão, que começou há pouco mais de um ano.

A destruição em Bakhmut

Facebook 93.ª Brigada Mecanizada

Se a conquista de Bakhmut poderá levar a ganhos futuros numa ofensiva russa? Jens Stoltenberg duvida. “É importante realçar que isso não reflete, necessariamente, um ponto de viragem na guerra”, salientou, posição que também é partilhada pelo secretário da Defesa norte-americana, Lloyd Austin: “A queda de Bakhmut não significa necessariamente que os russos mudaram o rumo desta luta”.

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