Estamos oficialmente no advento. É o tempo da esperança, da expectativa, de todos os preparativos. O relógio entra em contagem decrescente, casas e ruas enchem-se de decorações, fazem-se balanços ao que passou e pedidos ao que aí vem. Uns esperam o menino Jesus, outros o Pai Natal, outros os últimos Jedi – ou melhor, “Os Últimos Jedi” (assim, com aspas e maiúsculas). Para muitos, será uma heresia misturar tudo isto; outros esperam pelos três, sem problemas de coabitação. Menino Jesus e Pai Natal, é sabido, chegam de 24 para 25 de Dezembro; o novíssimo volume da saga “Star Wars” joga na antecipação e vem semana e meia antes. O grande dia está a chegar – é melhor estar preparado.
3 de Dezembro
Primeiro que tudo, há que montar a árvore. Se não contar à sua avó que o adereço no topo se chama “Estrela da Morte”, ela vai achar que é só mais uma bola como as outras. Aproveite esta altura de paz e alegria para um exame de consciência. Pense: sim, também eu já fiz bodega. E, com estas nobres palavras em mente, perdoe aos envolvidos a trilogia das prequelas. Magnânima e preguiçosamente, estenda-se então no sofá a ver toda a saga pela ordem que George Lucas insistiu em nos ensinar. Primeiro dia, primeiro episódio: “A Ameaça Fantasma”.
4 de Dezembro
É segunda-feira – não dá para exigir muito dum cidadão. Veja o segundo episódio, “O Ataque dos Clones”, que, apesar de ter um título que, à época, sugeria uma invasão de ovelhas Dolly, já se digere melhor. Em sobrando forças, parta para o presépio. O anjo Gabriel deve aparecer num holograma projectado pelo R2-D2. E poderá, finalmente, dar uso àquele boneco do Jar Jar Binks que tentou impingir ao seu sobrinho anos atrás: ninguém vai dar por ele entre a vaca e o burro.
5 de Dezembro
Terceiro dia, terceiro episódio: “A Vingança dos Sith” (talvez por causa de qualquer coisa que fizemos àquele cantor, o José Sith). É o melhorzinho da trilogia de prequelas e aquele onde se reconhece o legítimo esforço de Lucas e Hayden Christensen por entregar com dignidade o testemunho à memória. Estava já, porém, fatalmente condenado pelo pecado original daquela trilogia: deixar as personagens a boiar num mar de CGI, sem textura, sem espessura e sem realidade (a verdade, como se sabe, é coisa que faz falta a qualquer boa mentira).
6 de Dezembro
Está na altura de entrar na saga original. Organize lá em casa um visionamento do “Episódio 4: Uma Nova Esperança”, ou, como era conhecido antigamente, a “Guerra das Estrelas”. Pode agora confessar que, quando era puto, tinha um roupão com capuz, todo em turco, que o fazia imediatamente sentir-se o Obi-Wan Kenobi. Deixe cair a dica na esperança de que alguém lhe ofereça uma coisa parecida no Natal.
7 de Dezembro
É dia do jantar de Natal lá do escritório. Sugira que os meninos vão de stormtroopers e as meninas com aquela espécie de biquíni de amazonas do Espaço que a Princesa Leia usa quando está prisioneira do Jabba the Hutt. Não custa tentar. Havendo amigo secreto, é torcer para que lhe saia uma daquelas mochilas em forma de Yoda, quando anda às costas do Luke (ou um biquíni de amazonas. É conforme).
8 de Dezembro
É sexta-feira e feriado, dia da Imaculada Conceição. Curiosamente ou nem tanto, concepção imaculada é precisamente uma das hipóteses aventadas entre os fãs para Rey, personagem muito amada da nova trilogia e cujas origens familiares permanecem, por enquanto, em segredo. Assista a “O Império Contra-ataca”, para muitos, o mais negro e o melhor filme de todo o franchise.
9 de Dezembro
Aproveite o dia para fazer a decoração do resto da casa, garantindo que não há divisão que não tenha ao menos um poster ou action figure de uma personagem segurando os livros de Eça de Queirós na estante ou tentando, com tudo o que tem, levantar a tampa daquele bule de chá. Termine recordando “O Regresso de Jedi” e como, logo da primeira vez, achou que aquele não era realmente o rosto de Anakin Skywalker (antes de adormecer, considere uma oração ou duas por David Prowse e sua inglória condenação ao esquecimento).
10 de Dezembro
É domingo; portanto, comece por vestir roupa de domingo. Sim, aquela t-shirt a dizer “I went to Tatooine and all I got was this lousy T-shirt”. Ou a do “I made love to a wookiee and I liked it”. Depois, é seguir sem medo para a saga intergaláctica da compra dos presentes. Um capacete de Darth Vader para o pai; uma peruca de Leia para a mãe; BB-8s para os putos. Amigos, conhecidos e familiares mais distantes, podem levar com um peluche de Chewbacca que urra quando lhe carregamos na barriga. O sabre de luz é um investimento que só devemos fazer para o amor da nossa vida – e, quem sabe?, talvez recebamos outro em troca. De outra cor. Ou uma Millenium Falcon a pilhas. Mas isso é se for para sempre.
11 de Dezembro
Depois de três dias de esforço intenso e já que é segunda-feira e esta sociedade materialista lhe exige que volte ao escritório, ao final do dia tente guardar-se para o trabalho espiritual. Medite na anunciação, que foi obviamente feita com a voz do James Earl Jones, e explique às crianças que, se não comerem a sopa, espera-as uma carreira de Mark Hamill, em vez de uma de Harrison Ford. Depois, é estender-se no sofá a rever “O Despertar da Força”, o filme com que, em 2015, JJ Abrams trouxe “Star Wars” de volta para o lado bom da Força. Se precisar de ajuda, ligue para uma linha de apoio e fale do que sentiu depois da morte de Han Solo. Ou quando lhe disseram que o Han Solo morria e você ainda nem sequer tinha visto o filme. Ou… Ainda não viu? Ehem. [Assobia “A Marcha Imperial”.]
12 de Dezembro
Acabaram-se os filmes da linha oficial e ainda faltam uns dias. Calma. Há uma solução. Reveja “Rogue One”, o lançamento do ano passado que inaugurou a linha dos “filmes antológicos”, isto é, episódios com princípio, meio e fim, isolados e paralelos à linha de história central. É mais do mesmo em relação a “O Despertar da Força”, mas tem um bocadinho de Darth Vader – sempre dá para acalmar os tremores. A propósito: sabia que Rian Johnson, o argumentista e realizador do novo filme, já foi contratado pela Disney para fazer mais três? E que esses três, segundo JJ Abrams, não serão sobre os Skywalker? Isto nunca vai acabar, o que não é necessariamente bom.
13 de Dezembro
Já fez as compras todas, colocou todos os enfeites, meditou, pediu e perdoou tudo? E já não há mais filmes para ver? Foi para isso que inventaram a internet. Reveja os dois trailers oficiais de “Os Últimos Jedi” e mergulhe em tudo quanto já se tem dito e escrito acerca deles e daquilo que poderá ser o novo filme. Prepare-se para a probabilidade de um episódio negro, como “O Império Contra-ataca”, seu congénere no lugar de “filme do meio”. Mark Hamill já deixou cair em entrevistas que é agora um jedi desiludido e que esta não é uma história alegre – pelo menos, a parte que lhe diz respeito. O segundo trailer termina com Kylo Ren a estender, perigosamente, a mão para a indecisa Rey. E sobram profecias pairando ameaçadoramente sobre ambos os spots: “É tempo para os jedis terminarem”, “Só por uma vez vi este tipo de força crua. Não me assustou o bastante então; assusta-me agora”, diz Luke. “Mata-o (ao passado), se tiveres de o fazer. É a única forma de te tornares quem estás destinado a ser”, diz Kylo a Rey. Medo.
14 de Dezembro
E bom, eis-nos chegados ao último dia. Está preparado como nunca para lutar por um universo livre. É, praticamente, um jedi. Aconchegue estas últimas horas ouvindo a banda sonora e trauteando-a dia afora. Se ainda lhe parecer útil apelar ao Pai Natal, escreva-lhe pedindo apenas que o filme seja bom. Se o relógio teimar em não andar, entretenha-se vendo ou revendo “Looper”, o belo filme de ficção científica com que Rian Johnson chamou à atenção dos crescidos em 2012. Como requinte final, fale todo o dia à Yoda. Só para mostrar quem manda.
Filme bom, leitor amigo. E com todos nós, que a Força esteja.