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Suplementos alimentares. Será que o natural faz sempre bem?

O Observador foi procurar saber quem regula os suplementos alimentares, quem garante a sua qualidade e quais os perigos associados ao seu consumo. Sabia que até um "simples" chá lhe pode fazer mal?

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Mariana (nome fictício) sofria de hipertensão há nove anos e tinha o colesterol muito elevado. Medicada com dois anti-hipertensores, uma sinvastatina (para o colesterol) e um laxante, decidiu começar a tomar também cardo-mariano, três vezes ao dia, e um outro suplemento, que era um verdadeiro cocktail composto por laranja amarga, guaraná, videira, centelha asiática, alcaçuz, dente-de-leão, cardo-mariano, papaia e outras susbtâncias. Duas semanas depois, começou a sentir as pernas inchadas e registou um aumento da pressão arterial. Este é apenas um dos casos reais relatados pelo Observatório de Interações Planta-Medicamento (OIPM), que conclui que “a toma de cardo-mariano e das diversas plantas incluídas no suplemento alimentar em causa não é aconselhada a esta doente, uma vez que pode perturbar a eficácia e segurança do tratamento que lhe foi prescrito” e resultar naqueles efeitos.

A coordenadora do OIPM, Maria da Graça Campos, sublinha que têm chegado a este observatório da Universidade de Coimbra “vários casos de situações de interações com produtos desses que se vendem na televisão” e alerta para os perigos associados à toma indiscriminada de suplementos alimentares e outros produtos naturais, sobretudo por parte de pessoas mais velhas, com doenças associadas e polimedicadas. As consequências podem ir desde a ineficácia de um analgésico, à morte por toxicidade de um fármaco, por exemplo. E, por isso, Maria da Graça Campos pede “muita ponderação e bom senso no consumo” destes produtos.

“Essa história de que o que é natural é bom, tem muito que se lhe diga. Este mito de que o natural não faz mal tem de ser desvanecido, pois representa uma ameaça à saúde pública”, afirma a responsável, que colabora com a DGAV, o Infarmed e a ASAE, lembrando que “os maiores venenos existem na natureza, quer sejam provenientes de animais, de plantas ou de vírus e bactérias”. Além do mais, “é importante não esquecer que a maioria dos medicamentos foram desenvolvidos a partir de produtos naturais e que estão suficientemente estudados e controlados, para que possam ser usados com segurança, o que não acontece com todos os outros”.

"Este mito de que o natural não faz mal tem de ser desvanecido pois representa uma ameaça à saúde pública."
Maria da Graça Campos, coordenadora do Observatório de Interações Planta-Medicamento

A própria Direção-geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), que é quem tem a tutela dos suplementos, admite que “a toma de suplementos alimentares, em particular em doentes polimedicados ou faixas da população mais vulneráveis, como idosos e crianças, pode originar interações com medicamentos, diminuindo ou aumentando a sua ação, o que, em qualquer dos casos, poderá ter um efeito nocivo a nível de saúde”. E na sua página da internet disponibiliza um campo onde as pessoas podem e devem comunicar qualquer efeito secundário que tenham sentido depois de começarem a tomar um suplemento, mesmo que possam pensar que as coisas não estão relacionadas.

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Também o Infarmed esclarece que, “de uma forma geral, a possibilidade de interações com medicamentos depende de vários fatores como, por exemplo, as condições gerais de saúde, a função hepática, a função renal, o consumo de álcool, o tabagism0 e também fatores genéticos”.

O presidente da Associação Portuguesa de Suplementos Alimentares (APARD) frisa que o que é obrigatório constar dos rótulos dos suplementos são as intolerâncias, os alergénicos e a proteção de certos grupos de consumidores (portadores de doenças crónicas, lactantes, grávidas), deixando claro que “não cabe ao alimento declarar efeitos secundários derivados da toma simultânea de medicamentos, sob pena de ter de haver um médico em cada mercearia ou supermercado”.

Para Raul Oliveira, são os medicamentos que devem fazer essas menções, e “o médico deve conhecer os medicamentos que prescreve e aconselhar o utente acerca de possíveis interações e cuidados na toma”. Aqui, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) assina por baixo. “Cabe ao medicamento, através de avaliações técnico-científicas, identificar possíveis interações”, afirma fonte oficial da Apifarma, acrescentando que a produção e a comercialização de suplementos alimentares “não constitui, em si mesmo, um problema, desde que se cumpram as normas”.

Mas para que não constituam mesmo um problema, o Infarmed aconselha a que “haja aconselhamento farmacêutico ou acompanhamento médico”.

“”Os suplementos alimentares, tal como alguns alimentos, podem ser contra-indicados em indivíduos com determinadas patologias ou quando utilizados em excesso”, remata o Infarmed.

E aqui reside mais um dos problemas no consumo de suplementos. Quem os toma, normalmente decide fazê-lo por livre arbítrio, sem consultar o médico nem o farmacêutico, e raramente o comunica quando vai ao médico de família. E nem os médicos têm por hábito perguntar se o paciente anda a tomar algum suplemento (ou até mesmo um simples chá, como pode ver mais abaixo).

Para corrigir esta falha, o Observatório de Interações Planta-Medicamento está a firmar um protocolo com a Ordem dos Médicos para construir um plano de formação a fim de sensibilizar os médicos de família para esta questão e lhes transmitir conhecimentos em matéria de interações planta-medicamento, conhecimentos esses que não têm sido adquiridos nos cursos de medicina, porque este é um fenómeno relativamente recente, avançou ao Observador a coordenadora do OIPM, Maria da Graça Campos.

Só em 2002 a matéria dos suplementos alimentares ficou regulamentada a nível europeu, numa diretiva que foi transposta para Portugal em 2003. Até aí, o mercado estava completamente desregulado.

Quem assegura a qualidade dos suplementos à venda?

Do ginseng ao alho, da casca de laranja amarga à menta, do aloé vera ao cardo-mariano. E ainda os multivitamínicos. Em xarope, ampolas e gotas. Pó, comprimidos ou pastilhas. É à escolha do freguês. E estão por todo o lado: nas farmácias e parafarmácias, nos supermercados e nas ervanárias e outras lojas de produtos naturais. E até na televisão lá de casa, à distância de um telefonema.

Suplementos não são medicamentos. Não curam, nem previnem.

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Os suplementos alimentares são géneros alimentícios que se destinam a complementar ou suplementar o regime alimentar e que constituem fontes concentradas de certos nutrientes (vitaminas e sais minerais) ou de outras substâncias com efeito nutricional ou fisiológico (plantas, extratos botânicos, pré e probióticos, e ainda aminoácidos, ácidos gordos essenciais e fibras) consumidas individualmente ou combinadas, e comercializados sob a forma de doses pré-embaladas. Os suplementos não podem dizer que previnem, tratam ou curam doenças.

Há cada vez mais suplementos no mercado e há cada vez mais gente a consumi-los. E já não são só suplementos na verdadeira origem da palavra, afirma Maria da Graça Campos. Os suplementos deixaram de “suplementar planos alimentares deficitários em algumas vitaminas e minerais” para passarem a incluir plantas, extratos de plantas e outros derivados que são “compostos ativos e têm uma ação sobre o organismo”.

Mas quem regula este mercado e a que regras obedece? Pode haver suplementos alimentares a entrarem no mercado sem garantia de que sejam seguros? A resposta do Ministério da Agricultura é peremptória: “Não, porque o operador é responsável pela colocação de produtos seguros no mercado”.

E é a acreditar na boa-fé do operador que os suplementos alimentares, como outros alimentos, dão entrada no mercado e chegam aos consumidores.

“Não são solicitados ao operador ensaios de qualidade e segurança e a colocação no mercado de géneros alimentícios [como são os suplementos] não carece de autorização”, esclareceu ao Observador, Álvaro Pegado Mendonça, diretor-geral da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), logo acrescentando que no caso em específico dos suplementos alimentares, “o operador deve notificar” a DGAV da colocação no mercado dos mesmos. Dessa notificação deve constar o modelo do rótulo, o compromisso de que cumpriu a legislação alimentar em vigor, bem como o enquadramento dos ingredientes.

"Não são solicitados ao operador ensaios de qualidade e segurança e a colocação no mercado de géneros alimentícios [como é o caso dos suplementos alimentares] não carece de autorização."
Álvaro Pegado Mendonça, diretor-geral da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária

E nessa altura a DGAV “procede a uma análise documental das notificações, focando-se, essencialmente, em aspetos de segurança”, como “o controlo dos ingredientes com efeito fisiológico e menções de rotulagem, incluindo alegações de saúde”, explicou ao Observador fonte oficial do gabinete de imprensa do Ministério da Agricultura. “Em caso de dúvida, podemos solicitar informações adicionais ao operador e/ou promover controlos analíticos dirigidos.”

Dos rótulos dos suplementos deve constar informação como a designação das categorias de nutrimentos ou substâncias que caracterizam o produto, a toma diária recomendada do produto, uma advertência de que não deve ser excedida a toma diária indicada, a indicação de que os suplementos alimentares não devem ser utilizados como substitutos de um regime alimentar variado e ainda uma advertência de que os produtos devem ser guardados fora do alcance das crianças.

20.000

A DGAV dispõe do registo de mais de 20.000 notificações, que constituem o universo potencial de suplementos alimentares à venda em Portugal, esclareceu fonte oficial ao Observador. A Associação Portuguesa de Suplementos Alimentares fala em 2.500 a 3.000 referências atualmente no mercado. São cerca de 800 os operadores neste setor, entre fabricantes e distribuidores.

Além disso, a DGAV tem um programa anual de controlo que se materializa em recolha de amostras para análise de contaminantes (metais pesados). “Em 2015, todos os estabelecimentos de fabrico de suplementos alimentares foram objeto de controlo.”

Por outro lado, a ASAE é a entidade responsável pela fiscalização deste mercado, desde a produção ao retalho. Fiscaliza, programada ou inesperadamente, mas de forma “regular”, a rotulagem, a apresentação e a publicidade, nomeadamente as alegações nutricionais e de saúde, e procede ainda a ensaios laboratoriais de suplementos. Mas é impossivel analisar todos os suplementos a todo o momento.

"A área dos suplementos alimentares é uma das áreas prioritárias de atuação da ASAE."
Ana Oliveira, inspetora chefe da ASAE

E ser vendido na televisão, na ervanária ou na farmácia dá exatamente as mesmas garantias de qualidade e segurança. “Os requisitos legais para a comercialização de suplementos alimentares são exatamente os mesmos, qualquer que seja o canal de venda escolhido pelo operador, sendo que a venda em farmácias não constitui uma garantia de qualidade e segurança que não exista em qualquer outro estabelecimento de venda. Os suplementos alimentares vendidos online devem também ser notificados à DGAV”, garantiu o diretor geral da DGAV.

Com a diferença, aponta Maria da Graça Campos do OIPM, de que “na farmácia há a vantagem de se conhecer o utente e nesse sentido é possível aconselhá-lo. Além disso, o programa informático das farmácias dispara logo as interações caso o utente esteja a fazer certa medicação e queira comprar um qualquer suplemento alimentar”.

Do lado do produtor, o presidente da Associação Portuguesa dos Suplementos Alimentares (APARD) garantiu ao Observador que o processo de fabrico de suplementos segue hoje de muito perto as melhores práticas da indústria farmacêutica, “exigindo-se linhas dedicadas de fabrico de forma a prevenir contaminações”. Além disso, “só podem constar da composição dos suplementos alimentares as substâncias concretamente previstas na lei, assim se garantindo o conhecimento perfeito dos produtos comercializados”, sendo que “qualquer novo alimento está sujeito a prévia avaliação de segurança por parte da Agência Europeia de Segurança Alimentar, através de processo científico próprio, cuja autorização, a ser reconhecida, se estende a todos os países da UE”.

Quanto ao facto de não serem exigidos aos suplementos quaisquer ensaios clínicos, Raul Maia Oliveira, presidente da APARD, sublinha que, “apesar das semelhanças na apresentação, os suplementos não são medicamentos nem visam curar ou tratar doenças, não carecendo, por isso, de sujeição a quaisquer ensaios clínicos”, isto porque “nos suplementos não está em causa a aferição da relação ‘risco/benefício’ que é privativa dos medicamentos”.

Apreensões têm vindo a crescer

Mas a verdade é que vão aparecendo no mercado suplementos com substâncias ativas que só deveriam constar de medicamentos. Recorde-se os casos da atleta Sara Moreira e do campeão do mundo de duatlo Sérgio Silva que, em 2011, foram apanhados nos controlos antidoping e suspensos por seis meses. As análises acusaram methylhexaneamina, um estimulante proibido pela Agência Mundial Antidoping. Tinham ambos tomado um suplemento para o alívio da congestão nasal e desconheciam que o mesmo continha aquela susbtância.

Em 2014, o Infarmed em colaboração com a ASAE colheram, em retalhistas e distribuidores, 98 produtos diferentes destinados ao emagrecimento ou à melhoria do desempenho sexual. Desses, 27 continham “substâncias com atividade farmacológica, que constam na composição de medicamentos destinados à disfunção erétil e em medicamentos para o tratamento da obesidade proibidos na União Europeia”.

3.500

Ainda janeiro não tinha chegado ao fim e já a ASAE tinha apreendido, em menos de um mês, 3.500 embalagens de suplementos alimentares, mais do que as 3.000 apreendidas durante todo o ano de 2015.

Durante o ano de 2015 foram levadas a cabo pela ASAE “200 ações de inspeção dirigidas à fiscalização dos suplementos alimentares, tendo sido instaurados 16 processos de contraordenação, com apreensão de cerca de 3.000 embalagens, no valor que ronda os 75 mil euros, destacando-se como principais infrações a comercialização de suplementos alimentares com a rotulagem, apresentação e publicidade irregular, a venda ao público de medicamentos desprovidos de autorização de introdução no mercado ou qualquer outra autorização ou registo relevantes pelo Infarmed”.

Este ano, ainda o mês de janeiro não tinha chegado ao fim, a ASAE já tinha apreendido 3.500 embalagens, no valor aproximado de 50 mil euros. Questionada sobre o motivo do aumento das apreensões face ao ano anterior, a inspetora chefe Ana Oliveira respondeu ao Observador que “a ASAE tem direcionado a ação aos distribuidores, justificando o aumento das embalagens apreendidas”. Isto porque, nos armazéns, encontram um maior número de embalagens do que se fizerem a apreensão numa loja (retalho). Não quis contudo adiantar quais os produtos apreendidos nesta fase por estarem a “decorrer os processos”.

"Nunca foi retirado qualquer suplemento do mercado com base na sua perigosidade para o consumidor."
Raul Maia Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Suplementos Alimentares

Apesar das apreensões e processos judiciais noticiados, a Associação Portuguesa de Suplementos Alimentares garantiu ao Observador que “nunca nenhum associado da APARD foi judicialmente condenado por violação da legislação aplicável ao setor”, “nem nunca foi retirado qualquer suplemento do mercado com base na sua perigosidade para o consumidor”.

Mas nem sempre é assim. Em 2008, a Agência Francesa do Medicamento alertou para a morte de uma rapariga após a toma do suplemento Best Life. O produto continha uma substância ativa que faz parte da composição de remédios que precisam de vigilância médica (e que viria a ser desaconselhada em 2010) e outra interdita desde 1999.

E em 2009, a Agência do Medicamento da Suécia emitiu um alerta sobre vários casos de insuficiência hepática, devido ao consumo de Fortodol. Alguns lotes continham nimesulida e resultavam na ingestão de doses superiores às recomendadas.

Devia ser o Infarmed a regular os suplementos? Muitos dizem sim.

Nuno Borges, nutricionista e professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e da Alimentação da Universidade do Porto, considera que “devia ser o Infarmed a regular os suplementos”. “Não tenho a mínima dúvida disto, quer pela questão das interações, quer do tipo de expectativas que se criam e que não são cumpridas. Além das questões da qualidade. Muitos destes suplementos são feitos com extratos de plantas. A garantia de que são feitos sempre da mesma maneira é nula. É a própria empresa que assegura isso, mas o controlo de qualidade não tem, nem de perto, nem de longe, as regras a que obedecem os medicamentos.”

Também a Ordem dos Farmacêuticos tem defendido “que estes [produtos] devem estar sob alçada do Infarmed e não da Direção Geral de Alimentação e Veterinária”. “Quer os suplementos alimentares, quer os medicamentos de uso veterinário, têm implicações muito sérias na saúde pública e por isso mesmo devem estar sob a supervisão do Infarmed, de modo a garantir a necessária monitorização, qualidade, segurança e eficácia”, defendeu ao Observador, por escrito, fonte oficial da Ordem dos Farmacêuticos.

Por sua vez, Raul Maia Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Suplementos Alimentares, considera que esta alteração “não faria sentido absolutamente nenhum”. E explica porquê: “As empresas limitam-se a fabricar e comercializar suplementos alimentares, contendo substâncias previamente autorizadas, às quais são reconhecidos efeitos benéficos para a saúde humana”. Não são medicamentos, insistiu.

"Estão em curso trabalhos com vista à revisão do regime dos suplementos alimentares, de modo a obviar a publicidade enganosa e para evitar que possam prejudicar a saúde dos portugueses."
Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde considera “de grande relevância” a matéria dos suplementos alimentares e afirmou ao Observador que “estão em curso trabalhos com vista à revisão do regime dos suplementos alimentares, de modo a obviar a publicidade enganosa e para evitar que possam prejudicar a saúde dos portugueses, que se esperam concretizar em breve”.

Já o Ministério da Agricultura, que é quem tem o pelouro dos suplementos, afirma que “não está a ser planeada pelo Ministério da Agricultura qualquer alteração relacionada com os suplementos alimentares” e “não há qualquer negociação em curso” no sentido de transferir a competência em matéria de suplementos para o Ministério da Saúde.

Fazem bem? Fazem mal? Ou não fazem nada?

Quer emagrecer mas não consegue, tem problemas em dormir ou em ir ao WC. Precisa de se acalmar e concentrar mais no trabalho ou nos estudos, anda com dores nos ossos e articulações ou está com problemas ao nível da função erétil. Seja o que for que tenha, provavelmente encontrará resposta para o seu problema olhando para uma prateleira de suplementos alimentares. Há de tudo. E para tudo. Pelo menos assim são vendidos.

O nutricionista Nuno Borges chama a atenção para aquilo que considera ser publicidade enganosa. E exemplifica com os suplementos para perda de peso: “Esses suplementos, desde que tenham glucomanano, podem alegar que ajudam a perder peso, mas o que está estudado é que ao fim de algumas semanas faz perder apenas 800 gramas e isso eles não dizem.”

A própria Deco, no final do ano passado, e já depois de ter chamado a atenção para a publicidade que era feita aos produtos com cálcio, também alertou para os riscos associados aos mesmos, dizendo que as “evidências científicas sobre eventuais benefícios dos produtos à base de cálcio são fracas e inconsistentes”. Pelo contrário, “sabe-se que têm efeitos adversos”, sendo que “nalgumas pessoas podem causar problemas cardiovasculares e gastrointestinais, pedra nos rins e prisão de ventre”. Citando o British Medical Journal, a Deco referiu ainda no mesmo artigo que “a suplementação traz poucos benefícios e não deve ser recomendada para prevenção de fraturas ósseas”.

“O mais estranho é as pessoas acharem que os suplementos são melhores que os medicamentos que são controlados e substancialmente controlados e muitas vezes até mais baratos”, rematou Maria da Graça Campos.

Já Raul Oliveira, da APARD, frisa que “nem existem quaisquer evidências que objetivamente demonstrem que o consumo de suplementos alimentares é perigoso, muito menos estudos sistematizados que sinalizem em que casos, quantos e em que circunstâncias, se manifestam tais efeitos ou interações”.

O problema da publicidade. A polémica do Calcitrin Rapid

A verdade é que, mesmo quem não ousa questionar a qualidade dos suplementos, repudia muitos dos anúncios publicitários que são divulgados na promoção destes produtos e das alegações que constam desses anúncios, que induzem ao consumo.

Veja-se a polémica do final do ano, relacionada com um anúncio televisivo ao Calcitrin MD Rapid, da empresa Viva Melhor, que tinha como protagonista a cantora e atriz Simone de Oliveira.

A Ordem dos Farmacêuticos interpôs uma providência cautelar para travar este anúncio, alegando que “a agressividade deste tipo de mensagens assumiu proporções inéditas e totalmente inaceitáveis”. “É necessário que o enquadramento regulatório deste tipo de publicidade seja claro em termos de responsabilidades e que as devidas autoridades atuem”, defendeu, em resposta ao Observador, fonte oficial da Ordem dos Farmacêuticos.

Na mesma altura, o Infarmed veio dizer que iria inspecionar as peças publicitárias em causa e, em comunicado, aproveitou para referir que “estes produtos não são medicamentos, pelo que não podem reivindicar que previnem, tratam ou diagnosticam doenças ou os seus sintomas” e frisou que os suplementos não estão “sujeitos aos mesmos requisitos dos medicamentos, no que respeita à comprovação da sua qualidade, segurança e eficácia” e que “não são isentos de riscos para a saúde”. Questionado pelo Observador sobre o resultado dessas inspeções, nem o Infarmed, nem a ASAE, quiseram revelar as conclusões.

Tanto antes como depois da entrega da providência, multiplicaram-se as declarações do então bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e até um pedido ao ministro da Saúde para intervir.

Agora, dois meses depois, a empresa Viva Melhor revelou que “apresentou uma queixa-crime contra o ex-Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Carlos Maurício Gonçalves Barbosa e a Ordem dos Farmacêuticos, por ofensa a pessoa coletiva” e “uma denúncia por concorrência desleal na ASAE” contra os mesmos, “considerando que foram praticados atos que configuram falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar um concorrente”.

Esclarece a empresa que “o Calcitrin MD Rapid tem um efeito benéfico avaliado pela Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (AESA) e apresenta-se em conformidade com a lei, protegendo os consumidores e fornecendo as informações necessárias a uma escolha esclarecida e responsável”. Acrescenta ainda que “no Calcitrin está autorizada (devidamente avaliada) a utilização, entre outras, da alegação de que ‘o cálcio é necessário para a manutenção de ossos normais’”. A Viva Melhor reiterou ainda que, estando há seis anos no mercado, este suplemento à base de cálcio “é absolutamente seguro e não tem registo de qualquer reclamação”.

"Existem casos de claro abuso nas qualidades invocadas em certos suplementos, contra os quais a APARD se tem insurgido e até denunciado."
Raul Maia Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Suplementos Alimentares

Nunca se referindo a este caso em concreto, a associação representante do setor admite que “existem casos de claro abuso nas qualidades invocadas em certos suplementos, contra os quais a APARD se tem insurgido e até denunciado”, mas também salienta que a redação relativa às alegações de saúde autorizadas em suplementos “pode ser de difícil coadunação com as regras de publicidade”.

Os suplementos estão completamente proibidos de fazer alegações que sugiram que a saúde pode ser afetada pelo facto de não se consumir um alimento, ou que façam referência ao ritmo ou à quantificação da perda de peso, ou que façam ainda referência a recomendações de médicos ou de profissionais da saúde e de outras associações.

Mas há algumas alegações que podem ser feitas e estão devidamente balizadas e regulamentadas a nível europeu, desde que as operadoras garantam que os suplementos cumpram uma série de requisitos. Alguns dos exemplos de alegações nutricionais permitidas são aquelas que dizem: “baixo valor energético”, “baixo teor de gordura”, “baixo teor de açúcares” ou “sem açúcares” e “fonte de fibra”.

E há ainda uma lista de alegações de saúde permitidas, construída a nível comunitário. Por exemplo, um substituto de refeição para controlo do peso pode alegar que “substituir uma refeição diá­ria de um regime alimentar de baixo valor energético por um substituto de refei­ção contribui para a manutenção do peso após perda do mesmo”.

Os suplementos estão, porém, completamente proibidos de alegar que previnem, tratam ou curam uma determinada doença ou que promovem o desenvolvimento e a saúde das crianças.

Atenção (também) aos chás

E se ficou com a ideia de que deve ter cuidado apenas com os suplementos alimentares – sobretudo aqueles que contêm plantas, extratos de plantas, frutos e outros derivados – fique sabendo que está enganado.

Um “simples” chá pode pode estar a fazer-lhe mais mal do que bem. Veja um exemplo: o aparentemente “inofensivo” chá de camomila, que há anos se bebe e continua a ser aconselhado como algo natural que ajuda, entre outras coisas, a dormir.

“Ele tem um efeito terapêutico. Ajuda a dormir melhor. Tem uma ação mais suave do que por exemplo o Xanax, mas liga-se aos mesmos recetores”, afirma Maria da Graça Campos, doutorada em ciências farmacêuticas. E é precisamente por ter essas propriedades e essa ação terapêutica que se pode tornar um problema, quando a pessoa que o bebe faz outro tipo de medicação como, por exemplo, ansiolíticos. “Nesse caso pode aumentar as doses“, explica Maria da Graça Campos. E os efeitos adversos podem sentir-se também se for tomado em conjunto com analgésicos e anti-inflamatórios. “Podem aumentar a toxicidade de medicamentos aumentando o risco de hemorragias e aparecimento de nódoas negras“, lê-se no site do OIPM.

A soja e o cancro. As anonas e o Parkinson.

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Maria da Graça Campos, do Observatório de Interações Planta-Medicamento, alerta ainda para um problema que se prende com novos hábitos alimentares. E dá o exemplo da anona. “Além de não pertencerem ao nosso plano alimentar, na Ilha de Guadalupe, de onde são originárias, estão associadas a casos de Parkinson Atípico”, revela. Além de poderem apresentar um elevado grau de toxicidade.

Em relação à soja, “há estudos que a associam à potenciação do cancro”, sobretudo quando o tumor é hormonal (mama, ovários, útero, próstata, tiróide). É que “as isoflavonas presentes na soja vão-se ligar ao recetor dos estrogénios-alfa, aumentando a proliferação celular. Quando as células são normais, fantástico, mas se não forem, podemos potenciar o cancro”, explica.

Outro exemplo, e este provavelmente até já tinha ouvido falar, é o do chá de hipericão ou erva de S. João – uma planta medicinal muito usada com fins antidepressivos. Acontece que este chá interfere com uma série de outros medicamentos que possa estar a tomar, como sejam os ansiolíticos, antiagregantes plaquetares, antiasmáticos, antidepressivos, anti-histamínicos, antidislipidémicos, anti-hipertensores, anti-retrovirais, pílulas contracetivas e outros fármacos utilizados no tratamento oncológico.

É que os chás e até os sumos (há uma evidência grande, diz a coordenadora do OIPM, de que até o sumo de laranja consumido em grandes quantidades todos os dias pode aumentar a metabolização hepática, fazendo com que os medicamentos que estejam a ser tomados sofram maior metabolização no organismo) são “extratos concentrados de constituintes químicos cujo efeito no organismo pode ser muito intenso, dependendo da planta de que são feitos e da quantidade que se toma”, avisa o Observatório da Universidade de Coimbra, no seu site.

“Antigamente as plantas eram muito respeitadas e só se usavam mesmo quando se precisava. Hoje toma-se o chá das cinco e há cada vez mais chás com misturas de plantas”, que podem tornar este ritual menos saudável e menos eficaz, rematou Maria da Graça Campos, da Universidade de Coimbra.

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