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Montenegro já disse que não dá “nem mais um cêntimo” para as polícias. A ministra da Administração ainda veio garantir que estão todos de “boa fé” nas negociações, mas os sindicatos já admitem que Margarida Blasco está “amarrada” às palavras do primeiro-ministro e que o diálogo está ferido de morte. Nas redes sociais, os movimentos inorgânicos das polícias (e também alguns sindicatos) apelam à mobilização — os deputados vão discutir várias propostas de aumentos do suplemento de missão e a ideia é dar um sinal de força e união, dentro e fora das paredes da Assembleia da República, mas ainda não é claro o nível de adesão. O que está em causa no debate no Parlamento e o que esperar da concentração convocada para a mesma hora frente à Assembleia?
O mote está dado e os polícias estão convocados para voltar aos protestos já esta quinta-feira. Desta vez, uns deverão concentrar-se à frente da Assembleia da República, outros poderão estar nas galerias do Parlamento para assistir à sessão plenária marcada para as 15h. E o momento é de tensão, já que os sindicatos da PSP e da GNR ainda não chegaram a acordo com o Governo.
A Câmara Municipal de Lisboa já recebeu a informação de que vai acontecer uma concentração, mas só ao início da tarde se vai perceber se houve ou não mobilização. Sabe-se que alguns sindicatos não querem colar-se à iniciativa, uma vez que o ponto de partida para a sua realização foi dado pelo Chega. Durante o fim de semana, André Ventura, pediu às forças de segurança que se “mobilizem e compareçam no Parlamento”. Já esta quarta-feira, o líder do Chega reforçou esse apelo e carregou na dramatização: depois de seis meses de contestação — sobretudo até à véspera das eleições legislativas —, o protesto, agora, é “mais importante que nunca” e exige “uma mobilização maior do que nunca”. “Vai ser a prova dos nove sobre quem está ou não ao lado das forças de segurança”, defendeu Ventura.
Quem vai participar na concentração?
A concentração começou a ser definida nos últimos dias e, para já, a maioria dos sindicatos prefere não comentar o que vai acontecer esta quinta-feira e afasta-se do protesto. No entanto, há três sindicatos que já disseram que estarão presentes: o Sindicato Independentes dos Agentes de Polícia (SIAP), a Organização Sindical dos Polícias (OSP/PSP) e o Sindicato Vertical das Carreiras de Polícia.
Aliás, ao Observador, Rui Neves, vice-presidente do SIAP, adiantou que foi feita uma comunicação prévia à Câmara Municipal de Lisboa, “para evitar o que aconteceu quando foi o debate do atual primeiro-ministro e o candidato do PS, em que houve uma deslocação espontânea de elementos que não foi devidamente comunicada dentro do que está definido da lei”. Contactada pelo Observador, a autarquia confirmou que “a Polícia Municipal de Lisboa rececionou a comunicação de um sindicato da PSP para realização de uma manifestação no dia 4 de julho, junto à Assembleia da República”.
Além destes três sindicatos, há ainda os movimentos inorgânicos, incluindo o Movimento Zero e o Movimento INOP, que têm apelado, através das redes sociais, à mobilização dos agentes da PSP e dos militares da GNR. “O Movimento Zero apela a cada um de vós para que estejam presentes em frente à Assembleia da República. É uma oportunidade única para fazer ouvir a nossa voz, para exigir respeito e melhores condições de trabalho. A nossa mobilização pode fazer a diferença”, escreveu este movimento no Facebook.
Como estão a organizar-se?
Tanto os sindicatos, como o Movimento Zero, têm utilizado as redes sociais para apelar à mobilização. Do lado do Movimento Zero, são pouco conhecidas as formas de organização e como pretendem os seus membros chegar a Lisboa esta quinta-feira.
Já o SIAP — maior sindicato dos três confirmados para a concentração — tentou organizar autocarros, mas admite que não teve a adesão esperada. “Verificámos que agora há alguma procura, mas nós, infelizmente, já não temos solução. Não há nenhum autocarro organizado pelo SIAP para ir para Lisboa“, acrescentou Rui Neves.
Há reforço de segurança?
Ao Observador, a direção nacional da PSP confirmou que o dispositivo policial na zona da Assembleia da República será reforçado esta quinta-feira, ainda que não tenham sido dados detalhes sobre o número de agentes mobilizados. “A PSP monta os dispositivos de segurança para todas as manifestações comunicadas legalmente, de acordo com a avaliação do risco efetuada para cada situação”, acrescentou a direção nacional da PSP.
O que vai acontecer dentro do Parlamento?
Durante o plenário desta quinta-feira serão discutidos vários projetos de lei. Um deles é do Chega, que quer que os agentes da PSP e os militares da GNR recebam o equivalente a 19,6% do ordenado do diretor nacional da PSP e do comandante-geral da GNR. Tendo em conta que o valor é fixado pela tabela remuneratória única e pela posição 86 — que corresponde a 5.216,22€ brutos mensais —, o valor do suplemento seria de 1022 euros.
Já o PCP propõe um aumento faseado: fixar o suplemento em 200 euros este ano, aumentar para 300 euros em janeiro de 2025 e saltar para os 450 euros em janeiro de 2026. E o PAN propõe um suplemento de risco dividido por três categorias — à semelhança das primeiras duas propostas do Governo: 10% para oficiais, 12% para chefes e sargentos e 15% para agentes e guardas.
O que disse o primeiro-ministro sobre os suplementos?
Luís Montenegro já falou sobre o assunto várias vezes — antes e depois de ser eleito primeiro-ministro. Logo em janeiro, ainda a campanha para as eleições legislativas não tinha começado e os agentes da PSP e os militares da GNR estavam em protestos, Montenegro disse, em declarações aos jornalistas, que queria resolver a questão “num futuro próximo”.
Pouco menos de um mês depois, a 2 de fevereiro, Montenegro falava outra vez para os polícias, dizendo que queria iniciar “de imediato”, assim que fosse eleito, “um processo negocial com as forças representativas dos polícias e dos guardas da GNR com vista a aferir qual é a possibilidade que teremos de quantificar a reparação da desigualdade que foi criada”.
Entretanto, Luís Montenegro foi eleito, o processo negocial começou, mas sindicatos e Ministério da Administração Interna ainda não se entenderam. E o primeiro-ministro voltou a falar sobre o assunto esta semana. Os sindicatos não gostaram do que ouviram. No encerramento das jornadas parlamentares do PSD, esta terça-feira, Montenegro deixou bem claro que o Governo não vai pôr “nem mais um cêntimo” na proposta apresentada aos vários sindicatos.
“O Governo fez com a PSP e a GNR um esforço máximo, grande, e que nenhum Governo fez até aqui”, disse Montenegro, acrescentando estar disponível para “acertos no acordo, mas não nos valores” e que o Governo fez “um esforço que foi medonho”.
Pouco tempo depois, a ministra da Administração Interna optou por um tom conciliador, sublinhou a “boa fé” de todos os envolvidos na discussão e deixou a porta aberta a que ainda seja possível alcançar um entendimento. “Estamos todos de boa-fé e penso que quer os sindicatos, quer as associações têm um comportamento e uma atitude que tem sido de procurar, com o Governo, o melhor acordo possível. Este posicionamento é uma postura que merece todo o nosso respeito e o Governo está disponível para discutir até ao final este acordo”, disse Margarida Blasco.
Só que, nesse momento, as palavras de Montenegro já tinham deixado marca. Ao final da tarde desta quarta-feira, em declarações à Rádio Observador, o porta-voz da plataforma de sindicatos da PSP e GNR falava numa ministra “amarrada” pela posição assumida por Montenegro. E num caminho mais estreito para se chegar ao entendimento. “Neste momento não há condições sequer para ter a reunião agendada com o ministério. O sr. primeiro-ministro retirou-lhe toda e qualquer utilidade. Eu diria, da nossa parte, nem menos um cêntimo”, defendia Bruno Pereira.
Mas isso significa que as negociações já terminaram?
Ainda não. Há mais uma reunião com os vários sindicatos marcada para o dia 9 de julho. Mas o formato será diferente. Até aqui, Margarida Blasco, ministra da Administração Interna, recebia primeiro todos os sindicatos representantes da PSP e depois os da GNR, que faziam parte da mesma plataforma. Agora, há sindicatos que serão recebidos individualmente, uma vez que decidiram avançar com uma proposta individual, diferente daquela que foi enviada pela plataforma dos sindicatos da PSP e da GNR.
Que propostas já foram apresentadas?
As negociações para aumentar o suplemento de risco da PSP e da GNR começaram em maio. Até agora, foram apresentadas pelo Governo cinco propostas aos sindicatos. Todas foram recusadas.
As duas primeiras propostas tinham como ponto de partida um suplemento dividido apenas por três categorias e o valor era calculado de acordo com o salário do diretor nacional da PSP e do comandante-geral da GNR, que corresponde a 5.216,22€. Assim, o Governo apresentou primeiro uma proposta de 7% e depois de 10% para guardas e agentes; de 9% e depois de 12% para sargentos e chefes; e de 10% e depois de 14% para oficiais. Olhando apenas para a segunda proposta, cujo aumento foi de 156 euros para todas as categorias, o valor seria de 521€ para guardas e agentes, 625€ para sargentos e chefes e 730€ para oficiais.
Os sindicatos não aceitaram e, numa contra-proposta enviada à tutela, colocaram a hipótese de manter um suplemento com uma componente fixa (que atualmente é de 100 euros) e uma componente variável (que atualmente é de 20% em relação ao salário de cada um dos profissionais) um aumento faseado, tal como aconteceu na recuperação do tempo de serviço dos professores: 300 euros este ano e 100 até 2026. Numa terceira reunião, o Ministério da Administração Interna aceitou parte do modelo, mas não acompanhou os valores. Margarida Blasco propôs aumentar a componente fixa do suplemento de risco, em todas as categorias, em 180 euros, passando assim dos 100 para os 280 euros, mantendo a componente variável nos 20%. E voltou a não existir acordo.
Governo e sindicatos estiveram reunidos num quarto encontro — o último –, em que foram apresentadas duas propostas pela tutela, mas nenhuma foi aceite pelas estruturas sindicais.
Primeiro, Margarida Blasco propôs aumentar a componente fixa do suplemento em 190 euros e deixar um aumento de 40 euros para o próximo ano. Ou seja, com esta primeira proposta do Governo, a PSP e a GNR ficariam com um suplemento de 290 euros já este ano — os atuais 100 euros mais 190 euros de aumento — e com a componente variável já existente de 20% calculada a partir do salário de cada trabalhador. No próximo ano, a componente fixa do suplemento subiria então para os 330 euros.
Depois, ainda na mesma reunião, o ministério sugeriu um aumento de 200 euros na componente fixa do suplemento já este ano e mais dois aumentos de 50 euros nos próximos dois anos. Ou seja, no total, estava em cima da mesa um aumento de 300 euros em relação ao valor que as forças de segurança atualmente recebem.