A 75 quilómetros a norte de Berlim, Templin é uma cidade pacata, rodeada por uma enorme vegetação, que combina com os edifícios de tom cinzento, remanescente da República Democrática da Alemanha (RDA) sob controlo da União Soviética. Uma tranquilidade que faz com que Templin ainda hoje seja refúgio para a chanceler alemã, Angela Merkel, que cresceu nesta localidade de cerca de 16 mil habitantes, com os quais mantém pouca ou nenhuma ligação. Mesmo assim, é habitual ver a mulher que governou a Alemanha (e, de certa forma, a Europa) passear por aqui.

Comerciantes na Marktplatz

A última visita terá sido há cerca de uma semana. Na Marktplatz, a praça central da cidade, onde há várias bancas de venda de fruta e legumes, um homem que ali vive, na casa dos 40 anos, que não quis ser identificado, contou ao Observador que no último domingo viu Angela Merkel a entrar na Igreja Maria Madalena, a 500 metros daquele local. Perto da chanceler e do marido — o professor de Física e Química Joachim Sauer, da Universidade Humboldt de Berlim — o morador viu também um “carro preto, de vidros pretos, provavelmente seguranças”, embora não seja habitual ver um grande aparato de segurança quando a chanceler visita a terra onde passou a sua infância.

“É uma pessoa discreta”, continua, frisando que “é normal ver Merkel por aqui, embora ela não tenha ligação com os habitantes locais” — o casal resguarda-se nas visitas a Templin, não abdicando, contudo, das idas à igreja, não tivesse a religião assumido sempre um papel importante na vida de Angela Dorothea, sobretudo quando se mudou para Templin em 1957, numa altura em que o regime soviético via com maus olhos o culto religioso, o que tornava a vida dos crentes mais dura.

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Desde a infância que a religião é importante na vida de Angela Merkel. Nos dias de hoje, a chanceler continua a visitar regularmente a Igreja Maria Madalena

Nascida em Hamburgo, na então República Federal da Alemanha, em 1954, Angela Merkel mudou-se com os pais para a pacata cidade da República Democrática da Alemanha três anos depois. O seu pai, o pastor luterano Horst Kasner, passou a gerir um seminário, enquanto a mãe, Herlind Kasner, deu aulas de inglês. Já a pequena Angela prosseguiu os estudos na Erweiterte Oberschule até 1973, quando concluiu o secundário e se mudou para Leipzig, para estudar Física e Química.

A Erweiterte Oberschule passou, entretanto, por um processo de reconstrução, tendo nascido naquele local junto ao Bürgergarten (um dos parques da cidade) uma nova escola: a Aktive Naturschule, praticamente vazia ao final da manhã desta sexta-feira.

Merkel estudou na Erweiterte Oberschule (hoje reconstruída e batizada de Aktive Naturschule), escola primária e secundária, entre 1957 e 1973

“Esta escola não tem agora qualquer ligação com Angela Merkel”, começa por responder Christina Amarell, secretária da direção da Aktive Naturschule quando questionada pelo Observador sobre detalhes da passagem da chanceler alemã pela antiga escola. A maior proximidade de que se lembra, acrescenta, Amarell foi quando, há alguns anos, os alunos escreveram uma carta à chanceler, que respondeu num tom “formal”. Sobre o conteúdo da carta não mostrou à-vontade para falar em pormenor, reflexo das reservas que existem em falar sobre Merkel na cidade.

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A fotografia no restaurante e as visitas ao supermercado

Talvez seja precisamente por Templin ser um local pacato, onde os residentes parecem dar pouca importância à passagem daquela que é considera uma das mais (se não a mais) poderosas mulheres do mundo, que Angela Merkel continua a ser presença habitual, hospedando-se na sua casa de férias na ainda mais pacata Hohenwalde, a cerca de 20 quilómetros.

Além das visitas à Igreja Maria Madalena, também é habitual ver Angela Merkel às compras em Templin e até a jantar em restaurantes locais, embora tal seja menos comum. E, por não ser todos os dias que se recebe uma visita da chanceler, quando Merkel foi jantar ao Villa Toscana, algures em 2019, os funcionários do restaurante italiano decidiram guardar o momento para a posteridade, pedindo-lhe uma fotografia. “Foi muito simpática connosco, aceitou tirar a fotografia, comeu e foi embora”, recorda uma das funcionárias ao Observador, pouco dada a conversas. A fotografia está, desde então, exposta à entrada da cozinha.

Fotografia dos funcionários do Villa Toscana com Merkel está exposta à entrada da cozinha do restaurante

Mais frequente é, conforme relatam os habitantes locais, ver Merkel às compras por aqueles lados, sendo um dos locais de eleição da chanceler, o supermercado Edeka S. Krüger, a cerca de dez minutos a pé da igreja.

M. Wendorf, funcionária do talho, conta ao Observador que já atendeu Angela Merkel e que é habitual ela deslocar-se àquele supermercado, acompanhada por seguranças, que se mantêm sempre a uma certa distância — deixando a chanceler à vontade. “Reservada mas simpática”, é como Wendorf insiste em descrever Angela Merkel, acrescentando, porém, que as visitas da chanceler a Templin diminuíram desde que a mãe morreu em 2019.

M. Wendorf, funcionária do talho do Edeka S. Krüger, descreve Merkel como uma pessoa “reservada mas simpática”

Antes de morrer, em abril desse ano, Herlind Kasner ainda viu, dois meses antes, a sua filha ser distinguida como cidadã honorária de Templin. E, mais recentemente, para celebrar os 750 anos da cidade, há cerca de duas semanas, a chanceler alemã foi convidada a plantar uma árvore no Bürgergarten, na companhia do presidente da Câmara Detlef Tabbert — curiosamente, membro do Die Linke, um partido de esquerda radical, nos antípodas políticos de Angela Merkel.

“Apesar de toda a vigilância do Estado e da falta de liberdade que tínhamos, tenho muitas boas lembranças da minha infância e juventude aqui em Templin”, recordou, na altura, Angela Merkel, citada pela AFP. “É daqui que venho, e é aqui que estão e sempre estarão as minhas raízes.”

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A vida pacata no apartamento em Am Kupfergraben, em Berlim

Se Templin é o refúgio da azáfama de chefiar o país com a maior economia da Europa, durante a semana é na Am Kupfergraben, no distrito de Dorotheenstadt, em Berlim, que a chanceler fica. O apartamento, junto ao rio Spree e à chamada ilha dos museus (há cinco museus naquela zona — o Altes Museum, o Neus Museum, o Alte Nationalgalerie,o Bode-Museum e o Pergamonmuseum), chama a atenção de quem passa, devido ao carro da polícia estacionado junto ao passeio e aos dois agentes parados à porta do n.º6. E alguns turistas, de passagem, não resistem a tirar uma fotografia à campainha, ficando no nome “Prof. Dr. Sauer”.

Em comum com Templin, a Am Kupfergraben tem o facto de os vizinhos serem pouco dados a conversas sobre os detalhes da vida da chanceler. Mesmo tocando a várias campainhas, não só naquela rua, como nas paralelas, praticamente ninguém responde às perguntas sobre os detalhes da vida de Merkel “no bairro”. E quando atendem, nunca falam muito. “Valorizamos muito a privacidade aqui”, responde, às tantas, uma das vizinhas, que saiu à rua para passear o cão.

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Reservada e pouco dada a frequentar o comércio local por ali, nem na Antiquariat Im Hufelandhaus foi alguma vez vista — segundo conta um dos funcionários. Trata-se de um alfarrabista dedicado às áreas de Química e Física (a área em que se formou). Quem passa habitualmente por aquelas ruas diz, no entanto, que por vezes Merkel vai ao supermercado mais próximo.

É uma pessoa com uma vida normal. E gostamos muito dela”, garante um dos vizinhos, de 70 anos, admitindo que Angela Merkel, que vai deixar o poder 16 anos depois de ter sido nomeada chanceler pela primeira vez, vai deixar saudades. No próximo domingo, a Alemanha dá um passo rumo ao desconhecido para entrar numa nova fase, e aí Angela Merkel talvez comece a ter mais disponibilidade para procurar livros no comércio local ou, quem sabe, passar mais tempo em Templin.

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