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Há quase uma semana que a vigília silenciosa se mantém à frente da Assembleia da República, tendo sexta-feira sido a noite com maior concentração
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Há quase uma semana que a vigília silenciosa se mantém à frente da Assembleia da República, tendo sexta-feira sido a noite com maior concentração

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Há quase uma semana que a vigília silenciosa se mantém à frente da Assembleia da República, tendo sexta-feira sido a noite com maior concentração

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Trouxeram tendas, cadeiras de campismo e um sentimento comum de insatisfação. Na AR, os polícias notaram uma ausência: o "selfies"

Carneiro tem sido o mais criticado por "tratamento discriminatório" face à PJ, mas na sexta-feira foi Marcelo o visado, por ainda não ter ido falar com o "herói" do protesto.

A jovem agente da PSP acaba de chegar à zona ao fundo da escadaria da Assembleia da República. E vem preparada. Às costas traz uma mochila com mantimentos, na mão uma cadeira de campismo ainda por abrir. São 20h de sexta-feira, dia para que muitos daqueles que têm participado no protesto por melhores salários e condições de trabalho na polícia tinham vindo a pedir uma forte mobilização. Era a oportunidade de mostrar união e tenacidade. Mas, àquela hora, olhando à volta, o resultado desse apelo repetido com insistência nos últimos dias parece condenado ao fracasso. “A noite de hoje promete”, atira, convicta, Patrícia [nome fictício], ainda de mochila às costas.

Há quase uma semana que Pedro Costa saiu de casa com o seu casaco mais quente, disposto a passar noites ao relento num protesto contra as “desigualdades” e as “condições de trabalho” na PSP. Ao longo das horas e dos dias seguintes, o protesto que lançou de forma espontânea foi conquistando adeptos entre os “camaradas” de profissão, que se foram juntaram ao agente da PSP em frente ao Palácio de São Bento. Alguns apareciam em frente à Assembleia, ficavam algumas horas, trocavam algumas palavras e seguiam caminho. Mas o apelo para esta sexta-feira era diferente. E, ao início da noite, começaram a aparecer, um após o outro, elementos das forças de segurança munidos de sacos de cama. Vinham, como Patrícia, para passar a noite.

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A agente nortenha, que “escolheu” dizer um “até já” à família e ir para Lisboa para cumprir o sonho de ser polícia, trazia o ânimo debaixo do cachecol e do casaco polar. “Estive cá todos os dias, mas hoje decidi pernoitar. Acho que a noite vai ser diferente e mais movimentada“, revela.

A suspeita não tardou a confirmar-se. As poucas dezenas de pessoas rapidamente se transformaram em centenas, que se fizeram ouvir na altura de entoar o hino nacional, por volta das 22h45. Pouco depois, passam por ali carrinhas da Unidade Especial de Polícia. A reação é instantânea: aplausos sonoros. Afinal, estão todos do mesmo lado e unidos num apoio inquestionável a Pedro Costa, o “herói” de um movimento que, em alguns pontos do país, levou à paralisação total de divisões da PSP, apenas por fazerem cumprir as regras de segurança dos carros ao serviço da polícia. Se um pisca não funciona, se os pneus estão carecas, se há risco para os elementos da patrulha, o carro é dado como “INOP” (ou “inoperacional”, expressão que serviu para cunhar o protesto). E, por isso, não sai à rua.

"Estava a receber mais se estivesse numa caixa de supermercado na minha terra. E via a minha família todos os dias."
Agente da PSP

Patrícia voltou a juntar-se ao protesto esta sexta-feira. Mas não veio sozinha e trouxe uma colega, também ela munida da cadeira de campismo, que instalam junto ao gradeamento da Assembleia da República, que, por aquela altura, já estava ocupado com alguns sacos de mantimentos. “Não se vai para esta profissão para ganhar muito dinheiro, nem para ter uma boa qualidade de vida. Vai-se para ajudar os outros”, confessa Patrícia ao Observador.

“Quando vim para Lisboa, vivia para trabalhar. Tinha de fazer gratificados”

Passados seis anos de entrar na PSP, a agente não se arrepende de ter deixado a sua terra para se tornar polícia. A situação em que vive, contudo, tem tornado a maratona mais difícil. “Além de viver numa casa partilhada com três homens, o meu salário mal dá para pagar todas as despesas. Quando decidi vir para Lisboa, tive mesmo de pedir dinheiro aos meus pais, porque não tinha forma de pagar as mil cauções e contas que tinha.”

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“Estava a receber mais se estivesse numa caixa de supermercado na minha terra. E via a minha família todos os dias”, aponta. “Mas o facto de gostar tanto do que faço levou-me a definir prioridades.

Ao lado, a colega de Patrícia vai ouvindo e acenando constantemente com a cabeça. Também sabe o que significa fazer sacrifícios para fazer parte daquela família. “Quando vim para Lisboa, o dinheiro mal chegava para viver. Lá está, vivia para trabalhar. Não trabalhava para viver“, conta Inês (nome fictício) ao Observador. “Acabei por conseguir voltar para a minha terra, Santarém, mas agora tenho de ir e vir do trabalho todos os dias.”

Mesmo com a chuva, diversos membros das forças de segurança decidiram ficar a pernoitar junto ao gradeamento

As horas passadas em transportes, para se deslocar entre casa e a esquadra, quando está de serviço, repetem-se mesmo nos dias de folga. “Tive de começar a fazer gratificados para ganhar alguma qualidade de vida. Aliás, só estou aqui hoje porque amanhã não tenho nenhum gratificado“, garante.

Os gratificados têm sido um dos pontos de maior tensão entre aqueles que aderiram ao protesto lançado por Pedro Costa. A meio da semana, quando estavam por disputar três jogos importantes da Taça de Portugal, houve um forte apelo a que os elementos da PSP que iam fazer serviço gratificado (além do horário de trabalho) nos estádios simplesmente não comparecessem. Boicote aos jogos da Taça, era essa a ideia, uma forma de multiplicar o impacto do protesto em termos mediáticos. A ideia falhou, os agentes apareceram, pelo menos em número suficiente para que as partidas pudessem realizar-se.

Entre as duas amigas, tal como no grupo alargado de membros do grupo Telegram onde o protesto tem sido dinamizado, há visões diferentes sobre o tema. “Sou contra os gratificados. Acho que são o cancro da polícia”, argumenta Patrícia. Para explicar a sua posição, afirma que o problema não está no facto de os colegas precisarem de fazer serviços externos, pagos por empresas privadas, mas sim pelo estado em que ficam no final do dia. “Não faço gratificados, porque quero preservar a minha saúde mental. Porque há agentes que chegam a trabalhar 20 horas por dia à porta de supermercados ou em jogos de futebol.” Ainda ao lado, Patrícia vai acenando. Pelo menos naquele ponto estão de acordo.

As duas agentes podem ter poucos anos de profissão, mas já têm as dores de muitos dos que lá estão há décadas. Ligeiramente afastado da grande concentração que se criava à frente do gradeamento, Ricardo, um agente da PSP que também veio ali em protesto, analisa atentamente a vigília e os outros colegas — à civil — à sua volta, que conversam e riem com histórias ocorridas durante o turno. Para lhe fazer companhia, trouxe aquele que sempre foi o seu apoio.

"Na altura em que me tornei polícia, vim receber dois ordenados mínimos. Agora, um agente da PSP ganha pouco mais de 900 euros."
Agente da PSP

“Além de me apoiar, a minha mãe é quem mais tem noção da realidade por que passo. Compreende muito bem a minha causa e sabe bem as dificuldades que enfrento no dia a dia”, conta ao Observador.

Ao longo dos últimos 25 anos, a mãe do agente — que decidiu também abandonar a terra para concretizar o seu sonho — tem ouvido todo o tipo de queixas. No entanto, estas aumentaram exponencialmente nos tempos mais recentes, sendo as maiores causas os baixos vencimentos e as fracas condições de trabalho.

Quando concorri ao concurso para me tornar PSP, éramos 17 mil para mil vagas. Neste momento, abrem concursos para o mesmo número de vagas, mas não são preenchidas”, chama a atenção.

Esta questão tinha sido também levantada por Pedro Costa, na carta aberta que começou a desenvolver em dezembro e que enviou à PSP, GNR e Guarda Prisional dias antes de sair porta fora em direção ao Palácio de São Bento.

“Na altura em que me tornei polícia, vim receber dois ordenados mínimos. Agora, um agente da PSP ganha pouco mais de 900 euros”, diz. Como tal, e com uma filha por criar, o agente também se viu obrigado a recorrer aos “gratificados”. No entanto, tem uma preocupação, que talvez ainda não passe pela cabeça dos mais novos.

“Apesar de passar recibo pelos trabalhos por fora que faço, e de o Estado me descontar uma parcela, não tira outra que não me importava nada que tirasse. A destinada à minha reforma”, lembra. Para o agente, apesar de os “gratificados” darem algum conforto ao final do mês, não transmitem qualquer segurança para o futuro. “Uma coisa era trabalhar mais horas, que me saem do corpo, para garantir que amanhã a minha reforma é digna. Mas não, a minha reforma vai ser com base no meu ordenado. No meu ordenado medíocre.”

Os “salários low cost” têm sido uma das maiores críticas das forças de segurança ao Governo, especialmente depois de este ter aprovado um suplemento de missão aos inspetores da Polícia Judiciária (PJ) — que, em alguns casos, pode representar um aumento de quase 700 euros por mês.

“Somos os primeiros a chegar, quando a PJ ainda está atrás da secretária”

No entanto, tanto este como muitos outros agentes presentes reforçam que não estão contra os inspetores da PJ. Mas sim contra a forma injusta como são tratados pelos políticos que os governam.

Na noite de quinta-feira, já vários se tinham juntado a Pedro Costa a dormir em frente à Assembleia da República

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“Nós somos os primeiros a chegar, enquanto a PJ ainda está atrás de uma secretária a fazer investigação”, argumenta outra agente. “Nessa altura, o risco deles comparado connosco é zero.”

Apesar de louvar o trabalho feito pelas forças judiciárias, a agente, que também trabalha no departamento de investigação criminal, aponta que devia haver um suplemento digno para os “primeiros que vão dar o peito às balas”. “Quando eles [inspetores] precisam de ir qualquer lado, não vão sem nós.”

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Neste momento, contudo, as críticas são direcionadas ao ainda ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, mas também a António Costa e ao Presidente da República — o “selfies“, como alguns por ali se referem a Marcelo, uma ausência notada entre os que se concentram frente à Assembleia.

“Falta o selfies. Tira fotografias com os de fora, mas esquece-se de proteger os de dentro”

Quando o nome de Carneiro é mencionado, são vários os membros das forças de segurança que reviram os olhos. Especialmente após as palavras proferidas pelo ministro naquele mesmo dia, quando referiu que “o Governo está em gestão e não tem condições para assumir novos compromissos”. No entanto, quase uma semana depois de Pedro Costa ter dado a voz pelo protesto silencioso, é o nome (ou alcunha) do Presidente que é referido com maior desdém pelos presentes na vigília.

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“Não sei como é que ainda não apareceu cá. Nem ele, nem o primeiro-ministro. Nem que fosse para falar com o Pedro”, aponta um agente ao Observador, louvando em seguida a atitude do PSP que não teve “medo de ser expulso” quando decidiu manifestar-se.

“Falta o selfies. Tira fotografias com os de fora, mas esquece-se de proteger os de dentro”, diz outro. Esta crítica, no entanto, não é dirigida apenas ao Presidente, como também aos sindicatos, que, além de “serem demasiados”, não arranjam “soluções para os problemas” vividos pelos camaradas.

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“Temos um excesso de sindicatos, que ainda por cima não fazem o suficiente”, argumenta a agente que trabalha em investigação criminal, acrescentando que a este problema se soma o da desinformação.

"Enquanto que os outros [funcionários públicos] foram acompanhando a subida dos salários, a polícia nunca foi. O ordenado mínimo também foi aumentando. Nós, que estávamos a uma grande distância dele, agora estamos apenas uns míseros 17% acima."
Agente da PSP

“Os políticos mentem descaradamente sobre os salários e os suplementos. É uma coisa absurda”, relata. “Ainda no outro dia, um disse que o suplemento de risco da PSP é de 180 euros. É mentira. Eu posso mostrar o meu recibo de ordenado. Sou agente há quase 30 anos e recebo 100 euros de suplemento de risco.”

Tal como o confidenciado ao Observador, a PSP sente-se discriminada na forma como é tratada. Não apenas em relação à PJ, como aos restantes funcionários públicos.

“Enquanto que os outros foram acompanhando a subida de salários, a polícia nunca foi. O ordenado mínimo também foi aumentando. Nós, que estávamos a uma grande distância dele, agora estamos apenas uns míseros 17% acima”, revela, indo ao encontro aos documentos divulgados por Pedro Costa, juntamente com a carta aberta.

Os problemas são vários e as exigências ainda mais. No entanto, para já, as forças de segurança só querem que as ouçam. Querem ver os políticos a descer a escadaria da AR e a encarar os sacos de cama espalhados pelo chão. Querem ouvi-los a dizer que vai haver uma mudança e a incentivá-los a despir os casacos quentes e a voltar para casa. Querem continuar a correr por gosto, sem que as injustiças as cansem. E esses desejos são quase uma certeza para muitas.

“Acho que algo vai mudar. Tem de mudar”, diz um agente. “Já nada pode voltar ao mesmo. Não vamos desistir até que algo seja feito”, garante outra.

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