Enviada especial em Ipswich e Manchester, Inglaterra
O entusiasmo deu lugar ao silêncio. Antes do apito inicial em Portman Road, onde Ruben Amorim se estreou como treinador do Manchester United com um empate contra o Ipswich Town, reinava o entusiasmo entre os adeptos dos red devils: cantavam “Glory, glory, Man United”, gritavam por Amorim, troçavam da goleada do City no dia anterior. Depois do apito final em Portman Road, reinava o silêncio entre os adeptos dos red devils: caminharam calados até à estação de comboios, sem grandes conversas, e só mesmo alguns excessos abriam a porta a manifestações mais efusivas.
A caminhada entre Portman Road e a estação de comboios de Ipswich é curta – são cerca de cinco minutos ligeiramente a subir, através de uma das pontes que passa por cima do rio Orwell. Os adeptos do Ipswich que não vivem na cidade, assim como os adeptos do Manchester United que não tinham bilhete e que só fizeram a deslocação por desporto, apanharam os primeiros comboios logo depois do apito final. Os adeptos dos red devils que entraram em Portman Road, porém, só deixaram Ipswich perto das 20h.
O comboio das 19h49 rumo a Liverpool Street, em Londres, ainda obrigava a uma curta viagem de metro até Euston para trocar de comboio e rumar finalmente a Manchester. Ao todo, eram mais de quatro horas do tal silêncio ensurdecedor até toda a gente chegar a casa – ou não. Ainda na plataforma 2 da estação de Ipswich, onde o vermelho já dava lugar ao azul que tanto marca a cidade, ficou bem claro que ninguém pretendia passar as próximas quatro horas a marinar a tristeza do empate na estreia de Ruben Amorim.
Ainda na plataforma, nos últimos instantes antes de o comboio aparecer, foi preciso a intervenção policial para evitar desacatos entre adeptos do Manchester United, embalados pelo conteúdo das latas que os faziam esquecer o empate, e adeptos do Ipswich, também eles embalados pelo conteúdo das latas que os faziam celebrar o empate. E se uns polícias evitavam agressões entre quem cambaleava, outros formavam uma espécie de cordão de segurança à beira da linha para evitar que as cambalhotas terminassem nos carris.
Um cenário que não abona a favor de ninguém, é certo, mas que depressa mudou. Assim que o comboio começou a andar, com as carruagens a obedecerem à seleção natural das cores que dividia adeptos de um lado e de outro, o ambiente tornou-se mais leve. E Jack, Chris, Nick e Pete podiam finalmente dar alguma atenção a Alex, o amigo que conheceram em Copenhaga, quando o Manchester United foi perder à Dinamarca para a Liga dos Campeões em novembro do ano passado, e que agora reencontraram.
Jack, Chris, Nick e Pete são o típico grupo de amigos que percorre o país de comboio para ir atrás do Manchester United. Amigos desde a escola secundária, como contam ao Observador, não têm bem ideia de quando é que começaram a cumprir todas as deslocações – mas sabem que o treinador era José Mourinho, o que coloca a janela temporal num período bastante recente (e bastante sofrido) do clube. “Tenho a certeza absoluta de que vimos mais derrotas do que vitórias”, diz Jack, ainda que faça a ressalva de que nunca equacionaram deixar de ir.
Nenhum está desiludido com Ruben Amorim, mas todos concordam com a mesma ideia: ainda que respeitem o treinador português por ter implementado o próprio sistema tático na estreia na Premier League, acham que foram mudanças a mais com treinos a menos. “Ele teve uma semana de treinos e muitos dos jogadores nem estavam disponíveis, por causa das seleções. Não podia fazer isto tudo, jogar já com três defesas, mudar tanto. Era preciso mais tempo para a adaptação”, diz Nick, que é o primeiro a olhar para o telemóvel e a dizer que muitos comboios estão a ser cancelados devido ao mau tempo. Mas esse será um problema do futuro.
A paragem em Stratford, mesmo à entrada do centro de Londres, confirma que a primeira parte da viagem está quase concluída. Jack levanta-se e solta um sonoro “Glory, glory, Man United”, quase em tom de desabafo, e Pete pede que lhe liguem porque não encontra o telemóvel.
Where’s my phone, mate? Where’s my f****** phone?
Não há phone. O phone de Pete ficou em Ipswich, em conjunto com os dois pontos que o Manchester United desperdiçou. Mas o drama do telemóvel perdido – acompanhado por uma complexa chamada para a namorada, com a ajuda de um dos amigos – era apenas o prenúncio de tudo o que ainda podia correr mal. Depois de Liverpool Street e do metro, chegamos a Euston. A uma apagada Euston, diga-se.
Não há eletricidade numa das principais estações de Londres e todos os ecrãs estão a preto, totalmente apagados, sem qualquer indicação de horários, adiamentos ou cancelamentos. Centenas de pessoas amontoam-se na praça central, a pedir justificações a responsáveis assoberbados, e de 15 em 15 minutos solta-se a correria de uma multidão quando é anunciada a entrada em linha de um comboio atrasado. Entre a grupeta do Manchester United, teme-se o pior e conjugam-se soluções: quem é que tem amigos em Londres, será que há autocarros, quanto custa alugar um carro. Felizmente, não será preciso.
Cerca de dez minutos depois da hora inicialmente agendada, o speaker da estação anuncia a entrada em linha do comboio rumo a Manchester Piccadilly. Solta-se a mesma correria em direção à plataforma 3, numa altura em que já ninguém respeita os lugares marcados ou as carruagens respetivas. O que interessa é chegar a casa: sem amigos de Londres, sem autocarros e sem carros alugados. E sem telemóvel, infelizmente para Pete.
Seguiram-se mais duas horas até Manchester – e, agora sim, em silêncio, até porque a multidão já era mais heterogénea e ninguém iria tolerar um “Glory, glory, Man United” em dia de comboios cancelados. Afinal, não era só em Ipswich que tudo estava empatado.