“Vou pegar no telefone não importa onde Vladimir Putin esteja. Ele também me pode ligar, estou disponível a qualquer momento. Não vai haver problema nenhum a coordenar qualquer ataque.” Esta quarta-feira, no dia em que a Bielorrússia começou a receber armas nucleares russas, o Presidente do país, Alexander Lukashenko, revelava, numa entrevista ao canal público controlado pelo Kremlin, o acordo para utilizar aquele tipo de armamento. Num tom ameaçador, o Chefe de Estado frisou que ia ter na sua posse “mísseis e bombas da Rússia” que podem causar um efeito “três vezes pior” do que aconteceu em Hiroshima. E até arriscou uma estimativa, caso ligue para o homólogo russo para que este lhe dê autorização para carregar no botão: um milhão de mortos.
“Deus nos livre de utilizar estas armas”, sublinhou logo a seguir Alexander Lukashenko, que garantiu que não quer “começar uma guerra com os Estados Unidos da América”. Mas o Presidente bielorrusso insistiu na ideia de que é um “alvo” para o Ocidente, lembrando o que ocorreu em 2020, na sequência das eleições bielorrussas e das manifestações nas ruas que fizeram tremer o regime de Minsk. “Eles queriam desfazer-nos”, lamentou o Chefe de Estado, que mandou uma farpa para aqueles que consideram ser os seus adversários: “Ninguém se atreve a declarar uma guerra a um país que tem armas nucleares.”
O processo de envio de armas nucleares russas à Bielorrússia já começou, prevendo-se que esteja concluído no início de julho. A partir dessa altura, Alexander Lukashenko vai contar com o sistema móvel de mísseis com capacidade nuclear Iskander, fincado ao mesmo tempo concluída a readaptação nuclear dos bombardeiros Su-25, equipamentos que têm um alcance de ataque de 500 quilómetros. Ainda não foi divulgado o número de ogivas nucleares que Minsk passará a deter (Vladimir Putin apenas confirmou, esta sexta-feira, que elas já estão no país vizinho), nem onde serão guardadas.
A Rússia confiou armas nucleares táticas, à Bielorrúsia, um país que partilha fronteira com países da NATO e da União Europeia (UE) como a Polónia ou a Lituânia. A decisão representa um inevitável aumento da tensão na Europa, num momento em que a Ucrânia já começou a sua contraofensiva, na tentativa de fazer recuar as linhas russas em território ucraniano. Defendendo que a decisão de acolher armas nucleares partiu de si — rejeitando a ideia de ser uma imposição russa —, Alexander Lukashneko assegurou que não “hesitará” usá-las, se sentir que o país é ameaçado por um exército estrangeiro. Para isso, no entanto, será sempre necessário o aval russo.
Mesmo que o Presidente da Bielorrússia tenha salientando que foi ele quem “convenceu” o seu homólogo russo a enviar armas nucleares, os especialistas consultados pelo Observador duvidam de que essa versão retrata fielmente os acontecimentos mais recentes. “Na realidade, é muito provável que a Rússia mantenha um controlo muito apertado não apenas no uso das armas nucleares, como também onde elas são colocadas”, afirma, em declarações ao Observador, J. Andrés Gannon, analista nuclear no think tank Council on Foreign Gannon acredita que, caso haja algum problema com o armamento, a “NATO vai comunicar com Vladimir Putin, mesmo que as armas estejam na Bielorrússia”.
Aliás, na assinatura do acordo que formalizava a transferência das armas nucleares, no final de maio, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, garantiu que a Rússia “não enviava armas nucleares para a República da Bielorrússia: controla-as e a decisão de usá-las permanece exclusivamente do lado russo”. Assim, para J. Andrés Gannon, é claro que há uma “vontade” para “escalar” o braço de ferro que as próprias autoridades russas admitem disputar com os países ocidentais. O próprio líder russo admitiu que os dois países estavam “a resistir ao Ocidente coletivo”, que “desencadeou uma guerra não declarada” contra Minsk e Moscovo.
Com mais um país na Europa a possuir armas nucleares no seu território, a arquitetura de segurança do continente ganha um novo foco de tensão. Adicionalmente, a Bielorrússia torna-se cada vez mais dependente da Rússia — e esta movimentação complicará ainda mais o possível fim do regime de Alexander Lukashenko, que governa o país há quase 30 anos. Mas entrelaça, de forma mais profunda, os destinos de Minsk e Moscovo. “É mais um esforço para o Presidente russo engolir a Bielorrússia”, diz, ao Observador, Pavel Slunkin, analista do European Council on Foreign Relations e licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Estatal Bielorrussa.
Quais são as armas nucleares e quem as vai controlar?
A território bielorrusso chegarão, previsivelmente a 8 de julho, os mísseis Iskander e os bombardeiros Su-25 com capacidade nuclear, que podem atingir alvos a um raio de 500 quilómetros de distância. Em teoria, pode haver um ataque nuclear aos países vizinhos de Minsk, como a Ucrânia, a Polónia, a Lituânia, a Letónia, eventualmente até a Estónia. À exceção do caso ucraniano, os quatro países em questão são membros quer da União Europeia, quer da NATO.
Nos últimos meses, Alexander Lukashenko tem alegado que existem planos, principalmente por parte da Lituânia e da Polónia, para invadir a Bielorrússia. “Começaram a mover-se na nossa direção”, alegou o Presidente numa reunião com o ministro russo Sergei Shoigu em maio, salientando que o apoio de Moscovo é uma “grande ajuda” para fazer face a esse eventual cenário. Já nos meses iniciais do conflito, o secretário de Estado do Conselho de Segurança da Bielorrússia, Alexander Volfovich, também admitia esse cenário — e incluía a Letónia nos países que assinalava como uma ameaça.
“Eu não quero que ninguém nos ataque”, justificou Alexander Lukashenko aos jornalistas, após receber as primeiras armas nucleares em território bielorrusso esta semana. Na sua ótica, este armamento impede que outros países se atrevam a atacar a Bielorrússia. Sobre o facto de serem apenas serem armas táticas — e não estratégicas (que têm um alcance e potência maiores) —, Lukashenko disse que as armas entregues por Moscovo “bastavam” para impedir uma invasão de um possível adversário.
Ainda assim, Alexander Lukashenko deixou a porta aberta para receber armas nucleares estratégicas, sublinhando que o país está a preparar “locais específicos” para as colocar. Se houver “necessidade”, o Presidente bielorrusso fez saber que não se vai coibir de pedir aquele armamento à Rússia. Aliás, esse foi mesmo um dos pontos discutidos com Moscovo. “Uma das minhas propostas iniciais à Rússia era a de que fossem colocadas ogivas nucleares nos sistemas de lança-foguetes múltiplos Polonez. Eles disseram-nos que era demasiado complicado e sugeriram dar-nos armas táticas”, contou.
Para uma eventual utilização das armas nucleares, não há detalhes sobre qual será o procedimento a adotar. “Ainda não é claro se a Bielorrússia vai ter algum controlo sobre as novas armas nucleares”, ressalva J. Andrés Gannon, assinalando, no entanto, que Alexander Lukashenko terá antes de “consultar” o seu homólogo russo.
Por sua vez, Pavel Slunkin de duvida que o Presidente da Bielorrússia tenha uma palavra a dizer quanto ao uso efetivo das armas nucleares, cabendo exclusivamente a Vladimir Putin essa decisão. “Aliás, eu nem sei se Lukashenko queria ter armas nucleares em primeira instância. Não sei se ele tem uma palavra a dizer, ou se o Presidente russo vai ouvir uma palavra dele”, clarifica o especialista bielorrusso, que sinaliza que, se o Chefe de Estado russo quisesse armas nucleares no país vizinho, alcançava o seu objetivo, “independentemente do que o Lukashenko quisesse”.
Recordando o que aconteceu no final de junho de 2022, quando foi anunciado que a Rússia enviaria armas nucleares para o país, Pavel Slunkin aponta para um possível encenação. Nessa altura, Alexander Lukashenko chegou a implorar ao homólogo russo para que este estacionasse armamento daquele tipo no país. “Nós estamos muito preocupados com os testes dos EUA e da NATO. Por isso é que pedimos uma resposta de retaliação a essas coisas. Sem exagerar. Peço-lhe uma resposta na mesma moeda [aos Estados Unidos]. Por favor, ajude-nos a pelo menos ajustar os nossos meios aéreos para carregar ogivas nucleares”, declarou na altura o Chefe de Estado da Bielorrússia.
De Minsk e de Moscovo também surgem versões distintas sobre o controlo das armas nucleares. A Rússia insiste que será o país a controlar as armas nucleares. A 25 de março, Vladimir Putin comparou esta movimentação com as armas nucleares colocadas na Europa — nos Países Baixos, Bélgica ou Turquia, ao abrigo da NATO. “Não há nada inédito: os EUA fazem isso há décadas. Eles têm suas armas nucleares táticas posicionadas há muito tempo em território dos seus aliados. Nós decidimos fazer o mesmo”, sublinhou, destacando de igual modo que queria proteger os “amigos” bielorrussos.
Apesar de o ministro da Defesa russo também assegurar que se trata de uma decisão apenas tomada pela Rússia, o Chefe de Estado bielorrusso tem puxado os galões para si. “Primeiro, perguntei a Putin [sobre a possibilidade de acolher armas nucleares], depois insisti de forma amigável”, alegou Alexander Lukashenko, que, na entrevista ao canal estatal russo, chegou mesmo a dizer que “praticamente exigiu” ao homólogo russo que este estacionasse armas nucleares no país.
O que ganha a Rússia?
Independentemente de quem teve a última palavra sobre o envio de armas nucleares para a Bielorrússia, esta é uma prova de que a tentativa do Kremlin de alimentar as preocupações do Ocidente com aquele tipo de armamento prossegue. Logo no discurso do início da invasão, em fevereiro de 2022, Vladimir Putin tinha feito uma referência às capacidades nucleares russas — e que elas poderiam ser utilizadas, caso a Rússia se sentisse ameaçada por uma potência estrangeira.
“Nas fases iniciais do conflito, havia bastante apreensão no Ocidente de que a Rússia talvez pudesse usar armas nucleares. Ao longo dos meses, prestou-se cada vez menos atenção à questão, ao mesmo tempo que a Rússia se focava em aspetos convencionais da guerra — como em bombardeamentos ou a manutenção das suas forças no território ocupado”, explica J. Andrés Gannon.
Contudo, as circunstâncias alteraram-se este mês. Não só a Ucrânia começou uma contraofensiva que visa recuperar todo o território perdido para as tropas russas (incluindo a Crimeia, anexada em 2014 ao arrepio das críticas de uma grande parte da comunidade internacional), como também se aproxima uma cimeira da NATO, que ocorre precisamente num dos países que Alexander Lukashenko acusa de querer invadir a Bielorrússia e que também fica ao alcance das nucleares bielorrussas: a Lituânia. Estes dois eventos levam, de acordo com J. Andrés Gannon, a que Moscovo tenha decidido “relembrar o Ocidente” de que as “armas nucleares nunca deixaram de estar em cima da mesa”. “Ainda são importantes se a NATO decidir aumentar o seu compromisso de defesa na Ucrânia”, nota o especialista, aludindo a uma possível adesão de Kiev à aliança transatlântica.
É, portanto, mais um capítulo da retórica nuclear russa face às circunstâncias menos favoráveis, concorda Pavel Slunkin, acrescentando que o episódio serve essencialmente como uma advertência aos Estados-membros da NATO sobre as decisões que possam vir a ser tomadas na cimeira em Vilnius, na primeira semana de julho. “É uma maneira de Putin escalar a situação, de maneira a mostrar alguma seriedade”, utilizando simplesmente a Bielorrússia como um “instrumento” para intimidar o Ocidente.
Esta manobra de intimidação, acredita Pavel Slunkin, tem igualmente a ver com as “falhas” no terreno — e com os desaires que Putin ainda possa vir a sofrer. “Ele não está a conseguir ganhar na Ucrânia, ele não está a atingir o que se propôs em 2022 com armas convencionais. Já perdeu território que inclusive incluiu nos referendos falsos [realizados em setembro em Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporíjia]”, começa por elencar o especialista bielorrusso exilado na Polónia, que refere igualmente que o Chefe de Estado russo “receia os sucessos do exército ucraniano”.
Assim, se Kiev “continuar a libertar cada vez mais territórios e a contraofensiva for bem sucedida”, o Presidente russo vai “tentar escalar o conflito, ameaçando com armas nucleares, inclusive com as da Bielorrússia”, diz Pavel Slunkin. Isto gera um duplo efeito, aponta o especialista. Primeiro, lembra que, mesmo com os fracassos de Moscovo no terreno, a Rússia continua a ser um “Estado nuclear” — e, por conseguinte, importante e influente no seio da comunidade internacional. Segundo, cria um impacto entre políticos e a sociedade do Ocidente. “A retórica nuclear faz com que alguns responsáveis políticos insistam que a Ucrânia deve encetar negociações, mesmo que isso signifique perder territórios. E, ao jogar com este receio, é mais fácil convencer as sociedades ocidentais da diminuição do apoio à Ucrânia.”
Dando como exemplos a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, ou o do antigo Presidente dos Estados Unidos (EUA) e atual candidato às primárias republicanas, Donald Trump, Pavel Slunkin diz que a retórica nuclear de Putin assenta “que nem uma luva” nos discursos dos políticos mais populistas. E, mesmo dentro da União Europeia e da NATO, há chefes de governo que já alertaram para esse risco, como Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, que lamentou que o mundo esteja “cada vez mais perto da III Guerra Mundial” que, a seu ver, será um conflito “nuclear”.
A decisão de enviar armamento nuclear para a Bielorrússia não tem apenas o objetivo de alimentar o temor nos países do Ocidente sobre a possibilidade de que elas venham mesmo a ser utilizadas, ressalta Pavel Slunkin. A Rússia tem outro objetivo em mente: “As armas nucleares significam um maior controlo da Rússia sob a Bielorrússia. Moscovo tem neste momento um grande controlo e uma gestão praticamente ilimitada de Minsk — e passa a ter ainda mais”, diz o especialista bielorrusso. “A Rússia quer um fantoche que não pode existir sem a Rússia.”
Ora, com armas nucleares estacionadas na Bielorrússia, será mais fácil para a Rússia controlar o país vizinho. E também impedir que este se afaste da sua esfera de influência. Mesmo num cenário em que Alexander Lukashenko e Vladimir Putin saiam do poder, os dois países “vão continuar unidos” por esta questão, constata Slunkin. “Mesmo num cenário em que perde a guerra, há instabilidade em Moscovo, há diferentes grupos a lutar pelo poder, ninguém se vai esquecer da Bielorrússia porque tem armas nucleares russas”, conjetura, ao mesmo tempo que define a decisão do líder bielorrusso como “estrategicamente perigosa para a independência” eo seu próprio país.
Pavel Slunkin também não coloca de parte a ideia de que este pode ser mais um passo para uma futura integração da Bielorrússia na Federação Russa, ainda que não acredite que seja o “cenário mais provável”. “Neste momento, penso que a Rússia está focada na Ucrânia. Tem um regime leal em Minsk e pode alcançar tudo o que quer — Lukashenko providencia tudo o que Moscovo deseja. Não vejo por que motivo Putin precisaria disso neste momento.”
Ainda assim, num cenário mais “distante”, caso a Rússia saia derrotada da Ucrânia, pode haver a tentação de Vladimir Putin querer “compensar a sociedade civil” do país. “Aí, eu penso que o cenário da anexação da Bielorrússia — quer seja política, quer atinja proporções de invasão — pode acontecer”, opina Pavel Slunkin.
O que ganha (e perde) a Bielorrússia?
Nas declarações aos jornalistas, Alexander Lukashenko sublinhou por várias vezes que as armas nucleares vão “proteger o seu regime” não só das ameaças externas, como também das internas, nomeadamente as relacionadas com a oposição que organizou manifestações nas ruas contra os resultados das eleições de 2020, que deram uma vitória esmagadora (81%) — ainda que contestada pela comunidade internacional — ao atual Chefe de Estado.
Tendo em consideração a influência russa que o país vai deter, a líder da oposição bielorrussa, Sviatlana Tsikhanouskaya, já protestou contra o acordo alcançado entre Minsk e Moscovo. “Chamo a atenção da comunidade internacional para reagir nos termos mais fortes às declarações do ditador Lukashenko sobre o envio de armas nucleares táticas para à Bielorrússia. Cria uma ameaça séria à segurança regional e cria um caminho mais perigoso à escalada nuclear”, escreveu, na sua conta pessoal no Twitter, na passada quarta-feira, tendo já denunciado, noutras ocasiões, que o Presidente bielorrusso estava a “vender o país” ao Kremlin.
I call upon the global community to react strongly to the dictator Lukashenka's statement that the deployment of Russian tactical nuclear weapons to #Belarus has already begun. It creates a serious threat to regional security & sets us on a dangerous path for nuclear escalation.…
— Sviatlana Tsikhanouskaya (@Tsihanouskaya) June 14, 2023
Ora, com armas nucleares na Bielorrússia, de facto torna-se “menos provável uma mudança de regime” — naquele que seria o principal desejo de Sviatlana Tsikhanouskaya. Pavel Slunkin aclara que “uma coisa é querer mudar comportamentos ou incentivar mudanças num país em que não há armas nucleares; outra coisa são os riscos que isso comporta num país com potencial nuclear”. Com esta movimentação, Alexander Lukashenko acredita que pode salvaguardar o regime que lidera — e derrotar por completo a oposição, que vê o espaço de manobra muito mais reduzido para agir.
A estratégia do Chefe de Estado bielorrusso pode até resultar, mas torna-o indissociável da Rússia e do seu futuro político. Se por um lado aniquila as “perspetivas de mudança” da Bielorrússia, por outro terá de se subjugar às vontades do Presidente russo.
De qualquer modo, para Pavel Slunkin, o destino político de Alexander Lukashenko já era inseparável da Rússia, se bem que se tenha tornado mais evidente nos últimos tempos. “Não vejo perspetivas de mudança na Bielorrússia sem haver mudanças na Rússia, sem haver uma desestabilização na Rússia, sem haver uma mudança comportamental neste país. Só quando a Rússia for fraca ou estiver desestabilizada, as pessoas na Bielorrússia terão uma chance de mudança”, vinca o especialista. Ora, esta premissa parece ter ganhado força com as armas nucleares.
No plano externo, o Presidente da Bielorrússia fez questão de salientar que o país estará mais defendido de um possível ataque dos países Bálticos ou da Polónia. Contudo, na visão de Pavel Slunkin, essa não é a principal preocupação de Alexander Lukashenko. “O exército ucraniano está a contra-atacar e está mais forte, estando a melhorar as suas capacidades militares. Lukashenko entende que a Ucrânia está a ter bem resultados”, enfatiza o analista bielorrusso.
Para além disso, o especialista pressupõe que o Chefe de Estado da Bielorrússia pode ter receado uma ação semelhante à que aconteceu em Belgorod, em que soldados de milícias abertamente contra Putin (que serão apoiados por Kiev) ocuparam algumas aldeias daquela província russa. “Lukashenko sabe que isso pode potencialmente ocorrer no país.”
Acima de tudo, o que Alexander Lukashenko mais teme — no entender de Pavel Slunkin — é que, se a contraofensiva ucraniana obtiver sucesso, isso levará a um inevitável enfraquecimento da Rússia, isto é, daquele que é o garante do seu regime. “Se a Ucrânia conseguir recuperar mais territórios, quem os vai proteger?”, questiona o especialista, num cenário em que Moscovo sofre um duro golpe, deixando de se preocupar com a sobrevivência política do regime do líder bielorrusso. “Lukashenko entende os riscos e espera que as armas nucleares no seu território funcionem com um sinal de STOP para outros países, incluindo a Ucrânia.”
Armas nucleares na Bielorrússia é legal? Putin e Shoigu asseguram que sim
Enquanto república integrante da União Soviética, a Bielorrússia tinha, no seu território, ogivas nucleares. Após a dissolução da URSS, o país decidiu ceder (tal como a Ucrânia ou o Cazaquistão) o armamento nuclear de que dispunha no seu arsenal e transferi-lo para a Rússia. A decisão ficou plasmada no Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança de 1994.
Ao deter novamente armas nucleares no seu território, a Bielorrússia viola os princípios assinados há quase 30 anos. O alto representante para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell, chamou precisamente a atenção para esse ponto. “A União Europeia condena o acordo entre Rússia e Bielorrússia sobre o envio de ogivas nucleares para o território bielorrusso. A decisão contraria os compromissos que a Rússia assinou no Memorando de Budapeste.”
Acusando o regime bielorrusso de ser “cúmplice da guerra ilegal na Ucrânia” e assumindo que esta ação pode representar uma “escalada” do conflito, Josep Borrell também sinalizou que a decisão esbarra contra a “declaração conjunta dos líderes dos cinco Estados nucleares assinada a 3 de janeiro de 2022″, em que se previa uma diminuição do armamento nuclear pelas cinco principais potências (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia).
Na sua mensagem, Josep Borrell não referiu o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares, assinado em 1968 e ratificado pela União Soviética. Embora estipule que é proibido transferir “quer direta, quer indiretamente, armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos”, o acordo, como lembra a Reuters, também permite que o armamento das potências nucleares “seja colocado fora das suas fronteiras”, desde que controlado pelas mesmas.
É, aliás, nesta lógica que Vladimir Putin e Sergei Shoigu asseguram que a decisão russa é — do ponto de vista do direito internacional — legal, ainda que não siga o compromisso assinado em 1994. Mesmo com alguns obstáculos jurídicos, a aliança da Bielorrússia e da Rússia solidifica-se cada vez mais, principalmente com o envio de armas nucleares. Alexander Lukashenko depende agora quase inteiramente de Vladimir Putin que, por sua vez, domina por completo o país vizinho — e assegura, para já, a sobrevivência política do seu aliado.