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As ondas gravitacionais detetadas foram provocadas pela colisão de buracos com uma massa milhões de vezes maior do que a do Sol
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As ondas gravitacionais detetadas foram provocadas pela colisão de buracos com uma massa milhões de vezes maior do que a do Sol

As ondas gravitacionais detetadas foram provocadas pela colisão de buracos com uma massa milhões de vezes maior do que a do Sol

"Uma janela para espreitar o Universo na sua infância." O que significam as novas descobertas sobre ondas gravitacionais?

Consórcio de cientistas anunciou a identificação de ondas gravitacionais com origem em colisões de buracos negros supermaciços. O que significa esta descoberta para o conhecimento sobre o Universo?

Um coro, uma orquestra, um carrilhão de sinos, um festival de barulhos cósmicos. São algumas das metáforas encontradas pela comunidade científica para tentar explicar o “barulho de fundo do Universo” — aquele som que, na verdade, não é bem um som, mas um conjunto de ondas gravitacionais, que é vital para compreender as origens do Universo. Esta quinta-feira, as ondas gravitacionais voltaram às manchetes dos jornais de todo o mundo, depois de um consórcio internacional de cientistas ter anunciado a descoberta de ondas gravitacionais de baixa frequência que se encontram a reverberar pelo Universo — e que terão tido origem em colisões de buracos negros gigantes.

Trata-se de um sinal que não tinha sido, até agora, possível detetar — e que coloca a comunidade científica um passo mais perto de vir a descobrir as ondas gravitacionais eventualmente provocadas pelo Big Bang, que continua a ser a hipótese mais provável para a origem do Universo, mas ainda não totalmente comprovada. Ainda assim, o mistério do Big Bang e dos momentos imediatamente a seguir à explosão primordial que terá dado origem ao Universo ainda continua por resolver, uma vez que, nas palavras do físico português Carlos Fiolhais, esta descoberta permite espreitar a “infância” do Universo, mas não ainda o seu nascimento.

Cientistas confirmam ter encontrado o “fundo cósmico” de ondas gravitacionais

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Os registos anunciados esta quinta-feira pelo consórcio norte-americano NANOGrav, que reúne dezenas de cientistas e investigadores especializados na deteção de ondas gravitacionais, são também mais um contributo para consolidar a Teoria da Relatividade Geral proposta por Albert Einstein no início do século XX. Einstein foi, de facto, o primeiro a propor a ideia de ondas gravitacionais no Universo — mas só em 2016 a comunidade científica chegou pela primeira vez a provas que corroboram a ideia de que o espaço-tempo é maleável. Agora, os cientistas dão um passo em frente e anunciam a deteção de ondas gravitacionais de baixa frequência, ou maior comprimento de onda, provocadas por buracos negros gigantes. Mas, afinal, que descoberta é esta? E porque é que é importante?

As ondas que contam a história do Universo

Para compreender o que está em causa na descoberta anunciada esta quinta-feira, é relevante dar um passo atrás para uma clarificação conceptual: afinal, o que são ondas gravitacionais?

Na edição desta quinta-feira da História da Dia, da Rádio Observador, que procurou antecipar o que estaria em causa no anúncio prometido pelo NANOGrav, o físico português Carlos Fiolhais explica que as “ondas gravitacionais são diferentes das ondas de luz, que nós conhecemos“.

Ondas gravitacionais: o que são e para que servem

“Foram previstas no início do século XX, mais precisamente em 1916, pelo grande Albert Einstein, na sequência da sua Teoria da Relatividade Geral”, sublinha Fiolhais, que é também o autor do programa Ciência Pop, da Rádio Observador. “Essa teoria, que é a melhor teoria que temos hoje de gravitação, diz que o espaço e o tempo não são fixos, são elásticos. E uma grande massa a abanar pode alterar as distâncias e os tempos nas proximidades ou mesmo mais longe, porque isto transmite-se.

As ondas gravitacionais são uma "oscilação do próprio espaço e do tempo", que se propaga como uma onda pelo espaço, diz o físico Carlos Fiolhais.

Ou seja: de acordo com Einstein, o espaço e o tempo são elásticos, maleáveis, e podem ser distorcidos por grandes massas no Universo, como buracos negros. A agitação destas grandes massas — por exemplo, no momento em que dois buracos negros colidem — cria uma “oscilação do próprio espaço e do tempo“, que se propaga como uma onda pelo espaço, com determinada frequência. Ao contrário das ondas eletromagnéticas, que resultam de “cargas em movimento” pelo espaço, uma onda gravitacional é a propagação de uma oscilação no próprio espaço e no próprio tempo.

[Já saiu: pode ouvir aqui o último episódio da série em podcast “Piratinha do Ar”. É a história do adolescente de 16 anos que em 1980 desviou um avião da TAP. E aqui tem o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto episódios.]

“É um fenómeno que foi previsto e que quase ao fim de praticamente 100 anos foi finalmente descoberto”, sintetiza Carlos Fiolhais. Em 2015, um grupo de cientistas conseguiu pela primeira vez detetar ondas gravitacionais — que lhes valeu o Prémio Nobel da Física em 2017.

Prémio Nobel da Física para a deteção das ondas gravitacionais

Contudo, como explica o The New York Times, até hoje ainda só tinham sido detetadas ondas gravitacionais com frequências situadas em algumas centenas de hertz, provocadas por colisões de pares de buracos negros ou estrelas de neutrões com uma massa dez a cem vezes superior ao Sol. Estas ondas tinham comprimentos de onda maiores, e por isso frequências mais pequenas. Mas a comunidade científica continuava em busca de ondas maiores, com comprimentos de onda muito maiores e frequências muito menores — ou seja, sons muito mais graves, associados a colisões de maior dimensão.

As ondas gravitacionais têm uma enorme relevância para compreender o Universo. Trata-se de ondas que viajam à velocidade da luz e que nos ajudam a reconstituir acontecimentos da história do Universo, uma vez que é possível detetar, hoje, as ondas resultantes de colisões que ocorreram há vários milhões de anos, que demoraram todo esse tempo a chegar à Terra. As ondas gravitacionais têm também a característica de perdurar no Universo durante milhões e milhões de anos — o que significa que, atualmente, estão a reverberar pelo espaço as ondas provocadas por milhões de colisões desde o início do Universo.

A fusão de todas estas ondas provoca uma espécie de ruído de fundo cósmico que é essencial para contar a história do Universo: é neste ruído de fundo, composto por ondas com comprimentos de onda muito diferentes, que a comunidade científica acredita um dia poder vir a encontrar vestígios da onda primordial, provocada pelo Big Bang, a enorme explosão que terá dado origem ao Universo — uma onda que terá, de acordo com Carlos Fiolhais, “um comprimento de onda ainda maior, por isso ainda mais difícil de apanhar”.

Uma onda que demora 30 anos a passar pela Terra

Até agora, ainda só tinha sido possível detetar ondas individuais de menor comprimento de onda: colisões de buracos negros pouco maiores que o Sol, que emitiam ondas de maior frequência. A grande novidade do anúncio feito esta quinta-feira prende-se, justamente, com a descoberta de ondas com uma frequência muito, muito menor.

Como explica o The Guardian, o consórcio NANOGrav, que é financiado pela Fundação Nacional para a Ciência dos EUA, detetou os primeiros indícios do “ruído de fundo” do Universo em 2020, após doze anos a recolher dados. A partir desses indícios, o consórcio contactou diferentes equipas científicas na Europa, na Índia, na China e da Austrália, que através dos seus próprios dados corroboraram as descobertas.

O que há, então, de novo nas descobertas anunciadas esta quinta-feira? Através de uma técnica diferente de recolha de dados, com recurso a radiotelescópios que analisam as ondas que chegam de pulsares (estrelas de neutrões que giram no Universo, criando um efeito tipo farol) para detetar interferências nesse movimento giratório, os cientistas do NANOGrav conseguiram detetar ondas com uma frequência tão baixa que, ainda segundo o jornal britânico, uma onda completa a viajar à velocidade da luz demora cerca de trinta anos a passar pela Terra. Trata-se de uma onda que, convertida para som, seria tão grave que ficaria muito longe do espectro dos sons audíveis.

Ao contrário das descobertas científicas anteriores, nomeadamente as do observatório LIGO, em 2016, o consórcio NANOGrav não estava à procura de ondas provocadas por colisões individuais — mas do tal ruído de fundo provocado pelo acumular de milhões de colisões, incluindo as de muito maior dimensão, ao longo da história do Universo. Segundo o The New York Times, o consórcio procurava ondas com uma frequência de um milésimo milionésimo de hertz. Ou seja, muito menores do que as ondas alguma vez detetadas.

"Isto é muito importante para percebermos como é que o Universo funciona. As galáxias fundem-se tão frequentemente como nós achamos? Olhando para o futuro, tentaremos fazer mapas do ruído de fundo de ondas gravitacionais e também tentaremos encontrar situações individuais de fusão de buracos negros supermaciços."
Chiara Mingarelli, astrofísica da Universidade de Yale e membro do NANOGrav

Gosto de pensar nisto como um coro ou uma orquestra“, disse o físico Xavier Siemens, investigador da Universidade de Oregon e membro do consórcio NANOGrav, em declarações citadas por aquele jornal norte-americano. Cada colisão entre buracos negros e estrelas de neutrões ao longo da história produziu uma nota. A frequência agora detetada “é a soma de todos esses sinais em simultâneo“. No mesmo sentido, Carlos Fiolhais compara as ondas gravitacionais a um “festival de barulhos cósmicos”, como um carrilhão de “sinos a bater de um lado e de outro, mas todos muito grandes”.

As ondas agora detetadas não resultam de colisões entre buracos negros pequenos (ou seja, com uma massa dez a cem vezes maior do que a do Sol), mas de colisões entre buracos negros gigantes, com uma massa vários milhões de vezes superior à do Sol. Os cientistas acreditam que estes super-buracos negros estão no coração das várias galáxias que compõem o Universo. Encontrar os vestígios das colisões primordiais destes enormes buracos negros constitui uma chave fundamental para compreender como foram os primeiros momentos da formação do Universo, nomeadamente o processo de fusão de galáxias que levou à configuração do cosmos.

Chiara Mingarelli, astrofísica da Universidade de Yale e membro do NANOGrav, resumiu, num vídeo publicado no Twitter pela universidade, os resultados da investigação: “Acreditamos que estes sistemas binários de super-buracos negros estão a criar este ruído de fundo de ondas gravitacionais. Quando as galáxias se fundem, os seus buracos negros supermaciços centrais também se fundem e, quando se fundem, criam estes sinais de ondas gravitacionais. Têm frequências tão baixas que conseguimos detetá-los quando têm períodos de cerca de 30 anos, ou 1 nanohertz. E demoram cerca de 25 milhões de anos a fundir-se. Isso significa que há muito tempo para outra fusão de galáxias acontecer, e outra, e outra. E há tantos sinais que criam este ruído de fundo de ondas gravitacionais.”

E porque é que esta descoberta é tão importante? Mingarelli responde: “Isto é muito importante para percebermos como é que o Universo funciona. As galáxias fundem-se tão frequentemente como nós achamos? Olhando para o futuro, tentaremos fazer mapas do ruído de fundo de ondas gravitacionais e também tentaremos encontrar situações individuais de fusão de buracos negros supermaciços.”

“Uma janela para espreitar o Universo na sua infância”

Vários dos cientistas envolvidos na descoberta defendem que a deteção destas ondas gravitacionais de baixa frequência com origem em milhões de colisões entre super-buracos negros permite olhar para o Universo de uma forma inovadora e oferece novas possibilidades para resolver alguns dos mistérios mais significativos da história do Universo — incluindo a hipótese de recuar até ao período imediatamente a seguir ao momento fundador do Universo, que continua a ser um dos grandes mistérios da Humanidade por resolver. Durante a conferência de imprensa da tarde desta quinta-feira, em que os cientistas Stephen Taylor, Thankful Cromartie, Michael Lam, Luke Kelley e Maura McLaughlin, em representação da equipa do projeto, apresentaram os detalhes técnicos da descoberta, o tom geral foi de grande excitação com uma descoberta revolucionária no estudo do Universo.

“Os resultados apresentados hoje marcam o início de uma nova viagem rumo ao Universo, para desvendar alguns dos seus mistérios por resolver”, disse ao The Guardian o astrofísico Michael Keith, que integrou a equipa europeia que forneceu dados para a investigação. No mesmo sentido, o cosmologista Andrew Pontzen, da University College de Londres, disse àquele jornal que “não é frequente que tenhamos um vislumbre do Universo através de uma lente totalmente nova, mas após 15 anos de trabalho paciente, o NANOGrav parece ter-nos dado justamente isso“.

“É muito entusiasmante ver as primeiras provas destas ondas, que hão de nos ensinar muito sobre os super-buracos negros, com centenas de milhões de vezes a massa do Sol”, acrescentou Pontzen.

A recolha deste “ruído de fundo” do Universo, originado por milhões de colisões de super-buracos negros ao longo de uma história universal que já conta com quase 14 mil milhões de anos, poderá revelar-se vital para que a comunidade científica seja capaz de reconstituir com cada vez maior precisão o que aconteceu nos momentos a seguir ao Big Bang, como o Universo começou a expandir, como se formaram as primeiras galáxias e como, no fundo, o Universo se tornou naquilo que é atualmente.

Em declarações ao Observador já esta quinta-feira, o físico Carlos Fiolhais coloca, ainda assim, alguma água na fervura. Classificando o anúncio como uma “descoberta importante“, o físico de Coimbra destaca dois grandes méritos da descoberta: o facto de ter sido possível detetar pela primeira vez comprimentos de onda tão grandes; e o facto de ter sido possível detetar as ondas provocadas pela colisão de buracos negros supermaciços no centro de galáxias que se fundiram numa fase primitiva do Universo.

Aliás, Carlos Fiolhais destaca mesmo que um dos grandes triunfos desta investigação científica se prende com o “processamento de dados“, uma vez que os instrumentos usados, os radiotelescópios, já existem há muito tempo e não foram desenvolvidos para esta investigação. Foi possível, diz o físico, ver “perturbações no espaço” na análise dos pulsares através dos radiotelescópios. Outro aspeto fundamental foi o de, pela primeira vez, terem sido detetadas ondas relacionadas com buracos negros tão grandes.

"Com certeza, é mais uma janela para espreitar o Universo na sua infância, mas não é ainda uma janela para ver o Universo a aparecer."
Carlos Fiolhais, físico

“Já não são apenas pequenos buracos negros que batem uns nos outros, são grandes buracos negros”, diz Carlos Fiolhais, sublinhando que este ruído de fundo, composto por diversas ondas em simultâneo, permite pintar o retrato de um “Universo primitivo”, de menor dimensão, com múltiplas galáxias primitivas a fundirem-se violentamente. Ainda assim, “é um barulho cósmico que não é imediatamente depois do Big Bang“, mas sim de um momento em que já existiam galáxias: ou seja, pelo menos 300 milhões de anos depois do Big Bang, o momento em que os cientistas estimam que tenham surgido as primeiras estrelas.

No entender de Carlos Fiolhais, estamos hoje “a escutar o barulho” da agitação das galáxias no Universo primitivo. Mas o Big Bang, que ainda representa o grande mistério da Humanidade, é “um bocadinho mais atrás”.

“Isto é tudo muito interessante para a evolução do cosmos e para saber como era o Universo primitivo. Mas não estamos ainda naquele momento misterioso da fração de segundo a seguir ao Big Bang”, explica o físico. “Estamos a falar de um Universo antigo, mas não tão antigo. É quando o Universo estava bebé. Estamos a escutá-lo.”

O físico português diz também que não se pode esperar que uma descoberta científica, por mais importante que seja, resolva os grandes mistérios que ainda envolvem o Universo. “Nunca vai haver uma descoberta científica em que possamos dizer ‘agora resolvemos tudo’“, diz Carlos Fiolhais. “Com certeza, é mais uma janela para espreitar o Universo na sua infância, mas não é ainda uma janela para ver o Universo a aparecer.”

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