Christine Lagarde, a presidente do BCE, trouxe esta quinta-feira uma “dupla boa notícia”. Mas ainda não foi ainda a notícia que António Costa quer ouvir. Em reação à “pausa” na subida das taxas de juro anunciada pela autoridade monetária, o primeiro-ministro disse esperar que esta “pausa seja o momento que antecede a redução progressiva das taxas de juro”. Mas a presidente do BCE garantiu que é “totalmente prematuro”, para já, falar em descer os juros – e os mercados financeiros acreditam que essa descida não virá antes de meados do próximo ano.
A “dupla boa notícia”, para o primeiro-ministro, é que o BCE veio “reconhecer que há uma tendência sustentada de redução da inflação” na zona euro. Por outro lado, o BCE “decidiu não aumentar mais uma vez os juros, o que é um “bom princípio“, diz António Costa: falta o resto. Mas o resto – a descida dos juros – não estará iminente, a julgar pelos indicadores de mercado que, tanto antes como depois de Lagarde falar esta quinta-feira, apontam um primeiro (possível) corte nas taxas de juro para o verão de 2024.
A presidente do BCE recusou dizer que “estamos no pico” das taxas de juro: “o facto de não termos subido [nesta reunião] não quer dizer que não possamos voltar a subir”, alertou Christine Lagarde. Tudo vai depender dos dados económicos que surgirem nos próximos meses, sobretudo a atualização das projeções económicas que o staff de economistas do BCE irá fazer em dezembro.
Mas Lagarde também deixou claro, em jeito de alerta à navegação, que será decisivo para a evolução da inflação aquilo que forem os aumentos salariais que forem negociados nas próximas semanas, por essa Europa fora. A presidente do BCE dá a entender que se os governos e as empresas aceitarem todas as reivindicações salariais dos trabalhadores, isso só irá contribuir para que a procura económica se mantenha em níveis que levam a taxas de inflação mais altas.
E foram, mais uma vez, repetidos os avisos aos governos de que é necessário retirar os apoios orçamentais extraordinários que foram lançados na crise energética. O risco é que estímulos demasiado generalizados possam estar a alimentar a inflação e, por isso, a obrigar o BCE a manter os juros elevados por mais tempo do que seria desejável. Christine Lagarde não se pronunciou, porém, sobre os níveis de margens de lucro das empresas e sobre como estes também têm impulsionado a inflação, como tem alertado várias vezes o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno.
Margens de lucro das empresas ameaçam “copo meio cheio” que Centeno vê na economia
Subir ainda mais os juros? Bluff de Lagarde, dizem analistas
A presidente do BCE mantém a porta aberta a novas subidas das taxas de juro. Se não o fizesse, arriscaria penalizar (ainda mais) a cotação do euro face a divisas como o dólar – e isso poderia ser, por si só, um fator indutor de inflação, porque seriam necessários mais euros para comprar os produtos denominados em dólares, como o petróleo, e isso poderia provocar um aumento mais rápido dos preços.
É só por isso, dizem os especialistas, que Christine Lagarde não reconhece que, muito provavelmente, a subida das taxas de juro que aconteceu em setembro – a 10º consecutiva – foi mesmo a última deste ciclo de aumentos, de longe o mais rápido e agressivo da história da zona euro.
BCE não pode obrigar os bancos a pagarem mais pelos depósitos
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Questionada sobre a divergência que existe em vários países entre os valores em juros que os bancos cobram pelos créditos e, por outro lado, os valores que pagam pelos depósitos, Christine Lagarde explica que o BCE não pode fazer nada quanto a isso.
“O nosso trabalho não inclui determinar a taxa a que os bancos remuneram os depósitos”, diz a presidente do BCE. O banco central determina as taxas que os bancos pagam pelo financiamento no BCE (taxa diretora) e aquilo que os bancos recebem pelos depósitos fazem no BCE (taxa dos depósitos).
Além disso, aquilo que os bancos pagam pelos depósitos dos clientes é uma área onde o BCE não tem influência direta, embora exista a expectativa de que exista uma influência indireta (até porque isso tem implicações para a evolução da inflação, porque afeta os níveis de poupança e consumo, por exemplo).
Cabe às autoridades nacionais garantirem que existe concorrência entre os bancos e os consumidores também têm aqui um “poder” – só por essas vias é que se pode pressionar os bancos a subirem a remuneração dos depósitos, diz Lagarde.
“Embora o BCE queira manter em aberto a possibilidade de haver novos aumentos nas taxas de juro, achamos que é mais provável que a próxima mexida nas taxas de juro seja no sentido de as reduzir – e não de as subir”, diz Luke Bartholomew, economista da gestora Abrdn.
O especialista destaca, entre outros fatores, que “os dados económicos na zona euro estão a apontar para condições próximas de uma recessão” e, nesse contexto, “embora seja possível que a incerteza geopolítica cause um aumento dos preços da energia e faça a inflação descer mais lentamente, seria necessário haver um choque inflacionista muito forte para que o BCE subisse ainda mais as taxas de juro“.
Sebastian Vismara, economista do Bank of New York Mellon IM, concorda que “o cenário mais provável é que as taxas de juro se mantenham nos níveis atuais [a taxa de depósitos nos 4%] pelo menos até ao segundo semestre”. A esta distância, o palpite do economista é que “a trajetória de descida poderá começar” e prolongar-se ao longo da segunda metade do ano – e até poderá ser uma descida mais rápida do que a generalidade dos economistas e os mercados financeiros estão neste momento a prever, aposta Sebastian Vimara, “dada a deterioração das condições económicas globais”.
BCE admite que economia pode estar a sofrer mais que o previsto
Quem não quer fazer previsões, nem mesmo comentar as previsões dos analistas, é Christine Lagarde.
A presidente do BCE enfatizou que “este momento não é propício a que se dê orientação futura” sobre o que vai acontecer às taxas de juro nos próximos tempos. Porém, Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos económicos do Fórum para a Competitividade, admite que manter a subida dos juros em cima da mesa é mais do que apenas um bluff. Pode ser, de facto, a única posição que Lagarde poderia manifestar dada a elevada incerteza que se vive neste momento, sobretudo com a instabilidade no Médio Oriente a juntar-se à guerra na Ucrânia.
“Christine Lagarde não quis comprometer-se sobre o futuro das taxas, referindo, repetidamente, os riscos geopolíticos, que poderão ter um impacto sobre os preços da energia e a confiança dos consumidores e empresários“, afirma Pedro Braz Teixeira.
Reinvestimentos do programa de compra de dívida vão durar "pelo menos até final de 2024"
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Mais do que o nível de taxas de juro, que já se previa que não fosse ser alterado, nesta reunião do BCE os analistas estavam especialmente atentos aos comentários que o banco central faria sobre o programa de compra de dívida soberana que foi lançado no início da pandemia de Covid-19, o programa conhecido pela sigla PEPP.
Já não são feitas novas compras (líquidas) ao abrigo desse programa, porém são reinvestidos todos os valores que o BCE recebe sempre que um determinado Estado reembolsa os títulos de dívida que o BCE comprou. Esse reinvestimento vai continuar a ser feito “pelo menos até final de 2024”, afirma o BCE.
Em todo o caso, o banco central garante que o processo de desmame dessas compras (reinvestimentos) será feito de forma a “evitar interferências” com a política monetária que existir nessa altura.
Um dos riscos negativos para a economia que Christine Lagarde referiu, no entanto, é que o aperto monetário que foi feito pelo BCE nos últimos meses possa vir a prejudicar a economia mais do que aquilo que seria inevitável – e mais do que aquilo que seria desejável. Esse é mais um fator de incerteza numa altura em que, afirmou a presidente do banco central, já existem alguns indicadores no mercado de trabalho que mostram que a economia poderá estar a ressentir-se das 10 subidas de taxas de juro que foram anunciadas nos últimos 15 meses.
“A política monetária atua de um modo muito desfasado e, por isso, é possível que acabem por perceber que foram longe demais“, diz Pedro Braz Teixeira. “Mas também acho ‘prematuro’ estar a colocar essa hipótese”, acrescenta o economista.