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A ideia deste The Residential é simples: dão-nos a "cana" e ensinam-nos a "pescar", que é como quem diz "cozinhar", com a ajuda de quem mais sabe
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A ideia deste The Residential é simples: dão-nos a "cana" e ensinam-nos a "pescar", que é como quem diz "cozinhar", com a ajuda de quem mais sabe

Ágata Xavier

A ideia deste The Residential é simples: dão-nos a "cana" e ensinam-nos a "pescar", que é como quem diz "cozinhar", com a ajuda de quem mais sabe

Ágata Xavier

Uma telescola culinária de luxo: aprendemos a fazer uma refeição Michelin em casa (e lavámos loiça como nunca)

O The Residential já está em funcionamento e o Observador experimentou: como funcionam estas lições de cozinha que vêm dentro de uma caixa? Explicamos-lhe tudo, até porque o resultado nem foi mau...

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Já estamos todos cansados de saber que se a vida nos dá limões, fazemos limonada. Mas quando em vez de citrinos recebemos um cabaz gigante cheio dos melhores produtos, ingredientes e iguarias do país, não é assim tão óbvio o que é suposto fazer. Temos pelo menos uma certeza: a nossa experiência no novíssimo The Residential acaba de começar. A partir daí só falta o chef Michelin dizer-nos o que fazer.

Para explicar em que consiste esta nova experiência 100% portuguesa é preciso olhar um pouco para trás, para o comboio que em 2017 ganhou o prémio de Melhor Evento Público do Mundo, segundo a BeaWorld. Falamos do The Presidential, antigo transporte ferroviário de presidentes e dignitários portugueses que foi transformado em restaurante de luxo com rodas (ou melhor, carris) por Gonçalo Castelo-Branco e a sua Lohad, tendo cruzado o Douro com os melhores chefs portugueses como cicerones. As mesmas mãos que criaram esse projeto assinam agora o The Residential, iniciativa que acaba por ser uma adaptação do comboio presidencial aos tempos de pandemia — em vez de lhe darem de comer e beber numa carruagem, enviam-lhe o que nela receberia e deixam nas suas mãos a preparação de uma refeição de luxo completa, com a ajuda de um chef conceituado que lhe explica tudo, passo a passo, através de um live pela internet.

Sabemos que estamos em casa, mas mais parece o Masterchef

Por esta altura até a pessoa menos adepta de receber encomendas em casa já deve, por força da pandemia, estar mais que habituada à forma como tudo isso se processa. Ainda bem: É exatamente da mesma forma que começa a aventura do novo The Residential. Depois de através do site comprar a experiência (acontecem em dias fixos, a horas certas), é nos pedido para definir a altura do dia em que queremos receber o tal cabaz em casa. À priori, também, conhece-se o prato que vamos confecionar, o chef que o criou e que nos vai guiar na confeção, o material básico que precisamos de ter à mão, o tipo de vinho que preferimos (branco ou tinto?) e aquilo que devemos fazer para preservar os ingredientes até à hora marcada (foi às 19h, na experiência que o Observador testou). Parece muita informação, mas a verdade é que quando lhe tocam à porta com uma caixa gigante e pesada é impossível não sentir aquele frio na barriga de miúdo na véspera do Natal — há sempre ingredientes e mimos extra que não estamos à espera — e o entusiasmo toma conta.

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Recebe-se em casa um cabaz gigante carregado dos melhores produtos portugueses, tudo ingredientes para a receita do chef.

Ágata Xavier

Ainda fresca do transporte refrigerado, a caixa chega selada com a marca “Clean & Safe” a que a pandemia já nos habituou. “Todos os ingredientes e elementos das caixas são tratados com o maior cuidado e seguindo as direções da DGS”, garante, mais tarde, Gonçalo Castel-Branco durante a receita em direto. O cuidado e atenção ao pormenor é minucioso, parece relojoaria fina: todos os ingredientes vêm embalados ou a vácuo ou com papel colorido, laços e autocolantes. Não falha nada, nem mesmo a referência aos produtores de cada um dos elementos que lhe chegam às mãos, da flor de sal do Algarve ao cação. O cuidado dado à escolha e promoção dos produtores (todos portugueses e de pequena escala) é outra das pedras basilares do projeto e muito disso é inspirado no Projeto Matéria do chef que estreou este serviço, João Rodrigues, que durante vários anos percorreu o país a fazer uma recolha deste tipo de informação e reuniu tudo numa base de dados que todos podem consultar. É dada tanta importância a esta valorização daquilo que melhor se produz e vende por cá que mesmo quem não compra o cabaz poderem ir ao site do The Residential e ver todos os ingredientes que vão sendo utilizados, com links diretos para as lojas online dos produtores e tudo. “Podem não nos dar um euro e irem por iniciativa própria comprar o cabaz [risos]”, conta Gonçalo.

“Seja bem-vindo ao The Residential. Parabéns por ser uma das 50 pessoas que se junta ao primeiro episódio”, lia-se no inicio do e-mail pro forma que tem como objetivo orientar o cozinheiro doméstico na aventura que estará prestes a embarcar. “Deve guardar os ingredientes X no frigorífico”, “o vinho deve ser mantido no frio e retirado Y tempo antes de ser servido”, “O vinho do Porto deve ser servido com a sobremesa”, são alguns dos exemplos das indicações dadas neste contacto que tem também o link para a transmissão. A margem para erros é cortada rente, afinal, que refeição Michelin seria digna desse nome se o vinho que a acompanhasse, por exemplo, fosse servido a uma temperatura errada? Impossível!

Cortar vegetais cortar muitos vegetais. Foi esta a primeira tarefa dada pelo chef João Rodrigues aos seus "alunos"

Ágata Xavier

Apesar de não haver nenhuma indicação explícita, a experiência ditou que à priori se libertasse a bancada da cozinha de tudo o que não fosse necessário, de forma a ter à mão todo o equipamento (nada de demasiado complexo, só tachos, frigideiras, colher de pau,…) que seria preciso utilizar. Foram precisas mais coisas do que aquelas que aconselharam mas o improviso e a tensão de se encontrar uma tigelinha pequena no armários cheios de copos e taças dá um gostinho extra. A meia hora do ponto de encontro digital a expectativa já fervilhava, o avental — também dado pela organização, claro — já estava vestido e a confiança ia em altas. Às 19h em ponto, com o computador a uma distância segura do calor e das facas, o primeiro episódio do The Residential começou.

Este corte que se chama brunesa

À primeira vista, parece o cenário de um programa de culinária igual aos muitos que encontramos por aí. Depois de um ou outro vídeo promocional, abriu a emissão feita em direto a partir da House of Hope And Dreams, centro nevrálgico da Lohad que vê a sua cozinha servir de campo de jogo para João Rodrigues. Gonçalo acompanha-o no papel que o próprio descreve como o”idiota da aldeia”: aquele a quem cabe a função de destacar o que qualquer comum mortal precisa de saber mas que um cozinheiro profissional por norma nem se lembra de referir (a forma mais segura de segurar na faca quando se corta alguma coisa, por exemplo). É seu também o papel de gerir o ritmo da emissão — um dos maiores desafios de todo o projeto, assume o próprio — principalmente porque do lado de cá do ecrã, nem todos os “cozinheiros” domésticos têm o mesmo ritmo ou habituação e isso faz com que seja muito ténue a linha que separa o excesso de trabalho que acaba por se transformar em frustração e o “simples de mais”.

Focados como um controlador aéreo ou cirurgião, vamos olhando para o ecrã, seguindo os passos dos “professores” e tentando manter o ritmo. É uma espécie de telescola para maluquinhos da gastronomia. João Rodrigues conta que a receita em questão foi feita de propósito para esta situação depois de uma viagem que fez recentemente pelo Alentejo no âmbito do seu Projeto Matéria. “Andámos por lá uns dias e aquilo que mais comi foi sopa de cação. Adorei e lembrei-me de fazer qualquer coisa desse género juntando com os ingredientes que começam agora a entrar em estação”, explica o cozinheiro enquanto vai desembalando os conteúdos do seu cabaz. A primeira indicação é que façamos o mesmo e deixemos tudo separado: legumes num lado, ervas do outro, temperos do outro, etc.

Goncalo Castel-Branco (na direita) e o chef João Rodrigues (esquerda) em pleno direto

D.R.

Daí partiu-se para a primeira parte mais “a sério” do processo, o corte de vegetais. Muitos vegetais: Duas courgette baby, uma beringela inteira, um tomate coração de boi, meio pimento vermelho, alho, chalotas e até houve espaço para se descascar ervilhas — isso mesmo, foi esse o nível de pormenor. “Vamos fazer tudo neste corte que se chama brunesa”, conta João. Traduzindo para português trata-se de transformar vegetais inteiros em pequenos cubos quase do mesmo tamanho que, todos juntos, fizeram uma espécie de macedónia de vegetais. As ervilhas e courgette foram cozidas em água durante poucos minutos, tudo o resto foi salteado em azeite.

Uma das partes mais interessantes do projeto é que não é totalmente finito, ou seja, apesar de termos uma missão bem definida logo à partida, pelo meio das explicações vão surgindo dicas interessantes que podem vir a dar jeito mais para a frente. Uma delas surgiu precisamente nesta fase: o processo de cozedura rápida da courgette e das ervilhas (técnica também conhecida como “bringir”) deve ser orientado por cores e texturas para se garantir que nenhum fica demasiado cozido — “Idealmente começamos [a cozinhar] pelos [vegetais] brancos, depois os verdes e os laranjas ou amarelos. Os mais rijos são sempre os últimos a serem cozidos. Seria algo como começar com nabo, passar para a courgette e depois para uma cenoura”, explicou João Rodrigues. Mais uma dica de chef: A beringela, quando vai a cozinhar desta forma, começa por absorver todo o azeite e depois volta a soltá-lo, ficando meio brilhante quando está no ponto certo de cozedura.

Sabe o que é uma embamata?

“Agora vamos preparar as flores de courgette”, atira João Rodrigues. Por esta altura já havia alguma tensão no ar do lado de cá do ecrã. Entre cortar mil coisas, aquecer outras tantas e prepara ainda mais umas já se tinha perdido o fio à meada e percebia-se melhor o tal desafio do ritmo. Felizmente, porém, a transmissão permite andar para trás, além de ter um chat específico onde se podem escrever dúvidas que serão respondidas pelo chef. Quer isto dizer que mais ou menos a meio do processo todo o “direto” passou a diferido para que nada falhasse. Mas voltemos às tais flores: basicamente apenas foi preciso retirar a parte interior da dita com muito cuidado porque depois seria preciso aproveitar a sua forma quase de vaso para rechear com o mix de legumes que já estava pronto. Assim foi, sempre com calma mas com um nervoso miudinho subliminar. Sabemos que estamos em casa, mas mais parece o Masterchef.

Toda a refeição é feita pelo "cliente", uma espécie de telescola Michelin

Ágata Xavier

Sabem o que é uma embamata? É o mesmo que um roux, claro. Ainda na mesma? Pois bem, trata-se do processo de juntar uma gordura (azeite, neste caso, apesar dos franceses preferirem manteiga) aquecida a farinha de modo a criar uma espécie de pasta que serve para dar mais consistência a caldos ou molhos. “Não podem parar de mexer”, atirou o chef ao explicar, passo a passo, este momento que todos tivemos de fazer já no fim da receita. O objetivo disto: engrossar aquilo a que chamaria a “sopa de cação” — o caldo feito com as sobras do peixe juntamente com vegetais e ervas aromáticas. Seria esse líquido cremoso que ligaria os outros dois elementos do prato, o lombo de cação, que foi apenas salteado juntamente com as flores de courgette recheadas sobre uma folha de papel vegetal siliconado (diz que é para evitar que as coisas se colem à frigideira).

Duas horas e muita loiça suja depois chegou-se a um resultado minimamente aproximado — pelo menos quando comparado com a foto de divulgação. Sucesso e muito orgulho, mesmo que a iguaria tenha sido devorada num instante porque havia muito por arrumar. Como bem dizia um dos participantes na sua conta de instagram, quase que rendia juntar mais uns euros à conta e incluir na experiência o trabalho de um copeiro. Mas ficou bom? Claro que sim! Um pocuo de sal a mais mas, tirando isso, tudo perfeito — ou então é só o orgulho a falar, fica a dúvida. Bom aspeto, ao menos, tem com fartura.

Entradas (patês e conservas, pão e azeite), prato principal (o tal cação e o vinho) e sobremesa (guloseimas do Pudim do Abade acompanhadas com um vinho do Porto) e ainda bastantes “sobras” que renderam para outras refeições nos dias seguintes — tudo isto, para duas pessoas, teve o preço de 220€ (para quatro era de 350€). Não é barato para a maioria dos bolsos, claro, mas olhando para a relação qualidade preço não há grandes argumentos para manter essa ideia, especialmente se se tiver em conta a componente de “contacto” quase one-on-one com um chef de renome.

Aí está, o resultado final: Lombos de cação com "sopa" do mesmo e flores de courgette recheadas com legumes da estação

Ágata Xavier

Esta primeira edição esgotou numa semana e podemos estar aqui a caminho de uma tendência: o episódio com Henrique Sá Pessoa (duas estrelas Michelin), o próximo neste agendamento, esgotou imediatamente (“Tivemos um cliente que fez este primeiro, gostou tanto que comprou o segundo episódio todo para dar à sua empresa”, contou Gonçalo Castel-Branco) e por isso foi preciso estabelecer uma nova data para o mesmo cozinheiro, 19 de julho. A ele seguir-se-á Alexandre Silva, do estrelado Loco, a 1 de agosto. Informações de preços sobre esses futuros episódios é que ainda não dá para prever já que cada um varia consoante a receita escolhida e os produtos que ela necessita — é ficar atento ao site.

[O prato final na foto de divulgação, só para comparar:]

https://www.instagram.com/p/CBlVMDfDBFZ/

Continuando em frente, a ideia é talvez enviar cabazes para vários sítios do mundo — “nesta edição já tivemos pessoas de Washington e do Brasil a perguntar se lhes podíamos enviar” –, por exemplo. Diversificar no tipo de experiências, também, fazendo episódios temáticos, ou até ter cozinheiros estrangeiros a participar. Apesar disso tudo, já existem algumas certezas em relação ao que poderá ser este The Residential a curto prazo: “Vamos tentar ao máximo diversificar os produtos utilizados de chef para chef”, por exemplo. Também vão começar a especificar o “nível de dificuldade” da experiência para evitar ao máximo a frustração dos cozinheiros domésticos e vão continuar a apostar nas playlists que são feitas por um músico conhecido — a deste coube ao pianista Filipe Melo — de propósito para cada situação.

O Observador fez esta experiência a convite da Lohad e do projeto The Residential

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