Portugal recebeu a primeira remessa de vacinas desenvolvidas pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca esta semana e planeia começar a vacinar já os profissionais de serviços essenciais.
A principal restrição em relação a esta vacina é que não seja dada a pessoas com mais de 65 anos — ainda que este limite etário varie consoante o país —, por ainda não ter sido possível demonstrar que é tão eficaz nesta faixa como entre os 18 e os 55 anos.
O Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde (DGS) preveem no entanto que, caso seja necessário, a vacina possa ser dada a pessoas acima dos 65 anos, uma vez que não tem problemas de segurança e qualidade. Qual o risco de uma pessoa acima dos 65 anos tomar a vacina? E será que nos vai proteger contra a variante britânica e sul africana? São algumas das perguntas que o Observador procurou ver respondidas.
Se tiver mais de 65 anos posso tomar a vacina da AstraZeneca?
Sim, mas não está previsto que o faça, pelo menos numa primeira fase. A vacina da Oxford/AstraZeneca será, principalmente, direcionada a pessoas que tenham menos de 65 anos. Embora nem a ministra da Saúde, nem o plano de vacinação, descartem a possibilidade de se vacinarem pessoas acima dos 65 anos.
Só não é ainda absolutamente claro se a quem tem precisamente 65 anos será ou não administrada esta vacina. “Até novos dados estarem disponíveis, a COVID-19 Vaccine AstraZeneca deve ser preferencialmente utilizada para pessoas com 65 ou menos anos de idade. Em nenhuma situação deve a vacinação de uma pessoa com 65 ou mais anos de idade ser atrasada se só estiver disponível a COVID-19 Vaccine AstraZeneca”, lê-se na norma divulgada esta segunda-feira pela DGS.
Dada a aparente incoerência sobre a vacinação de pessoas com 65 anos certos, o Observador procurou esclarecimentos junto do ministério e da DGS, mas até à publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.
“Numa situação de pandemia, a vacina que é mais útil é aquela que estiver disponível”, explica Valter Fonseca, diretor do Departamento da Qualidade na Saúde da Direção-Geral da Saúde (DGS). O objetivo é vacinar o maior número de pessoas possível e, para isso, usa-se o que estiver disponível. “Não devemos atrasar a vacinação de nenhuma pessoa durante uma pandemia”, reforça.
Marta Temido assegura que “não está, obviamente, em causa qualquer questão em relação à segurança e qualidade desta vacina”. A incerteza é em relação à eficácia acima desta idade, acrescentou a ministra da Saúde, esta segunda-feira, depois da reunião do Governo com a task force para o Plano de Vacinação Covid-19.
Valter Fonseca, presente na mesma conferência de imprensa, diz que “não deve haver receio” por parte dos portugueses em relação a esta vacina, porque é “segura, de qualidade e mostrou que, quando as pessoas são vacinadas com ela, [são produzidos] anticorpos que podem proteger contra a Covid-19”.
De facto, o documento da DGS refere mesmo que os adultos com mais de 65 anos reportaram menos efeitos secundários depois da vacina. O que, por outro lado, pode ser um sinal menos bom: o sistema imunitário pode não ser tão bem estimulado pela vacina, nem para as reações adversas, nem para as desejáveis.
Vacina Oxford/Astrazeneca. “Decisão da DGS é um pouco contraditória”
Porque é que alguns países estão a optar por não dar esta vacina às pessoas mais velhas?
Porque faltam dados sobre a eficácia desta vacina em adultos mais velhos. Os ensaios clínicos da vacina da AstraZeneca incluíram 24 mil pessoas, mas a maior parte dos voluntários tinha entre 18 e 55 anos (apenas cerca de 300 acima dos 65 anos).
A Agência Europeia do Medicamento (EMA) aprovou a utilização da vacina da Oxford/AstraZeneca para pessoas com 18 anos ou mais, tal como previa o pedido de autorização feito pela farmacêutica. O que quer dizer que os países europeus podem seguir a “autorização de comercialização condicional” do regulador e vacinar também pessoas acima dos 56 ou dos 65 anos, mas não têm de o fazer.
A avaliação dos resultados dos ensaios clínicos permitiu aos especialistas da EMA concluir que “pelo menos alguma proteção é esperada neste subgrupo” (pessoas acima dos 55 anos). No entanto, Emer Cooke, diretora executiva da agência, sublinha que, embora seja permitida a administração da vacina nestas idades, “não há uma recomendação” específica para que seja feito.
Portugal, à semelhança de países como França, optou por vacinar as pessoas com mais de 65 anos com uma das outras duas vacinas disponíveis no mercado e dar a vacina da Oxford/AstraZeneca, pelo menos num primeiro momento, aos profissionais dos serviços essenciais (como bombeiros ou polícias). Em Espanha, por sua vez, a vacina só será distribuída a pessoas que tenham entre os 18 e os 55 anos (de preferência, profissionais dos centros de saúde e centros sociais). Itália admite a utilização em todos os adultos, mas pede que se seja preferencialmente usada em pessoas até aos 55 anos.
AstraZeneca. A quem é que Espanha e França vão dar esta vacina?
“Houve um alerta que nos diz que há muito poucos dados acima dos 55 anos e, sobretudo, acima dos 65 anos”, justifica Valter Fonseca, da DGS. “Enquanto os estudos estão a decorrer, parece-nos prudente privilegiar a vacinação de pessoas com menos de 65 anos com esta vacina.”
Com esta opção, vão faltar vacinas em Portugal?
Os governantes e autoridades descartam responsabilidades no atraso da campanha de vacinação e têm apontado que o plano de vacinação só não será cumprido se as farmacêuticas não cumprirem com as entregas que estavam estipuladas.
A Pfizer atrasou as entregas para poder fazer melhorias na fábrica da Europa, mas garante cumprir com as entregas que estavam previstas para o primeiro trimestre. A AstraZeneca, por sua vez, vai entregar pouco mais de um terço do que tinha acordado com a Comissão Europeia para os primeiros três meses do ano, alegando também problemas de produção — situação que fez azedar as relações entre a CE e a farmacêutica.
Valter Fonseca, da DGS, está confiante que há em Portugal “capacidade de gerir o plano de vacinação, nestas fases iniciais — e enquanto aguardamos mais dados acima dos 65 anos —, e por isso privilegiar as vacinas de mARN acima dos 65”, ou seja, as vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna.
A ministra da Saúde anunciou que das 493.050 doses que Portugal já tinha recebido, até às 13 horas desta segunda-feira, já tinham sido administradas 397.404: cerca de 292 mil são primeiras doses e quase 105 mil referem-se já à segunda dose, logo uma vacinação completa.
Marta Temido explicou ainda como é feita a gestão das vacinas, nomeadamente, em relação à reserva das segundas doses para quem já tomou a primeira. No início guardava-se uma segunda dose para todas as pessoas que tivessem sido vacinadas com a primeira dose, mas, agora, a gestão é mais flexível e guarda-se cerca de um terço, o que permite vacinar mais, mas garantir um stock de reserva para o caso de uma entrega falhar, disse a ministra da Saúde. “É uma gestão de risco, um princípio de prudência.”
Quem vai ser vacinado com a AstraZeneca? Quando?
A ministra da Saúde disse, esta segunda-feira, em conferência de imprensa que os primeiros a receber esta vacina seriam os 19 mil profissionais de serviços essenciais (como bombeiros e polícias) e que a vacinação teria início ainda esta semana. Marta Temida não explicou, no entanto, o que seria feito com as restantes doses. Portugal recebeu 43.200 doses este domingo e, mesmo que se guardasse a segunda dose — para ser dada ao fim de 12 semanas —, haveria ainda mais 5.200 doses disponíveis neste lote.
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Marta Temido referiu que, esta segunda-feira, foram entregues mais 87.750 doses da vacina da Pfizer/BioNTech e que até ao final da semana deverão chegar mais 22.800 doses da vacina da Moderna. A vacina da Pfizer/BioNTech será, preferencialmente, usada nos profissionais e utentes das estruturas residenciais para idosos e nas unidades de cuidados continuados (a maioria já a preparar-se para tomar a segunda dose) e a vacina da Moderna destina-se aos profissionais de saúde.
E se eu não quiser tomar a vacina da AstraZeneca? Posso escolher?
Em resposta a estas questões, a Direção-Geral da Saúde não diz claramente que não, mas é isso que se depreende: “Sendo a vacinação contra a Covid-19 um processo voluntário, a adequação das vacinas às pessoas a vacinar é feita tendo em conta as caraterísticas das vacinas e a sua disponibilidade”.
Fonte oficial da DGS acrescenta ainda, na resposta enviada ao Observador: “Todas as vacinas aprovadas pela Comissão Europeia até ao momento são de qualidade, são seguras e capazes de produzir anticorpos nas pessoas vacinadas, segundo os resultados obtidos nos ensaios científicos”.
E, neste momento, o fundamental é que se produzam anticorpos e se vacine o maior número de pessoas. “A vacinação de cada pessoa contribui para a imunidade de grupo e para o esforço coletivo de combate à pandemia”, lembra fonte oficial da DGS.
A vacina da AstraZeneca é menos eficaz?
Os ensaios clínicos da AstraZeneca mostraram que houve uma redução de 59,5% no número de casos de doença Covid-19 — ou seja, pessoas infetadas que desenvolveram sintomas. Traduzido em números: das 5.258 vacinadas contra a Covid-19 que ficaram infetadas, 64 desenvolveram sintomas, contra 154 que tiveram sintomas num grupo de 5.210 que ficaram infetadas depois de tomarem um placebo (uma injeção de outro composto).
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As outras vacinas já aprovadas em Portugal, ambas baseadas na tecnologia de ARN mensageiro, mostraram ser eficazes a reduzir a doença em mais de 90%. Ainda que os 60% de eficáica da AstraZeneca seja abaixo deste valor, continua a ter um bom nível de eficácia — comparado com outras vacinas — e acima dos 50% recomendados pela Organização Mundial de Saúde.
“Ainda não há resultados suficientes em participantes mais velhos (com mais de 55 anos) para saber quão bem a vacina funcionará neste grupo. No entanto, espera-se que haja proteção, visto que foi observada uma resposta imune nesta faixa etária e pela experiência que existe com outras vacinas”, escreve a EMA no parecer de autorização condicional. “Como as informações sobre a segurança nesta população é fiável, os especialistas da EMA consideraram que a vacina pode ser usada em adultos mais velhos.”
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A vacina da AstraZeneca é menos eficaz contra as variantes britânica e sul-africana?
Os dados ainda são preliminares e Valter Fonseca diz que em Portugal se está a segui-los com atenção. Até ao momento, ainda não foi preciso tomar uma decisão como a da África do Sul que suspendeu a vacinação com a vacina da AstraZeneca pelos sinais de que não seria eficaz contra a variante que agora é dominante no país. Em Portugal, ainda só foram detetados dois casos desta variante e as autoridades de saúde consideram que ainda não há razão para alarme.
Estava previsto que, nos próximos dias, a África do Sul iniciasse a vacinação com o produto da Oxford/AstraZeneca com um milhão de doses. Mas o estudo realizado pela Universidade de Witwatersrand (Joanesburgo), ainda não revisto pelos pares, diz que esta vacina oferece “proteção limitada contra formas moderadas da doença causada pela variante detetada da África do Sul em adultos jovens” — apenas 22% de eficácia, segundo noticia a Lusa.
Este é um problema temporário, temos de suspender as vacinas Oxford/AstraZeneca até termos resolvido estes problemas”, disse o ministro da Saúde, Zweli Mkhize, numa conferência de imprensa.
Também ainda com dados preliminares (e sem verificação por cientistas independentes), a Universidade de Oxford anunciou que a vacina desenvolvida em colaboração com a farmacêutica AstraZeneca “continua eficaz” contra a nova variante britânica do coronavírus. O artigo revelava, no entanto, que as pessoas infetadas com a nova variante britânica apresentavam menos anticorpos neutralizantes (parte da resposta imunitária desencadeada pela vacina ou por uma infeção anterior). Ou seja, parte da imunidade desencadeada pela vacina, importante na eliminação do vírus, estava comprometida. Uma das dificuldades na interpretação dos resultados é o facto de os dados serem pouco robustos.
Já estive infetado com o coronavírus. Posso tomar a vacina?
Pode, mas apenas uma dose (em vez de duas), segundo a Norma 003/2021, da DGS, divulgada esta segunda-feira. “Se foi administrada a primeira dose a uma pessoa que tenha estado infetada com SARS-CoV2, não deve ser administrada a segunda dose”, lê-se no documento. Mas, como refere a mesma norma, as pessoas que já estiveram infetadas não estão nas listas prioritárias devido à escassez da vacina.
Também as pessoas que forem infetadas depois de vacinadas com a primeira dose da vacina da AstraZeneca (ou de qualquer outra vacina contra a Covid-19), têm indicação para não tomarem a segunda dose que completa o esquema de vacinação, conforme a Norma 002/2021. “Para as vacinas com um esquema vacinal de duas doses, as pessoas que são diagnosticadas com infeção por SARS-CoV-2 após a primeira dose, não devem ser vacinadas com a segunda dose.”
Pelo contrário, se uma pessoa não puder levar a segunda dose às 12 semanas como previsto e tiver de o fazer mais tarde, a DGS recomenda que “a mesma será administrada logo que possível”. A DGS alerta ainda que “o esquema vacinal deve ser completado com uma dose de vacina da mesma marca”.
Atualizado com a resposta da DGS à pergunta sobre a possibilidade de escolha da vacina.
Atualizado com a indicação que não se dá a segunda dose da vacina a uma pessoa infetada, seja qual for a vacina que tenha tomado.