Fábio Loureiro fugiu da prisão de Vale de Judeus, esteve em parte incerta durante um mês e foi detido este domingo na cidade marroquina de Tânger, com base em informações da Polícia Judiciária. Agora, com a captura, terá um novo processo pela frente: antes de regressar a Portugal ainda será presente a um juiz em Marrocos — cuja sessão deverá acontecer já esta terça-feira —, por causa do respetivo processo de extradição. E, quando estiver em território português, novamente na cadeia, terá de ser julgado pelo crime de evasão, cuja pena de prisão pode ir até aos dois anos.

Se Fábio Loureiro não tivesse fugido da cadeia de Vale de Judeus, a data prevista para saída — foi condenado por vários crimes e, por isso, cumpre penas de prisão sucessivas — seria 2056. Assim, a previsão para a sua liberdade deverá demorar mais.

Em Marrocos, Fábio Loureiro pode opor-se à extradição

Fábio Loureiro está detido em Marrocos e será presente esta terça-feira “às autoridades judiciárias de Marrocos tendo em vista a sua extradição para Portugal para efeitos de cumprimento de pena”, referiu a Polícia Judiciária em comunicado. Esta sessão, segundo explicou ao Observador Carlos Melo Alves, advogado especialista em Direito Penal, terá como principal objetivo saber se o recluso que fugiu da prisão de Vale de Judeus se opõe, ou não, à sua extradição para Portugal — uma questão que tem de ser obrigatoriamente feita. “Se o juiz não perguntar, o interrogatório é nulo”, explica o advogado.

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Com esta pergunta do juiz, Fábio Loureiro terá duas hipóteses. Se escolher não apresentar nenhuma oposição à extradição para Portugal, a mesma será feita em poucos dias. No entanto, se o único recluso da fuga de Vale de Judeus até agora encontrado pelas autoridades disser que não concorda com a sua extradição, o tribunal de Marrocos deverá dar alguns dias à defesa de Fábio Loureiro para que seja apresentada uma justificação. E a partir daí será o juiz a decidir se a razão apontada pela defesa é válida e se aceita ou recusa o pedido de extradição feito por Portugal.

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À partida, explica também Melo Alves, não existem muitas razões, nem motivos suficientemente fortes, para que o tribunal recuse a extradição de Fábio Loureiro. “As razões para não ser extraditado são muito, muito poucas”, refere, acrescentando que “a única justificação que pode ser discutível é a de que as cadeias não têm condições, porque o Estado português já foi condenado algumas vezes por os nossos estabelecimentos não terem condições mínimas”. No entanto, Melo Alves aponta também que não tem conhecimento de nenhum caso em que um país tenha recusado uma extradição para Portugal devido à falta de condições nas prisões.

Além disso, Portugal e Marrocos têm em vigor, desde janeiro de 2009, uma convenção em matéria de extradição que estabelece as condições em que um cidadão procurado pelas autoridades portuguesas e que venha a ser detido naquele país pode ser extraditado. No artigo que consagra os “factos determinantes” para a extradição lê-se que ficam abrangidos pela convenção “os factos puníveis, segundo o direito interno de ambas as partes, com pena privativa da liberdade de duração não inferior a um ano”. O texto da convenção também admite a transferência de detidos entre países “quando a extradição é pedida para cumprimento de uma pena privativa da liberdade”, caso em que “só será concedida se a duração da pena ainda por cumprir não for inferior a quatro meses”. Ambos os pressupostos estarão contemplados no caso de Fábio Loureiro.

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Discussão diferente acontece quando é Portugal a decidir se autoriza a extradição de alguém, uma vez que existem várias condicionantes. Por exemplo, se o país que pede a extradição prevê pena de morte ou pena de prisão perpetua, então Portugal pode recusar o pedido.

Novo julgamento por evasão e nova pena

Caso o pedido de extradição seja aceite, Fábio Loureiro será encaminhado para Portugal. E o facto de ter fugido da cadeia de Vale de Judeus não significa que terá de cumprir o resto da pena nesta mesma prisão. A decisão ficará a cargo da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e também da Polícia Judiciária, explicou o mesmo advogado, que chegou a defender Fábio Loureiro em vários processos. Tendo em conta que Fábio Loureiro fugiu de uma prisão de alta segurança, existe a probabilidade de voltar a ser colocado na cadeia de Monsanto, em Lisboa, uma vez que é a única em Portugal classificada como cadeia de segurança especial. Ainda assim, Fábio Loureiro já tentou fugir de Monsanto em 2018, juntamente com outro dos reclusos ainda em fuga, o argentino Rodolf Lohrmann.

Quando estiver também em Portugal, Fábio Loureiro será julgado pelo crime de evasão — um crime que resulta da sua fuga de Vale de Judeus, no início de setembro. A pena, segundo o Código Penal, pode ir até aos dois anos de prisão. Depois da condenação, “o que vai acontecer é que ele terá de cumprir penas sucessivas”, explicou Melo Alves. Ou seja, a pena a que for condenado agora não faz cúmulo jurídico com aquelas a que já foi condenado e já transitaram em julgado. “Vai ser uma nova pena que ele terá de a cumprir, porque não é acumulável com outra.”

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De acordo com os registos a que o Observador teve acesso, Fábio Loureiro começou a cumprir pena de prisão em 2014 e a data prevista para conclusão das sucessivas penas é em 2056. Em Portugal, a pena máxima de prisão que pode ser aplicada a um arguido é 25 anos, mas isto não significa que o arguido não possa ficar mais do que 25 anos dentro de uma cadeia. Por exemplo, se alguém cometer um crime depois de já ter sido condenado por outros crimes, e a decisão já tiver transitado em julgado — não havendo hipótese de apresentar mais nenhum recurso —, não existe cúmulo jurídico. Ou seja, essa pessoa terá de cumprir as duas penas e a soma dessas duas penas pode ultrapassar os 25 anos. “Se não”, explica Melo Alves, “a pessoa podia estar sempre a cometer crimes e só era condenada a 25 anos”.

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É precisamente o que aconteceu com Fábio Loureiro, que foi condenado em vários processos diferentes, não tendo sido possível aplicar cúmulo jurídico. Entre os crimes pelos quais já foi condenado encontram-se os crimes de extorsão, branqueamento de capitais, associação criminosa, sequestro e ofensas à integridade física. Agora, deverá acrescentar mais um crime para a lista — o de evasão — e deverá ver alargada a data prevista de saída da prisão.