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Trump é o primeiro Presidente dos EUA a ser julgado duas vezes com vista à destituição

AFP via Getty Images

Trump é o primeiro Presidente dos EUA a ser julgado duas vezes com vista à destituição

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Vem aí o segundo impeachment de Trump. Os argumentos de cada lado — e o que esperar do julgamento

O segundo julgamento de Trump no Senado começa esta terça-feira. Acusado de incitar à insurreição, defende-se com a liberdade de expressão e argumentos técnicos. O que esperar do novo impeachment?

Quando, um par de meses antes da cerimónia, Washington D.C. se começou a preparar para a tomada de posse de Joe Biden como 46.º Presidente dos Estados Unidos, já se sabia que esta ia ser uma inauguration, como lhe chamam os americanos, diferente do habitual. Com a pandemia em rápido crescimento nos EUA — país que lidera a nível global em número de casos (mais de 27 milhões) e em mortes (mais de 460 mil) —, não haveria multidão em frente ao Capitólio nem bailes por toda a cidade noite fora.

Contudo, depois do dia 6 de janeiro, tudo mudou. Quando Biden tomou posse, a Covid-19 não era o maior medo a pairar sobre a cerimónia simples, com um número limitado de convidados e festejada, sobretudo, através de uma programação virtual. A violenta invasão do Capitólio, duas semanas antes, por apoiantes de Donald Trump tinha obrigado a medidas de segurança extraordinárias na capital americana, armada com mais soldados do que a soma dos contingentes americanos no Iraque, Afeganistão, Somália e Síria.

O mais duro ataque doméstico à democracia americana na história contemporânea foi o tema comum de todas as intervenções feitas naquele dia e que se repetem desde então. Para os democratas, não há dúvidas: foi Donald Trump que, com as suas palavras inflamadas, incitou à violência — classificada como terrorismo doméstico. Já o Presidente argumenta que tinha liberdade para dizer tudo o que disse e garante que não teve qualquer responsabilidade pela invasão — protagonizada por manifestantes munidos de bandeiras, bonés e t-shirts de apoio a Trump.

Congress Holds Joint Session To Ratify 2020 Presidential Election

A invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro, motivou a decisão dos democratas de avançarem para a destituição de Trump

Getty Images

A invasão do Capitólio está agora no centro de um processo inédito. Pela primeira vez na história norte-americana, um Presidente foi por duas vezes alvo de impeachment. Depois do julgamento de 2020, a propósito das alegadas pressões sobre o governo ucraniano (que acabou em absolvição), Donald Trump começa esta terça-feira a ser julgado, pela segunda vez, num processo que, em tese, tem como principal objetivo a destituição do poder. É também a primeira vez que um Presidente é sujeito a um julgamento de impeachment após o fim do mandato, o que tem levantado dúvidas constitucionais. Para os democratas, o objetivo é simples: impedir Trump de se voltar a candidatar à Presidência. Todavia, apesar de o Partido Republicano já se ter começado a distanciar de Donald Trump, a perspetiva de uma condenação no Senado é diminuta. Vejamos o que está em causa.

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O que sabemos sobre o que aconteceu no dia 6 de janeiro?

No dia 6 de janeiro, as duas câmaras do Congresso norte-americano (Senado e Câmara dos Representantes) reuniram-se numa sessão conjunta com o objetivo de proceder à certificação dos votos do Colégio Eleitoral de cada um dos 50 estados norte-americanos. Historicamente encarada como um formalismo cerimonial, a sessão dura habitualmente pouco tempo: os estados são convocados por ordem alfabética, os resultados eleitorais são proferidos em voz alta, as duas câmaras aprovam-nos um por um e, no final, o resultado é declarado.

O vice-presidente dos EUA, enquanto presidente do Senado por inerência, faz a declaração oficial do vencedor — e, a partir daí, é formalmente impossível voltar atrás com a eleição.

Este ano, todavia, a cerimónia habitualmente considerada como um mero formalismo foi o palco da última tentativa de Trump de reverter o resultado eleitoral. O Presidente republicano não aceitou a vitória do democrata Joe Biden nas eleições de novembro. Durante dois meses, ele e os seus advogados multiplicaram-se em esforços — baseados em alegações infundadas — para declarar os resultados como ilegítimos, mas esses pedidos foram rejeitados por tribunais em todo o país. A cerimónia de 6 de janeiro era a última opção: se os senadores republicanos, em vez de alinharem com o carácter cerimonial e formalista da certificação, usassem aquele fórum para contestar os resultados de alguns dos estados, a certificação poderia ser impedida — e a posse de Biden suspensa.

O que acontece se Trump não reconhecer a vitória de Biden? Os prazos, as manobras mediáticas e os riscos para os EUA

A cerimónia devia começar por volta das 13h do dia 6 de janeiro. Uma hora antes, por volta do meio-dia, Donald Trump fez um discurso perante uma pequena multidão na Elipse, uma zona dos jardins da Casa Branca a algumas centenas de metros do Capitólio, onde decorreria a certificação. Durante o discurso, Trump repetiu as alegações infundadas de fraude, falou em eleições “roubadas” por “radicais de esquerda” e garantiu que nunca desistiria: “Nunca vamos desistir. Nunca vamos reconhecer [a vitória de Biden]”.

"Se não lutarem como o inferno, não vão voltar a ter um país. (...) Por isso, vamos percorrer a Avenida da Pensilvânia, eu adoro a Avenida da Pensilvânia"
Donald Trump, antes da invasão do Capitólio

Espero que o Mike faça o correto. Espero. Espero, porque, se Mike Pence fizer o correto, nós ganhamos a eleição”, acrescentou Trump, referindo-se à possibilidade de o seu vice-presidente intervir durante a cerimónia do Senado, rejeitando a certificação dos votos em alguns estados, enviando os boletins de volta e esperando uma “recertificação” por parte de estados que, segundo o próprio Trump, estariam arrependidos e quereriam voltar a aprovar os resultados eleitorais. “Tudo o que o vice-presidente Pence tem de fazer é enviá-los de volta aos estados para recertificação, nós tornamo-nos Presidente e vocês são o povo mais feliz.”

Eleições nos EUA: Trump insiste em denunciar fraude eleitoral sem apresentar provas

Depois de insultos à imprensa (“o inimigo do povo”), Trump entrou na fase mais crítica do discurso: “Agora cabe ao Congresso confrontar este ataque flagrante à nossa democracia. Depois disto, vamos caminhar até lá abaixo e eu estarei convosco. Vamos até lá abaixo. Vamos marchar até ao Capitólio. E vamos apoiar os nossos valentes senadores e congressistas, e provavelmente não vamos apoiar tanto alguns deles.”

“Nunca vão recuperar o nosso país com fraqueza. Vocês têm de mostrar força, têm de ser fortes”, acrescentou o Presidente.

“Sei que todos os que aqui estão vão, a seguir, marchar até ao Capitólio para, de modo pacífico e patriótico, se fazerem ouvir. Hoje, vamos ver se os republicanos se mantêm fortes pela integridade das nossas eleições”, continuou Trump. “Se não lutarem como o inferno, não vão voltar a ter um país. (…) Por isso, vamos percorrer a Avenida da Pensilvânia, eu adoro a Avenida da Pensilvânia.”

Depois do discurso de Donald Trump, os seus apoiantes marcharam efetivamente rumo ao Capitólio. A sessão de certificação dos votos tinha começado havia poucos minutos quando teve de ser interrompida: um grupo de manifestantes violentos tinha conseguido furar as barreiras de segurança do edifício e aproximava-se do seu interior. Uma hora depois do arranque da sessão, os manifestantes já tinham invadido as câmaras parlamentares, obrigando à evacuação imediata do edifício. A história dramática daquele dia já é conhecida: durante quase cinco horas, a sessão esteve suspensa; Donald Trump foi ao Twitter deixar mensagens de apoio aos manifestantes; o grau de violência escalou rapidamente e levou à morte de cinco pessoas e à detenção de várias dezenas de manifestantes. No final, depois de a Guarda Nacional ter sido chamada, o controlo do edifício foi recuperado e o processo de certificação continuou. Em poucas horas, a vitória de Joe Biden foi oficialmente declarada.

25.ª emenda ou impeachment. Os planos dos democratas (e um republicano) para destituir Trump antes do fim do mandato

Na sequência da invasão, os democratas começaram de imediato a equacionar a possibilidade de destituir o Presidente — primeiro através da possibilidade de Mike Pence invocar a 25.ª emenda da Constituição (declarando que Trump estava incapaz de governar); depois através de um segundo impeachment, por incitar à insurreição. Perante a recusa de Pence em invocar a 25.ª emenda, o Congresso, controlado pelos democratas, avançou para uma acusação de impeachment, aprovada uma semana depois da invasão.

Acusado de “incitamento à insurreição”, Donald Trump vai agora ser julgado pelo Senado, que se reconfigura em forma de tribunal para ouvir os argumentos dos dois lados. Para uma condenação é necessária uma maioria de dois terços dos senadores (o que implica que pelo menos 17 republicanos se juntem aos democratas). Consumada a condenação, pode haver um voto subsequente que determine o impedimento de Trump se voltar a candidatar a cargos federais, em que bastará uma maioria simples — e é aqui que reside o principal objetivo dos democratas e de muitos republicanos. Mas que argumentos estão em jogo?

Acusação aprovada. Trump é o primeiro Presidente dos EUA a sofrer um impeachment duas vezes, com os votos de 10 republicanos

De que é que os democratas acusam Trump?

Exatamente uma semana antes do arranque formal do julgamento, a equipa de acusação — composta por nove congressistas democratas — publicou o resumo preparatório do julgamento, um documento de 80 páginas que inclui os argumentos que a acusação preparou para tentar convencer os senadores a condenar Donald Trump.

Logo na introdução do texto, os congressistas consideraram que o discurso de Trump representou uma “grave traição do seu juramento”, por ter “incitado uma multidão violenta a atacar o Capitólio dos EUA”. Desde os primeiros parágrafos, os democratas deixam claro que a linha base da acusação será simples: com as palavras proferidas uma hora antes da sessão, a algumas centenas de metros do Capitólio, Trump incitou os seus apoiantes à violência. “Quando invadiram o Capitólio, os manifestantes gritaram ‘o Presidente enviou-nos’, ‘enforquem o Mike Pence’ e ‘traidor, traidor, traidor’”, lê-se no texto.

House Delivers Articles Of Impeachment To Senate For Second Trial Of Donald Trump

O congressista Jamie Raskin é o líder da equipa da acusação

Getty Images

Após uma descrição detalhada da invasão do Capitólio (e dos discursos e tweets do Presidente antes, durante e depois da manifestação), os democratas argumentam que “a responsabilidade do Presidente Trump pelos acontecimentos de 6 de janeiro é inequívoca”. A acusação argumenta que Trump violou o seu juramento presidencial, atacou o processo democrático, pôs o Congresso em perigo e minou a segurança nacional.

“Depois de perder a eleição de 2020, o Presidente Trump recusou aceitar a vontade do povo americano. Passou meses a afirmar, sem provas, que ganhou por uma grande maioria e que a eleição foi ‘roubada’. Amplificou estas mentiras a cada oportunidade, procurando convencer os seus apoiantes de que haviam sido vítimas de uma conspiração eleitoral massiva que ameaçava a existência contínua da nação. Mas cada tribunal que apreciou os ataques do Presidente aos resultados eleitorais rejeitou-os”, dizem os democratas.

Para a acusação, é evidente que foi o discurso de Trump na Elipse que motivou o ataque ao Capitólio, que “se desenrolou em direto na televisão perante uma nação horrorizada”. As provas centrais do argumento dos democratas são as próprias palavras de Trump. Com efeito, o resumo prévio inclui largas transcrições do discurso e dos tweets do Presidente, com o objetivo de assinalar a responsabilidade de Trump no incitamento da multidão — e, depois, a inércia na resposta à violência. “Isto é o que acontece quando uma vitória eleitoral esmagadora sagrada é roubada sem cerimónias e tão cruelmente de grandes patriotas que foram injustamente tratados durante tanto tempo. Vão para casa com amor e paz. Lembrem-se deste dia para sempre”, escreveu Trump no Twitter a meio da invasão.

Os democratas salientam ainda que Donald Trump planeou este argumentário com vários meses de antecedência. Recuperando excertos de entrevistas e comícios nos meses que antecederam a eleição, a acusação sustenta que Trump procurou de forma deliberada incutir nos seus apoiantes a ideia de que só se as eleições fossem fraudulentas ele poderia sair derrotado. E quem seria o culpado dessa fraude? “Nunca foi claro quem é que o Presidente Trump culpou por esta alegada fraude — que, segundo ele, foi suficientemente abrangente para afetar o resultado em vários estados diferentes. Em várias ocasiões no fim de 2020, o Presidente Trump acusou uma combinação de responsáveis eleitorais estaduais, eleitores fraudulentos, máquinas de votação alteradas e agentes obscuros não especificados”, procura responder a acusação.

Antecipando um dos principais argumentos da defesa de Trump — a invocação da 1.ª emenda da Constituição, que protege a liberdade de expressão —, os democratas sublinham que aquela emenda “existe para proteger o nosso sistema democrático”. Segundo a acusação, “a 1.ª emenda protege os cidadãos privados do governo; não protege os oficiais do governo da responsabilização pelos seus próprios abusos de poder”.

“Ninguém sugeriria, de modo sério, que um Presidente fosse imune ao impeachment se defendesse publicamente a adoção de um governo totalitário, jurasse uma lealdade eterna a um poder estrangeiro ou defendesse que os estados se separassem e derrubassem a União — embora os cidadãos privados possam ser protegidos pela 1.ª emenda se tiverem um discurso assim”, dizem os democratas.

“A Constituição governa o primeiro dia do mandato do Presidente, o último dia, e todos os momentos entre esses dois dias. Os presidentes não têm direito a cometer crimes perto do final do mandato.”
Resumo da acusação

Embora o cerne do impeachment seja o papel de Trump na invasão do Capitólio em 6 de janeiro, grande parte da discussão neste julgamento andará em torno de uma questão legal: afinal, o Senado tem ou não jurisdição para julgar um Presidente que já não está em funções?

Os democratas dedicam uma boa parte das 80 páginas do documento prévio ao julgamento a abordar esta questão. “O Presidente Trump cometeu este alto crime e delito durante os seus últimos dias no cargo. Dada a clareza das provas e a enormidade da sua má conduta, a Câmara dos Representantes aprovou um artigo de impeachment por incitamento à insurreição. Agora, algumas semanas depois, o Presidente Trump argumenta que não tem qualquer propósito sujeitá-lo a um julgamento e que o Senado não tem jurisdição para o fazer. Ele está errado”, dizem. “A Constituição governa o primeiro dia do mandato do Presidente, o último dia, e todos os momentos entre esses dois dias. Os presidentes não têm direito a cometer crimes perto do final do mandato.

Além disso, defendem os democratas, há vários exemplos na história norte-americana que mostram que é possível submeter ex-políticos ao processo de impeachment, já que um dos grandes objetivos do processo é o de impedir o prevaricador de se voltar a candidatar. É o caso do senador William Blount, que foi o primeiro responsável político norte-americano a sofrer um impeachment. Aconteceu entre 1797 e 1798: depois de formalmente acusado pela Câmara dos Representantes, foi expulso do Senado, mas, no ano seguinte, o Congresso levou a cabo o julgamento. Embora o caso tenha sido, depois, arquivado, os democratas assinalam que aquele episódio mostra que o Senado tinha jurisdição para julgar Trump.

Em 1876, outro caso demonstrou-o de modo ainda mais claro. Naquele ano, o secretário da Guerra, William Belknap, demitiu-se depois de ter sido implicado num esquema de corrupção. Depois da demissão, a Câmara dos Representantes aprovou uma acusação de impeachment contra ele, mas Belknap argumentou — como agora argumenta Trump — que o Senado já não teria jurisdição para o julgar. Confrontado com diferentes argumentos, o Senado decidiu então discutir e votar sobre se poderia ou não julgá-lo. Após duas semanas de discussão, a câmara alta do Congresso decidiu, numa votação de 37 contra 29, que tinha jurisdição sobre o ex-secretário — que foi julgado e, depois, absolvido.

Já no século XX, dois casos de juízes que foram sujeitos a um impeachment e julgados no Senado devido à sua conduta em mandatos anteriores ou antes da resignação mostram, no entender dos democratas, que a prática de julgar ex-detentores de cargos públicos tem sido consistente desde o século XVIII. O documento termina com um apelo aos senadores de ambos os partidos: “O Senado deverá deixar claro aos americanos que está pronto a protegê-los de um Presidente que provoca violência para subverter a nossa democracia”.

Quais são os argumentos da defesa de Trump?

Do lado da defesa de Donald Trump estarão dois advogados que, até hoje, ainda não trabalharam juntos. Um deles é David Schoen, um advogado de direitos civis do Alabama que já trabalhou em dezenas de casos relacionados com eleições e interesse público — e que, em 2002, representou o Ku Klux Klan num processo com o objetivo de permitir a organização de uma marcha do grupo supremacista branco no Alabama. Judeu observante, Schoen chegou a fazer um pedido formal — que entretanto retirou — para que o julgamento não se realizasse durante o Shabat (entre o pôr-do-sol de sexta-feira e o nascer do sol de domingo), o que poderia contribuir para que o julgamento acelerasse e terminasse ainda esta semana — ou então que se prolongasse ainda mais no tempo, já que a próxima semana deveria ser, de acordo com o calendário oficial, de pausa no Senado.

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A defesa de Donald Trump rejeita que as palavras de Trump perante esta multidão tenham encorajado a mesma multidão a invadir o Capitólio

AFP via Getty Images

O outro advogado é Bruce Castor, jurista especializado em defesa criminal que ficou conhecido, essencialmente, por ter decidido não acusar o ator e apresentador Bill Cosby em 2005. Na altura, Bruce Castor era procurador distrital e, quando uma mulher acusou Bill Cosby de a ter drogado e de ter abusado sexualmente dela, o jurista decidiu não avançar com o processo. Em 2018, Bill Cosby foi condenado a uma pena de prisão de até 10 anos pela violação daquela mulher. No julgamento, Bruce Castor foi ouvido como testemunha de defesa.

Duas horas depois da divulgação do documento de 80 páginas por parte da acusação, os dois advogados de Trump publicaram um primeiro documento com os principais argumentos da defesa, a que esta semana se somou um novo texto, mais completo, mas com a mesma ideia de base: o julgamento é um “teatro político” que nunca teve como objetivo a verdadeira busca pela justiça e não deve sequer acontecer.

Os advogados de Trump apresentam múltiplos argumentos. Logo à partida, o expectável argumento constitucional baseado na ideia de que Trump não pode ser julgado pelo Senado por já não ser Presidente: “A provisão constitucional requer que a pessoa esteja efetivamente num cargo público para ser alvo de impeachment. Como o 45.º Presidente já não é ‘Presidente’, a cláusula ‘deverá ser destituído do cargo por impeachment por…’ é impossível de ser alcançada pelo Senado.” Ou seja, Trump “não tem qualquer cargo do qual possa ser destituído” — e a perspetiva de destituição é um “pré-requisito” para um julgamento por impeachment.

De acordo com as informações mais recentes, o julgamento — cujo calendário ainda não está definido — arrancará esta terça-feira precisamente com um debate de quatro horas sobre a questão constitucional: pode ou não o ex-presidente ser julgado pelo Senado? No fim do debate, os senadores votam — e a decisão pode determinar se o resto do julgamento avança ou não.

Ao mesmo tempo, a defesa de Trump nega que o ex-presidente tenha cometido qualquer crime. “Pelo contrário, em todos os momentos, Donald J. Trump executou completa e fielmente os seus deveres como Presidente dos Estados Unidos e, em todos os momentos, agiu de acordo com o melhor das suas capacidades para preservar, proteger e defender a Constituição dos EUA, nunca se envolvendo em crimes ou delitos”, dizem os advogados, insistindo novamente que Trump é agora um “cidadão privado”, pelo que “o Senado não tem jurisdição sobre a sua competência para deter um cargo público”.

Como antecipado pela equipa da acusação, os advogados de Donald Trump recorrem também ao argumento da liberdade de expressão para defender o ex-presidente: “O 45.º Presidente exerceu o seu direito garantido pela 1.ª emenda da Constituição para expressar a sua crença de que os resultados eleitorais eram suspeitos, já que, com algumas exceções, sob o conveniente disfarce das ‘medidas’ da pandemia da Covid-19, as leis eleitorais e os procedimentos dos estados foram alteradas por políticos locais ou por juízes sem as necessárias autorizações das legislaturas estaduais”.

Curiosamente, os advogados de Trump não repetem as acusações infundadas ditas pelo ex-presidente durante os dois meses que se seguiram às eleições ganhas por Joe Biden. Antes, optam por um discurso mais cauteloso: “As provas são insuficientes para que um jurista razoável possa concluir que as declarações do 45.º Presidente são precisas ou não, e ele nega que sejam falsas”. E acrescentam: “Como todos os americanos, o 45.º Presidente está protegido pela 1.ª emenda.” Por isso, dizem os advogados, Trump não pode ser culpado dos crimes cometidos por “um pequeno grupo de criminosos”.

Mais à frente, mesmo admitindo que o discurso de Trump possa ser alvo de escrutínio por parte do Senado, os advogados rejeitam que as palavras do ex-presidente tenham, de algum modo, influenciado a violência no Capitólio. “Nega-se que a frase ‘se não lutarem como o inferno não vão voltar a ter um país’ tenha alguma coisa a ver com o que aconteceu no Capitólio, uma vez que a frase era claramente sobre a necessidade de lutar pela segurança das eleições no geral, como o prova a gravação do discurso”, dizem os advogados, rejeitando também “que o Presidente Trump tenha tentado interferir com a contagem dos votos”.

Imediatamente após sustentarem que Trump não tentou interferir com o procedimento do Congresso, os advogados do ex-presidente procuram rejeitar a ideia de que a certificação dos votos seja um mero formalismo, cujo destino está decidido à partida. Segundo a defesa, o propósito da sessão era que “os membros do Congresso cumprissem o seu papel de se assegurarem de que os votos do Colégio Eleitoral foram devidamente submetidos, e que quaisquer contestações fossem devidamente abordadas ao abrigo das regras do Congresso”.

“A provisão constitucional requer que a pessoa esteja efetivamente num cargo público para ser alvo de impeachment. Como o 45.º Presidente já não é ‘Presidente’, a cláusula ‘deverá ser destituído do cargo por impeachment por…’ é impossível de ser alcançada pelo Senado.”
Resumo da defesa

“O dever do Congresso, portanto, não era apenas o de certificar a eleição presidencial. O seu dever era, em primeiro lugar, o de determinar se a certificação do voto da eleição presidencial estava garantida e era permitida sob as suas regras”, termina a defesa de Trump.

Os advogados do ex-presidente abordam ainda outro dos principais tópicos das acusações dos democratas: o telefonema feito por Donald Trump ao secretário de Estado da Geórgia com pressões para “encontrar 11.780 votos” que lhe garantissem a vitória naquele estado. Admitindo que o conteúdo da chamada corresponde à gravação divulgada, os advogados argumentam que é preciso contextualizar — Trump dizia apenas que se o responsável eleitoral analisasse bem as provas encontraria vários votos fraudulentos.

No documento mais recente, publicado pela defesa já nesta segunda-feira, os advogados de Trump dedicam-se essencialmente a desconstruir os argumentos expostos na semana passada pela acusação. “Esta é apenas mais tentativa egoísta da liderança democrata na Câmara dos Representantes de perseguir os sentimentos de horror e confusão que caíram sobre todos os americanos, de uma ponta à outra do espectro político, depois de verem a destruição no Capitólio, no dia 6 de janeiro, por algumas centenas de pessoas”, diz a equipa de Trump, acusando os democratas de “desonestidade intelectual” e de nunca terem verdadeiramente procurado a justiça neste caso.

Que expectativas para o desfecho do segundo impeachment?

Em 2020, Donald Trump acabou absolvido dos crimes que lhe eram imputados no caso das alegadas pressões sobre o governo ucraniano. Na altura, o desfecho parecia definido à partida: era certo que os republicanos defenderiam o Presidente. Desta vez, a situação parecia mais incerta, com vários republicanos a distanciarem-se de Donald Trump na sequência da violência no Capitólio. Até à última semana, uma das grandes questões em torno do impeachment prendia-se com a dúvida central: iria Trump estar presente ou defender-se pessoalmente durante o processo? Na quinta-feira passada, a dúvida desfez-se — Trump recusa testemunhar “num processo inconstitucional”.

Congress Holds Joint Session To Ratify 2020 Presidential Election

É dentro da câmara do Senado, onde se verificou este cenário no dia 6 de janeiro, que será tomada a decisão final sobre o julgamento de Trump

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O Partido Republicano parece fundamentalmente dividido sobre a melhor forma de seguir em frente: há quem considere que é necessário responsabilizar Trump, quem sustente que um processo apressado trará mais problemas à credibilidade do Congresso do que benefícios, e ainda quem acredite que a destituição e proibição de se voltar a candidatar será um bom plano para afastar Trump do partido. A estratégia da acusação vai, por isso, centrar-se essencialmente numa argumentação rápida e incisiva, com recurso à exibição de muitas provas em vídeo, e direcionada, naturalmente, aos senadores republicanos, procurando convencê-los a agir contra Trump com base na revolta que sentiram ao assistir à invasão do dia 6 de janeiro.

Contudo, de acordo com uma contabilização de intenções de voto atualizada no fim-de-semana pelo The New York Times, parece improvável que o julgamento acabe em condenação. Pelo menos 36 senadores republicanos já tinham, até esta semana, falado publicamente sobre como pensam votar na decisão final, mostrando-se inclinados a absolver Trump. Isso significa que só sobram 14 senadores republicanos ainda indecisos — quando seriam necessários pelo menos 17 que votassem alinhados com os democratas para uma maioria de 67 votos (dois terços dos 100 senadores).

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