Manter o foco e intensificar o trabalho junto dos eleitores. Mesmo com o país político a banhos, André Ventura entende que existe o risco real de eleições antecipadas e que o partido não pode ser apanhado de surpresa nesse cenário. Segundo apurou o Observador, isto mesmo foi transmitido pelo líder do Chega numa reunião com os deputados no Parlamento, o que faz antecipar um processo negocial muito duro: mesmo com todos os riscos associados, Ventura não estará disposto a ceder a Luís Montenegro a qualquer preço. Se tiver de haver eleições, assim será.
Por paradoxal que possa parecer, o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter promulgado os diplomas que a aliança PS-Chega conseguiu fazer aprovar contra a vontade de Montenegro acabou por dar munições ao Governo, que agora vai alimentando a narrativa de que a oposição não pode votar contra um Orçamento do Estado que incorpora medidas que a própria oposição defende e fez aprovar. Publicamente, Pedro Nuno Santos e André Ventura têm tentado combater essa tese, dizendo que o Governo está deliberadamente a misturar planos e que, se quer efetivamente salvar o Orçamento, continua obrigado a negociá-lo.
Foi isso mesmo que o líder do Chega afirmou na última sexta-feira.”O Governo está a criar uma confusão no Parlamento e no país. Quer vitimizar-se, dando a entender que alguns partidos no Parlamento aprovaram medidas muito caras que o Governo não consegue agora cabimentar nem colocar no Orçamento e quer usar isto como trunfo orçamental”, condenou Ventura. Dias antes, quando comentou a decisão de Marcelo, o líder do Chega já tinha avisado: “O Governo não pode dizer que já não vai olhar para as propostas de mais nenhum partido. Que não use este argumento [o da promulgação] como forma de fechar os bolsos”.
[Já saiu o primeiro episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor.]
O Chega continua mergulhado no mesmo “dilema” difícil de resolver. “Ou damos ao Governo dois anos para ir gerindo a coisa, dando uns tostões a uns e a outros; ou vamos para novas eleições. As duas hipóteses comportam muitos riscos“, sintetiza um influente deputado do Chega, em declarações ao Observador. De resto, mesmo no interior do partido, há posições para todos os gostos. Há quem entenda que seria um suicídio político ser responsável por uma crise que “ninguém quer”; há quem defenda que o Chega não pode ceder a um primeiro-ministro que mantém um humilhante “não é não”; e quem sugira que são precisos mais dados antes de tomar qualquer decisão.
“Estamos a jogar xadrez com o Luís Montenegro e a coisa não está a correr de forma perfeita”, admite ao Observador um elemento do Chega. “Estamos numa fase em que o cenário de eleições não interessa a ninguém. Existindo algumas cedências, acho que deveríamos viabilizar o Orçamento do Estado. Temos de ser responsáveis. Se não o fizermos, ficaremos numa situação política muito delicada. Passaríamos uma imagem de irresponsabilidade. Chegámos à idade adulta e temos de ser adultos“, defende a mesma fonte.
Existe um argumento de peso que ajuda a validar esta tese. Historicamente, os partidos que provocam crises políticas (ou que, pelo menos, são percecionados como causadores de crises políticas) são penalizados nas urnas. Nas últimas eleições legislativas, o Chega disparou para os 50 deputados e há quem no partido tema que as europeias tenham sido um aviso à navegação: se Ventura tentar derrubar Montenegro, o Chega poderia agora cair para os “19 ou 20 deputados“.
A este argumento junta-se um outro: o Governo tem conseguido aprovar medidas que apelam diretamente a alguns dos segmentos eleitorais mais importantes do Chega. No passado foram as forças de segurança e os oficiais de justiça, esta semana foi a vez de as Forças Armadas verem as suas carreiras remuneratórias valorizadas. Além disso, Montenegro tem segurado a sua equipa e evitado escorregar em casos e casinhos. Parece existir — pelo menos, assim sugerem as sondagens — um clima favorável e um efeito de benefício da dúvida que protege o primeiro-ministro. “Seria um erro enorme ir contra o Orçamento”, alerta a mesma fonte.
O risco de perder a espinha dorsal do partido
Existe quem, no Chega, discorde profundamente desta avaliação. “Temos de fazer exigências muito aprofundadas para o Luís Montenegro dar o braço a torcer. As coisas são simples. Há uma maioria absoluta à direita. Se Luís Montenegro quiser assumir que precisa do Chega, se aceitar as nossas bandeiras, se isso for manifestamente público, há possibilidade de passarmos o Orçamento. Se continuar com esta teimosia, não estou a ver nenhuma maneira de votarmos a favor”, atira um destacado dirigente do Chega.
O caminho que se apresenta pela frente não é fácil, admite a mesma fonte. Mas a alternativa — passar a imagem de que o Chega se vende a qualquer preço por medo de ir a votos — não é válida. “O nosso eleitorado não iria compreender isso. E André Ventura já disse que era muito importante passarmos o verão com ações políticas, porque não era certo que o Orçamento passasse. Avisou que não iria aprovar o Orçamento do Estado só nesse cálculo político e para que nos preparássemos, porque poderiam estar em causa eleições antecipadas.”
Para quem defende a tese de que o Chega tem de fugir a qualquer custo do abraço de urso de Luís Montenegro, o melhor que poderia acontecer ao partido era ver Pedro Nuno Santos a salvar o Governo e a libertar o Chega do fardo de ter de segurar o primeiro-ministro, o que permitiria alimentar a narrativa do “bloco central de interesses” e de como o PS e o PSD se protegem sempre.
Em alternativa, uma eventual abstenção dos socialistas também daria algum conforto ao Chega, que poderia fazer o mesmo — nesse caso, Montenegro ganhava mais uma vida, Ventura e Pedro Nuno lavavam as mãos com uma abstenção tímida. Ficavam todos na mesma fotografia. Mas para isso é preciso que o PS dê esse passo e ninguém, neste momento, pode jurar que os socialistas o venham a fazer. Existe o risco real de os dois — Pedro Nuno e Ventura — ficarem à espera um do outro, radicalizando posições, ao ponto de ficarem sem margem de recuo. Nessa altura, seria demasiado tarde para dar a mão a Montenegro sem dar um mortal à retaguarda.
No Chega, quem se inclina para esta opção acrescenta outro argumento de peso: “Vamos assinar por baixo uma política que não é a nossa? Seríamos arrastados e perderíamos o núcleo duro do nosso eleitorado”, aponta um influente elemento do partido. De acordo com esta tese, os eleitores verdadeiramente fiéis ao partido, que representarão os 8 a 9% das europeias, nunca aceitariam que o partido claudicasse e cedesse à chantagem de Montenegro. O restante eleitorado, os votos flutuantes, poderiam desaparecer, mas seriam recuperáveis; não o núcleo eleitoral do partido.
Impedir que Montenegro se consolide no poder
Além disso, existe outro aspeto que preocupa quem pensa a estratégia política do Chega. A história nem sempre se repete, é verdade, mas desde os governos de Aníbal Cavaco Silva, período que marcou o início da estabilização política do país, só dois primeiros-ministros perderam eleições legislativas, Pedro Santana Lopes e José Sócrates, ambos em circunstâncias absolutamente excecionais. Ou seja, o incumbente, quem está no poder, tem sempre vantagem sobre a concorrência. O que quer dizer que a tendência é que seja cada vez mais difícil derrotar Luís Montenegro.
“Vamos dar dois anos ao Governo e permitir que Luís Montenegro se consolide no poder? Com dois anos, vai conseguir consolidar-se e vai continuar a tocar nos nossos segmentos eleitorais. O nosso dilema começa aí. É um enorme risco”, aponta um membro do núcleo duro do Chega, referindo-se ao elemento que condiciona todos os cálculos políticos que se vão fazendo neste momento: se conseguir aprovar este Orçamento, se conseguir evitar uma crise política agora, e uma vez que Marcelo Rebelo de Sousa ficará impedido de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas, Montenegro ganha a oportunidade de governar, pelo menos, até aos primeiros meses de 2026.
“É muito tempo”, desabafa a mesma fonte. “Teremos de esperar por mais dados e perceber como a situação evolui até ao momento da votação. Mas qualquer decisão comporta muitos riscos e nenhuma delas será fácil”, remata. André Ventura tem até setembro, altura em que serão retomadas as negociações orçamentais, para perceber que próximos passos deve dar. Mas chegará o momento em que tem de escolher um caminho: ou faz parte da solução ou da oposição. Não tem saídas fáceis.