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O deputado do Partido Socialista (PS) Pedro Delgado Alves, intervém na sessão plenária para a discussão e votação na generalidade da proposta do Governo e dos projetos do PSD, Chega e PCP sobre acesso a metadados para fins de investigação criminal, na Assembleia da República, em Lisboa, 03 de junho de 2021. ANTÓNIO COTRIM/LUSA
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Pedro Delgado Alves é agora deputado pelo PS

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Pedro Delgado Alves é agora deputado pelo PS

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Vice da bancada do PS fez consulta prévia a empresas com os mesmos sócios. Auditoria expõe contas de Delgado Alves como autarca

O atual executivo PSD/CDS do Lumiar pediu auditoria ao mandato anterior. Esta revela que vice da bancada do PS não realizou concursos públicos e fez consulta prévia a empresas com os mesmos sócios.

Vinte cinco mil euros de faturas “sem compromisso”, contratos sem formalização legal, tetos legais do valor para ajuste direto ultrapassados e ainda procedimentos de contratação pública viciados. Uma auditoria pedida à BDO & Associados, uma sociedade de revisores oficiais de contas, pela atual gestão da junta do Lumiar (PSD/CDS), liderada por Ricardo Mexia, arrasa por completo o mandato do anterior executivo da maior freguesia de Lisboa, liderado pelo vice-presidente da bancada do PS, Pedro Delgado Alves. O socialista, em declarações ao Observador, desvaloriza as conclusões da auditoria e fala em “erros metodológicos“.

A auditoria, à qual o Observador teve acesso e que foi em parte revelada pela revista Sábado na quarta-feira, aponta várias falhas a procedimentos de contratação pública durante o anterior mandato (2017-2021). Uma das conclusões que salta à vista: a total ausência de procedimentos de contratação pública sob a modalidade de concurso público. Comparativamente a outros procedimentos, o concurso público é mais exigente — pois obriga a uma maior transparência por parte de quem contrata o serviço.

A consulta prévia em que as três empresas têm (ou tiveram) sócios em comum

Mas mesmo nos instrumentos utilizados há falhas a apontar: “Foram ultrapassados os limites” legais para três modalidades a que a junta recorreu (ajuste direto, ajuste direto simplificado e consulta prévia). Há um caso de uma consulta prévia — uma forma de contratação que obriga a que sejam consultadas três diferentes entidades — em que o executivo liderado por Pedro Delgado Alves convidou duas que têm sócios em comum.

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O Observador cruzou os atos societários divulgados pelo Ministério da Justiça e os contratos publicitados no site Base.gov e confirmou que se verifica a situação descrita na auditoria. Além disso, a terceira empresa convidada já tinha sido gerida por um dos sócios que integra as outras duas sociedades. Isto vicia, desde logo, a consulta prévia e subverte o objetivo desta: conseguir a melhor oferta para o Estado entre concorrentes habilitados. A auditoria pedida pelo executivo tem, no entanto, aqui uma falha: não se trata de um “concurso limitado por prévia qualificação”, como diz o documento, mas sim uma consulta prévia.

Olhando para o contrato em concreto, está em causa a contratação de apoio logístico à edição de 2018 das Festas do Lumiar, para as quais o executivo do PS convidou três empresas. A Roadwork Lda., uma empresa de construção civil, foi a escolhida. O contrato é assinado pelos dois gerentes da sociedade por quotas, Filipe Feijão e Júlio Feijão, como se verifica no contrato final publicado no Portal Base. É possível identificar ainda uma terceira sócia no ato societário disponibilizado publicamente, Maria Feijão.

A contratação dos serviços para a festa popular até podia ser regular, não fosse a segunda concorrente à contratação pública, a Tecnoprogresso Lda., ser uma empresa constituída com os mesmos sócios da primeira: Filipe, Júlio e Maria (todos de apelido Feijão). Neste caso, a gerência da empresa era ocupada por Maria Feijão.

Já em relação à empresa Novas Vias, a terceira concorrente convidada, há um nome familiar: até 2016, o gerente da sociedade foi Júlio Feijão. O antigo presidente da Junta do Lumiar diz que a junta não sabia que as empresas tinham os mesmos sócios, algo que o Observador detetou numa pesquisa online de alguns minutos no portal do Ministério da Justiça. Ainda assim, Delgado Alves insiste que “não era possível o acesso ao Registo Central dos Beneficiários Efetivos (que permite a verificação de relações entre concorrentes), uma vez que o registo não tinha sido regulamentado e entrado em vigor”.

O socialista entende que o critério para a escolha das empresas terá sido o das que “haviam prestado esse tipo de serviço de apoio logístico”. E entende ainda que o valor em causa, cerca de 15 mil euros, estava até “abaixo do limiar que permite o recurso ao ajuste direto (20 mil euros), tendo a opção pela consulta prévia representado uma escolha de procedimento com mais intervenientes do que o obrigatório”. Não explica, no entanto, a razão de ter recorrido à consulta prévia. O Observador contactou a Roadwork, mas a empresa que venceu o concurso não quis prestar declarações.

As faturas sem compromisso e uma guerra partidária pelo meio

Outro dos problemas identificados pela auditoria é a existência de “faturas sem compromisso”, no valor de ​​25 mil euros. “Sem compromisso” significa que as faturas não estão enquadradas nas despesas previstas para esta entidade pública. Este ponto foi, aliás, uma das razões que levou o atual presidente da junta de freguesia do Lumiar, Ricardo Mexia, a pedir uma auditoria à gestão do antecessor.

Ricardo Mexia, atual presidente da Junta do Lumiar, garante que o seu executivo recebeu faturas sem "processo de contratação nem o compromisso que permite fazer o pagamento”.

Mexia deparou-se com a dificuldade em encontrar procedimentos de contratação que deviam estar associados a faturas que estão a ser cobradas durante o seu mandato, mas que tinham sido emitidas pelo executivo anterior. ”Há várias questões que nos preocupam, inclusive chegar-nos uma fatura e não termos o processo de contratação nem o compromisso que permite fazer o pagamento”, diz ao Observador o atual autarca.

Ricardo Mexia pediu mesmo esclarecimentos à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo em relação à liquidação destas dívidas, mas concluiu que a única via de pagamento é a judicial. “O que dissemos aos credores foi que este é o mecanismo — alguns aguardam a deliberação do Tribunal para liquidar a despesa, mas para um pequeno prestador o que pode gastar com o processo em tribunal pode não compensar”, diz o autarca.

Ricardo Mexia, o atual presidente da junta do Lumiar, a maior de Lisboa

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Delgado Alves diz que não fez concursos públicos porque é processo “pesado e demorado”

Pedro Delgado Alves, atualmente deputado na Assembleia da República, diz que respeita a decisão do atual executivo pedir a auditoria, já que esta pode ser um meio de “identificação de melhorias a introduzir na gestão administrativa”. No entanto, lamenta que os membros do anterior executivo não tenham sido ouvidos ou consultados no decurso da mesma, garantindo que desde a tomada de posse dos novos órgãos, em outubro de 2021, os anteriores titulares do executivo “manifestaram a sua total disponibilidade para continuar a prestar informação que se revelasse necessária e útil, disponibilidade essa que mantêm e reiteram”.

O socialista nota ainda que, desde 2013, que as contas da freguesia do Lumiar são objeto de revisão oficial, por profissionais designados pela Assembleia de Freguesia, “que não suscitaram questões de natureza contabilística ou relativas aos procedimentos de contratação que surgem referidos no relatório”.

Pedro Delgado Alves diz que nunca recorreu a concursos públicos porque este é um processo "mais pesado e mais demorado"

Já em relação ao facto de nunca ter feito qualquer concurso público ao longo de todo o mandato, o ex-autarca assinala que “foi sempre em função do cumprimento das normas legais que foi conduzida a escolha de cada procedimento”. Pedro Delgado Alves garante que o “volume, perfil dos serviços e o tipo de contratação pública da freguesia” nunca determinou no mandato em análise a necessidade de recurso obrigatório ao concurso público — que classifica como um procedimento “mais pesado e demorado”, tendo em conta “as necessidades de gestão quotidiana e fragmentárias de uma Freguesia”.

Ainda sobre as críticas feitas na auditoria aos procedimentos de contratação pública no seu mandato, o socialista reitera que o relatório contém “erros metodológicos quanto a esta avaliação”. Isto porque o mandato em causa tem dois períodos diferentes em matéria de contratação pública e a lei aplicável foi substancialmente alterada em 2017. Para Delgado Alves, estas mudanças não foram tidas em conta.

Ricardo Mexia, o atual chefe do executivo do Lumiar, informou que o resultado da auditoria foi encaminhado para o Tribunal de Contas para que se verifique se existe alguma conclusão que careça de apreciação nesta instância.

A auditoria é também um reflexo da mudança de cor da junta. Em 2021, o Lumiar foi uma das principais baixas registadas pelos socialistas nas eleições autárquicas. Pedro Delgado Alves perdeu a junta que liderava há oito anos para Ricardo Mexia — candidato a autarca e diretor da campanha da Coligação “Novos Tempos”. Cinco meses depois de tomar posse o atual executivo social-democrata pediu uma auditoria externa à gestão do antecessor.

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