O número 7 há muito que se havia metido em pontas dos pés para discutir protagonismos com o divino 10, por isso muitos o queriam. Vítor Paneira usou o sete tantas e tantas vezes no Benfica e depois no Vitória, em Guimarães. Na caminhada para o Euro-96, em Inglaterra, Paneira fartou-se de jogar à bola, com as arrancadas do costume, os cruzamentos e os cinco golos no campeonato. Mereceu, pois claro, a chamada de António Oliveira. Mas mereceu mais do que isso: a camisola 7. O talentoso Luís Figo, já no Barcelona, jogava pela direita e recebeu o número 20. Talvez isto ajude a perceber o peso deste homem naquela altura do futebol português.

Já se sabe, o que sobe, desce, por isso Vítor Paneira desceu. Ou seja, não chegou a estrear esse mágico número 7 nos relvados ingleses, que pediam aquelas arrancadas e compromisso habituais. Essa angústia ainda o acompanha, porque, diz, “estava numa fase extraordinária” da carreira, até porque havia sido dos “melhores jogadores do campeonato”, “o rei das assistências”.

Há 20 anos, na segunda presença em Campeonatos da Europa, Portugal ameaçou imitar o que havia feito na estreia, em 1984, quando chegou às meias-finais (perdeu com França de Platini, 2-3). Os meninos de António Oliveira ganharam o Grupo D, com o então campeão da Europa, a Dinamarca de Laudrup (1-1) e a Croácia de Boban e Suker (3-0). A Turquia (1-0) acabou na última posição. O vento estava a favor e aquela seleção com pinta para seguir em frente. Seguia-se a República Checa de Kouba, Nedved, Berger, Kuka e… Karel Poborsky. Pois bem, foi exatamente o futuro jogador do Benfica que borraria a pintura lusitana, com um golo que ficaria em loop se o Olimpo tivesse YouTube. Aos 53′, a bola fugiu ao carrinho de Rui Costa; a seguir o corte de Paulo Sousa bateu nas pernas de Oceano e enganou aquela gente toda, inclusivamente Fernando Couto. E depois, bom… depois é história. Poborksy foi o nosso Panenka. Que golo, senhores.

Quantos nomes chamou ao Poborsky?

(Risos) Naaah… Fizemos um jogo bem conseguido, foi um golo fabuloso, cheio de intenção, só ao nível dos grandes jogadores. Ficámos frustrados por termos sido eliminados como fomos. Não lhe chamei nomes, muito pelo contrário. Reconhecemos todos, é um golo digno dos predestinados.

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Em março de 98 até jogou contra ele num Vitória-Benfica. Aproveitou para lhe dar alguma ‘festinha’?

(Mais risos, escapando à história das festinhas) O Benfica marcou no último minuto, não foi?

Sim, foi o Sánchez…

Pois, recordo-me bem porque estávamos a disputar o segundo lugar com eles. Foi depois de um lançamento lateral, uma transição rápida do Sánchez. Culpa nossa, resultou no último minuto. Deu vantagem ao Benfica na liga, que acabou em segundo lugar.

O Vítor não jogou nem um minuto no Euro-96. Como é que se engole essa?

Eh, pá… Fiquei frustrado. Fui dos melhores jogadores do campeonato, fui o rei das assistências. Estava numa fase extraordinária da carreira. Havia um meio-campo fabuloso da seleção, havia uma transição de geração, de jogadores de grande talento e qualidade a nível mundial. Saí frustrado por não ter jogado, teria sido um marco da minha carreira.

O António Oliveira justificou a opção?

Não, nem acho que tinha de justificar. Mas foi um amargo de boca…

Quem era o craque daquela seleção?

O Figo… O João Pinto, o Rui Costa, eram grandes talentos. O Vítor Baía estava na transição de FC Porto para Barcelona. Mas o Figo era aquele que tinha mais impacto a nível internacional, já estava no Barcelona.

Era um rival complicado…

Eu até jogava mais por dentro naquela fase, o Figo estava à direita. Uns meses antes eu era titular. Deixei de ser titular na seleção quando saí do Benfica. Acredito que isso tenha tido peso, independentemente do talento que havia. Havia uma série de jogadores. Mas, pelo menos, ter jogado um bocado teria sido gratificante e merecido. Não digo contra a República Checa [quartos-de-final], mas noutro.

Havia algum líder destacado no balneário?

Eram todos responsáveis, era uma seleção de grande talento, com jogadores que faziam a diferença. Era já outra mentalidade, outro espírito. Foi importante. Este espírito de ser uma seleção a funcionar como um clube de todos parece-me que acontece por essa geração. A partir daí ganha-se cumplicidade com a seleção.

A equipa chegou unida ou havia feridas do campeonato?

Não, não havia, independentemente dos clubes. Há muitos anos poderia haver grupinhos, mas ali não. Ali estava tudo a puxar para o mesmo lado, todos tinham a ganhar. A seleção era de todos.

Na altura apenas cinco jogadores (Fernando Couto, Rui Costa, Paulo Sousa, Luís Figo e Jorge Cadete) estavam no estrangeiro. Isso fazia diferença? O que traziam eles de novo?

Acima de tudo vinham com saudades de representar a seleção, de jogar com os portugueses, para portugueses. Partilhavam todas as suas aventuras do seu estrangeiro. Vinham partilhar connosco também as suas vivências.

Na altura ainda não vinham grandes talentos internacionais para o nosso campeonato. Como foi ver jogadores como Boban, Suker e Laudrup de perto? Houve alguém que lhe enchesse o olho?

O Poborsky acaba por ficar na retina, pelo que faz naquele Europeu. E depois até acaba por vir para o Benfica também. A República Checa fez um campeonato espetacular, vai à final [perde com Alemanha] e percebemos que havia muito talento. Houve também algumas desilusões, como a própria Espanha, que esteve um pouco aquém do que era o seu futebol. Recordo-me que a Alemanha também não se apresentou na sua melhor fase

E houve algum episódio mais desconhecido?

Tivemos uma história gira. A Itália foi a maior desilusão do Europeu. Quando passámos à fase seguinte, fomos para onde estavam os italianos, que tinham sido eliminados. Ficámos com o que os italianos tinham preparado para o resto do Europeu. Recordo-me que tinham feito campos especiais para treinar em espaços reduzidos e fechados, para haver treinos de grande intensidade e reação. Eles não nos queriam ceder o espaço, houve algum conflito, mas as federações acabaram por resolver. Acabámos por desfrutar.

Apenas Alfredo, Oceano, Tavares e o Vítor tinham chegado aos 30 anos. Davam conselhos aos mais novos? Eles ouviam? Luís Figo, por exemplo, tinha 23 anos…

Começa-se a perceber aí a tal transição de geração. Havia claramente respeito, pelo nosso passado. E ao meu também, pelos muitos anos de Benfica. Havia muita consideração, havia muito respeito.

Como foi a ressaca desse Europeu. Acordava nas férias a pensar naquilo ou passou rápido?

A minha esposa estava grávida. A minha filha nasceu logo a seguir ao Europeu, por isso não foi possível ir para muito longe. Ficámos condicionados. Acabámos por ficar mais próximos de casa, em Famalicão. Quanto a pensar no Europeu, acabámos por regressar mais cedo, acabámos a pensar que ainda poderíamos estar naquela final. Tínhamos uma equipa fabulosa, e vencer o Europeu em Inglaterra teria sido extraordinário. Durante mais dez e 15 dias tivemos aquele pensamento de que poderíamos ter ido mais longe. Pensa-se sempre, quer se queira, quer não.

Isto tudo já foi há 20 anos. O futebol mudou muito?

Mudou tudo, especialmente a mentalidade, o rigor, o profissionalismo. É tudo muito mais fechado, as equipas concentram-se mais, passam mais tempo juntas. Quase todos os clubes têm centros de estágio, zonas de treinos, locais fixos. Mudou para melhor, está mais rápido. A mentalidade alterou-se desde aí.

O Vítor estava em Guimarães. Era mais fácil ir à seleção jogando em equipas menores naquela altura?

Não era fácil ir à seleção. Tinham de ser jogadores com talento e com passado. Estive lá por muito do que fiz nessa época, em Guimarães, e nas outras antes, no Benfica.

Essa época correu bem, com o Vitória a terminar em quinto lugar. Lembra-se por que razão o Vítor Oliveira, o homem das subidas hoje em dia, saiu em dezembro?

Foi uma grande recuperação. Não era fácil com grandes equipas como Belenenses, Marítimo e Braga, que jogavam sempre para ir à Europa. Fizemos uma segunda volta fabulosa, fomos a melhor equipa. E fomos à Europa. Quanto ao Vítor Oliveira, ele sai porque, primeiro temos uma entrada fortíssima no campeonato com ele, mas depois as coisas não foram correndo muito bem. O Vítor Oliveira, sendo uma pessoa de grande caráter e ideias firmes e seguras, acaba por criar um conflito com o [presidente] Pimenta Machado e saiu do clube. Depois entrou o professor Manuel Machado [atualmente no Nacional], poucos jogos, para a seguir entrar Jaime Pacheco. Depois aí percebe-se a qualidade. Jaime Pacheco ainda agora disse que deve ter sido a melhor equipa que treinou até hoje, que tinha pena dos adversários porque aquela ala direita desmoralizava qualquer equipa. Era o Zé Carlos, Capucho e eu…

Nesse ano o Vitória até jogou contra o Barcelona de Johan Cruijff e Pep Guardiola. Aquilo era outro campeonato ou não?

Sim, perdemos 3-0 em Camp Nou [Kodro, Kodro, Celades]. Lembro-me que falhámos duas grandes oportunidades quando estava ainda 0-0, por Zahovic e Capucho. Foi inacreditável! Na segunda volta tínhamos a obrigatoriedade de atacar, acabamos por perder 4-0 [Kodro, Oscar, Celades, Sergi].

Como foi jogar em Camp Nou?

Já lá tinha ido jogar com o Benfica. É muito à imagem do que era o Estádio da Luz quando estava cheio. Era terrível, era brutal, mítico. Quem joga lá recorda para sempre.

Quem foi o jogador com quem mais gostou de jogar?

Eu e o Veloso tínhamos uma relação de jogo muito forte. Aquela ala direita era terrível, um complemento de soluções.

Se ainda jogasse, qual era o lateral que gostaria de apanhar pela frente para tirar teimas?

Ah, ah! O Maldini! Joguei contra ele cinco ou seis vezes, era o maior lateral esquerdo, era sempre muito complicado.

E um que ainda jogue hoje em dia?

O Marcelo do Real Madrid. Gosto dele pela qualidade ofensiva, pelo compromisso que obriga o adversário a ter [para o defender].

Se pudesse reencarnar num qualquer jogador deste Europeu, quem seria?

[Sem hesitar] João Mário. Acho que era um jogador com quem ia desfrutar. Se o João Mário jogasse nas alas, seria uma mais-valia enorme. É um talento natural, é um craque, vai ser um fora-de-série! Qualquer treinador gostaria de o ter…