António Vitorino foi hipótese para Belém e passou no teste das sondagens em dois ciclos: em 2005, quando chegou a aparecer nos estudos de opinião à frente de António Guterres, e, em 2015, quando António Costa o desafiou a assumir a candidatura. Agora, ficou livre de funções internacionais e o incumbente Marcelo colocou a sementinha: “Terá mais oportunidades de pôr as suas capacidades ao serviço de Portugal”. Apesar de reconhecerem a “inteligência” e o facto de ser “bom em campanha”, uma candidatura de Vitorino a Belém não entusiasma a maioria dos dirigentes e históricos socialistas contactos pelo Observador. Há, no entanto, exceções, que chegam a classificá-lo de “fenómeno”
Um histórico do PS ouvido pelo Observador diz, de forma clara que “não faz sentido nenhum” e protesta: “Estão sempre a tentar arranjar emprego ao Vitorino.” Um dirigente socialista no ativo refere que Vitorino “não pode” ser o candidato da esquerda a Belém porque ao ir para Organização Internacional para as Migrações, perdeu notoriedade.
O mesmo dirigente destaca que o antigo comissário europeu “tem uma cabeça incrível, é divertidíssimo, muito empático na rua, mas desistiu de ser político, não tem percurso atual para isto, não vai abdicar da vida dele para estas coisas.” E acrescenta: “Nada nos últimos 15 anos que torne plausível que se monte onda à volta dele.”
Um outro histórico socialista, que travou batalhas políticas ao lado António Vitorino diz que isso “depende dele” e aposta que “ele não está praí virado”. A mesma fonte lembra que “o processo que envolve o Morodo [embaixador de Espanha na Venezuela] viria logo a público e ele não está para isso. Vocês [jornalistas] iam logo remexer nisso tudo”. Esta é uma alusão a uma notícia de 2020 que diz que a justiça espanhola investiga valores transferidos para Vitorino por genro e compadre de Dias Loureiro.
Além do “não ter condições de notoriedade”, uma das razões apontadas para Vitorino não entrar na grande roda de candidatos de Belém é a tese do “ele não quer”. Um deputado do PS ouvido pelo Observador lembra que Vitorino até “podia ter sido secretário-geral na altura, foi ser rico, ter uma carreira internacional”. Ou seja: escolheu não entrar no comboio da política nacional. Sobre a referência presidencial, o mesmo deputado diz que “Marcelo Rebelo de Sousa fez o elogio para baralhar e meter muitos nomes. Foi para desestabilizar.”
Amigo de Costa, “um fenómeno” o melhor do “centro-esquerda” a par de Centeno
Se é certo que a maioria dos socialistas contactados pelo Observador não se mostram entusiasmados com uma candidatura de António Vitorino, há exceções. O ex-ministro João Soares começa por dizer ao Observador que “a candidatura presidencial é aquele em que os partidos têm um espaço mais reduzido”. Para o socialista, “o apoio dos grandes partidos é sempre útil, mas depende sempre da vontade da pessoa.”
João Soares diz, no entanto, que dependeria sempre de “ele achar que tem condições”. O antigo governante lembra, no entanto, que Vitorino “é um tipo muito inteligente” e que “tem experiência em campanha”. Aliás, João Soares era o número dois a Bruxelas quando António Vitorino foi o cabeça de lista às Europeias e venceu-as, ainda que por uma vitória de Pirro, dando um golpe ao cavaquismo (o cabeça de lista era Eurico de Melo).
Também o antigo governante socialista e membro da comissão política, Ascenso Simões, considera “muito plausível” António Vitorino ser candidato a Belém. Para Ascenso Simões “Vitorino e Mário Centeno são os únicos do centro esquerda a disputar, com possibilidade de sucesso, as presidenciais.” E insiste, como já tinha escrito num artigo do Expresso, que “do lado do centro direita só a Leonor Beleza pode bater qualquer um deles.”
Sobre a ausência de notoriedade apontada por antigos candidatos de partido, Ascenso Simões é lesto a responder: “Basta um programa igual ao do [Marques] Mendes para toda a gente gostar do seu humor. O Vitorino é um fenómeno.” António Vitorino já teve, aliás, um programa de comentário na RTP, o “Notas Soltas”.
Um outro histórico — já referido na primeira parte do texto — que não acredita numa candidatura de António Vitorino a Belém, diz que ele tem, de facto, um fator a favor: “É muito amigo de António Costa. E seria, sem dúvida, uma das preferências de Costa para ter um bom candidato.
Costa já quis Vitorino para Belém (e as sondagens também)
É preciso puxar pela memória, mas menos de um ano antes das Presidenciais de 2006, António Vitorino aparecia como o melhor candidato da esquerda a Belém no Barómetro Marktest para o DN e TSF. O ex-comissário europeu ultrapassou mesmo António Guterres no barómetro de março de 2005, onde só era batido por Cavaco Silva (o melhor posicionado de todos). Nessa ocasião, Guterres desceu mesmo para quarto, sendo batido por Marcelo Rebelo de Sousa (o segundo mais bem posicionado à direita e terceiro na geral). Um mês antes desta sondagem, Vitorino já tinha dito numa entrevista à Antena 1: “Não sou candidato a candidato a candidato. Digo isto três vezes”
Dez anos depois, no início de um novo ciclo, António Vitorino voltou a ser um dos nomes em cima da mesa para uma corrida a Belém. Em janeiro de 2015, numa entrevista à SIC Notícias, António Costa dava força ao antigo colega de Governo, dizendo que Vitorino tinha “todas as qualidades para ser um excelente Presidente da República.” Dias antes disso, uma sondagem realizada pela Eurosondagem para o Expresso e a SIC dizia que além de Guterres, também António Vitorino seria capaz de bater qualquer candidato da direita (Marcelo e Santana eram então nomes testados nos estudos de opinião).
António Costa continuou depois a dar fôlego à ideia e recebeu mesmo António Vitorino no Largo do Rato, numa reunião que durou cerca de 40 minutos. Questionado pelos jornalistas, o antigo comissário europeu não rejeitou liminarmente uma candidatura a Belém.
Antes disso, numa reunião da FAUL, o líder do PS já tinha desafiado António Vitorino — numa abordagem presencial e animada, a responder sobre o interesse numa candidatura a Belém: “Bom, estou a ver que os [jornalistas] não [perguntaram sobre candidatura a Belém]. Aguardemos então que ele um dia responda”.
Em março, uma nova sondagem do Jornal de Negócios (que excluía Guterres) dava o antigo comissário europeu como favorito à esquerda. Vitorino nunca respondeu a Costa e em abril, surgiu Sampaio da Nóvoa (que mais tarde teria o apoio informal e não declarado de parte do aparelho do PS). O antigo comissário europeu não deixou, no entanto, de desvalorizar o antigo reitor da Universidade de Lisboa a quem se referia como “um ilustre desconhecido”. E insista no antigo chefe de Governo: “O candidato natural do PS às Presidenciais é António Guterres”.
O PS acabou por ter dois candidatos da sua área política (a antiga presidente do PS Maria de Belém e António Sampaio da Nóvoa), mas não apoiou abertamente nenhum. Os homens do aparelho do PS de Costa estiveram, no entanto, com Sampaio da Nóvoa. A direita, com Marcelo Rebelo de Sousa, ganhou as presidenciais. No final de 2017, o Governo de António Costa acabaria por propor António Vitorino para diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações, cargo para o qual acabaria eleito no mês de junho seguinte. São essas funções que deixará em outubro ficando, novamente, disponível para outros voos. O Observador contactou o gabinete de António Vitorino sobre o futuro do antigo comissário europeu, mas não obteve qualquer resposta até à publicação deste artigo.