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De fora da lista dos oligarcas russos alvo de sanções devido à invasão da Ucrânia está o nome do homem mais rico da Rússia, Vladimir Potanin. É um dos fiéis a Vladimir Putin, mas não viu as liberdades restritas, nem as contas bancárias e os iates e outros ativos no estrangeiro congelados, como aconteceu a quase 40 poderosos russos. A razão está nas minas de níquel que tem na Sibéria e o que se acredita que aconteceria à economia mundial caso houvesse medidas que pudessem por em causa o seu negócio, ou mesmo levá-lo à falência.
Sergei Aleksashenko, ex-vice-presidente do banco central russo, que agora vive exilado nos EUA, sublinhou, em declarações ao Financial Times, que Potanin “nunca criou problemas a ninguém no ocidente”, o que terá sido relevante para a decisão de não o sancionar. Mas o jornal britânico recua a 2018 — altura em que uma outra empresa de indústria de alumínio russa, a Rusal, foi alvo de sanções por parte dos EUA — para lembrar o que a economia mundial sofreu com a decisão. E diz que poderia acontecer algo idêntico no atual contexto de conflito na Ucrânia se as minas de níquel fossem alvo de sanções. O papel crucial da empresa de Potanin nos mercados globais é uma das justificações apontadas para que os países ocidentais tenham mantido cautela relativamente à empresa do oligarca russo.
A decisão do Ocidente terá tido por base o receio de uma queda a pique da economia mundial (que vários jornais internacionais noticiaram como sendo possível), por isso União Europeia, Reino Unido e EUA optaram por não sancionar o multimilionário (Canadá e Austrália fizeram-no). O El Mundo escreve mesmo que se tratou de uma combinação de motivos políticos, económicos e estratégicos.
Certo é que Vladimir Potanin, o oligarca russo de 61 anos, continua a viver sem qualquer restrição. De acordo com a Bloomberg, num texto publicado em março de 2022, a fortuna do empresário estava avaliada em mais de 30 mil milhões de dólares antes do início da invasão da Rússia à Ucrânia, tratando-se do homem mais rico no pós guerra na Ucrânia. Mesmo assim, mais de cem dias depois do início do conflito, Potanin já terá perdido quase um quarto da sua riqueza, apesar de continuar sem qualquer sanção por parte da União Europeia, Reino Unido e EUA.
A maior fonte de riqueza do oligarca russo são claramente as minas, detidas pela empresa Norilsk Nickel, a maior produtora mundial de níquel refinado, onde é acionista maioritário e CEO. Mas além deste negócio, sabe-se que tem uma fundação, a que deu o seu nome, e tornou-se no primeiro russo a juntar-se ao The Giving Pledge, uma organização filantrópica que incentiva pessoas com grandes riquezas a contribuírem para causas sociais.
Conhecido como colecionador de iates de luxo — já teve pelo menos três desde 2008 — a última das aquisições foi um barco chamado Barbara, avaliado em 165 milhões de euros. Nenhum deles está apreendidos. Além do ski, outro dos hobbies é o hóquei no gelo, um desporto que pratica pelo menos duas vezes por semana — tem a sua própria pista de gelo privada — e que costuma praticar com Vladimir Putin (diz-se que tinha por hábito deixar o presidente russo ganhar).
Voltando aos negócios, Potanin continua também o seu trabalho dentro da normalidade, longe das muitas dificuldades com que estão a conviver diariamente alguns dos homens mais ricos da Rússia. As exceções a Potanin são as restrições aprovadas pela Austrália (sanções contra bancos e entidades governamentais russas) e pelo Canadá (desde a proibição às importações de petróleo bruto russo a sanções a grandes empresas).
O facto de UE, Reino Unido e EUA terem decidido não sancionar este oligarca permite-lhe viajar, utilizar os iates e as contas bancárias que tem sem restrições — ao contrário, por exemplo, de Roman Abramovich, a quem um iate avaliado em 68 milhões de euros foi apreendido em Gibraltar — manter-se no mercado, nomeadamente em nome do Kremlin, fazer negócios, vender, comprar e exportar produtos. Pode dizer-se que faz uma vida normal, praticamente como se a Rússia não tivesse invadido a Ucrânia.
O negócio que podia fazer disparar os preços do mercado
Vladimir Potanin é o acionista maioritário da Norilsk Nickel, a empresa responsável pela produção de 15% do níquel e de 40% de paládio (um elemento químico metálico branco) necessários em todo o mundo. Em causa estão duas matérias-primas fundamentais para o fabrico de tecnologia, nomeadamente de microchips (utilizados praticamente em todos os dispositivos que usamos) e automóveis. Por outras palavras: caso os países ocidentais tivessem sancionado o oligarca, havia o risco de os preços destes produtos dispararem com a falta de matéria-prima (que aliás já se fazia sentir antes da guerra) e isso poderia ter ainda mais graves consequências no mercado.
Falta de chips, fábricas paradas e energia caríssima. Os fantasmas que estão a assombrar a retoma
Terá sido exatamente este fenómeno que travou, segundo a imprensa internacional, as sanções a Potanin. Mais alterações bruscas neste mercado poderiam mexer com a economia global pela importância destes produtos e provocar uma queda a pique num mercado já debilitado.
De acordo com o El Mundo, Potanin é muito próximo de Putin, é um dos oligarcas fiéis ao presidente da Rússia e o Kremlin tem beneficiado com o facto do empresário não estar a ser castigado, já que permitiu recuperar o controlo sobre vários bancos ocidentais que foram vendidos à pressa, quando a invasão da Rússia na Ucrânia começou. Com o seu sentido de fidelidade à liderança russa, o grupo Interros, detido por Potanin, conseguiu readquirir o Rosbank, que tinha sido vendido em 2008, no momento em que o Kremlin obrigou o russo Oleg Tinkov a vender a sua participação, após críticas às primeiras ações do exército da Rússia na Ucrânia.
Com uma família de origem comunista, a vida profissional de Vladimir Potanin passou pelo ministério de Comércio da URSS, antes de fundar a empresa Interros. Dois anos foram suficientes para on banco que entretanto criou, o Uneximbank, se tornasse também uma referência para o Estado russo.
O fundador do esquema dos “empréstimos por ações”
No currículo tem ainda o desenho do movimento que acabou conhecido como o esquema “empréstimos por ações”, numa fase em que o, na altura, presidente da Rússia, Boris Yeltsin, estava prestes a perder as eleições. Potanin decidiu formar um grupo de oligarcas que começaram a financiar o governo em troca de propriedades estatais como garantia, o que os tornou donos de alguns dos sítios mais valiosos do país e aumentou exponencialmente o poder destes homens na Rússia — um poder que detêm até aos dias de hoje.
O esquema assentava em leilões que eram controlados (e sem concorrência) e beneficiavam sempre os mesmos oligarcas. Estes conseguiram ações em algumas das maiores e mais valiosas empresas russas, como a Yukos, Lukoil, Sibneft, Surgutneftegas e Novolipetsk. Foi com este plano que o oligarca assumiu a Norilsk Nickel: pagou 170 milhões de dólares por uma empresa que passou a valer 3,3 mil milhões de dólares em apenas um ano. Todos eles apoiaram depois a campanha de Boris Iéltsin, que foi reeleito presidente da Rússia, o que acabou por valer o lugar de vice-primeiro-ministro a Vladimir Potanin.
A chegada de Putin não só trouxe continuidade de poder a Potanin, como uma relação com a qual ambos ficaram a ganhar. Ao contrário de alguns oligarcas que não ficaram ao lado do novo presidente, Potanin ajudou-o a tornar vários sonhos realidade. O primeiro deles, segundo o El Mundo, foi fazer um investimento que permitiu a presença dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, no país.
O caso de Roman Abramovich que acabou a vender o Chelsea
Já são quase 40 os oligarcas russos alvo de inúmeras sanções impostas pelos países que desaprovam a invasão da Rússia à Ucrânia. E desde o início da guerra tem havido igualmente muitios empresários russos encontrados mortos nas suas casas em circunstâncias ainda por esclarecer.
Um dos oligarcas que mais tem estado no centro das atenções desde a invasão russa é Roman Abramovich. A União Europeia justificou-o, na altura, com o facto de ser “um dos principais acionistas do grupo siderúrgico Evraz, que é um dos maiores contribuintes da Rússia” e que, por isso, “tem obtido benefícios dos decisores russos responsáveis pela anexação da Crimeia ou pela desestabilização da Ucrânia”.
Pouco tempo antes do anúncio de que as sanções também o teriam como alvo, o dono do Chelsea pôs o clube à venda, um negócio que acabou por ser realizado por 4,25 mil milhões de libras (4,9 mil milhões de euros), pagos por Todd Boehly, coproprietário da equipa de basebol dos Los Angeles Dodgers.
Estados Unidos ordenam apreensão de dois aviões do oligarca russo Abramovich
O caso tornou-se ainda mais próximo pelo facto de Abramovich ter passaporte português, o que levou até a um pedido de autorização às autoridades portuguesas para que o negócio se concretizasse, que acabou por ser concedida. O Ministério dos Negócios Estrangeiros sublinhou que a autorização “decorre da garantia dada pelas autoridades britânicas de que as receitas da venda serão utilizadas para fins humanitários, não beneficiando direta ou indiretamente o proprietário do clube, que consta da lista de sanções da União Europeia”.
Ao contrário de Vladimir Potanin, as sanções continuam a trazer problemas para Abramovich que, ainda esta segunda-feira, viu os Estados Unidos a ordenaram uma apreensão de dois aviões privados do oligarca russo, por considerarem que foram usados para violar sanções.
Os dois aviões, avaliados em mais de 400 milhões de dólares (mais de 372 milhões de euros), são de origem norte-americana e o seu proprietário levou-os para a Rússia em março sem solicitar uma licença especial de reexportação, de acordo com o Departamento de Justiça dos EUA. Isto apesar de Abramovich ter sido alegadamente vítima de uma tentativa de envenenamento por parte dos russos quando mediava uma das cimeiras de negociações.
Oligarcas frustrados estudam sucessão no Kremlin
No final do mês de maio, o jornal independente russo Meduza, que citava fontes próximas do governo do país, alertava para o crescimento do desejo entre a elite russa de colocar alguém novo à frente da presidência russa. Os oligarcas russos admitiam estarem descontentes com o desenrolar da guerra na Ucrânia e tanto as sanções do Ocidente como a falta de sucessos militares eram apontados como as razões que estariam a frustrar os multimilionários e a cúpula de Kremlin.
Bancos, políticos e oligarcas. Quem está na lista de alvos das sanções contra a Rússia?
A previsão de que as sanções possam afetar, já no verão, toda a economia russa começou a deixar os oligarcas desconfortáveis, até pelo facto de não poderem viajar, selar negócios, exportar produtos, entre outras situações. Os multimilionários começam agora a ficar sem capacidade de reagir às restrições.
Desde o início da guerra, os países do Ocidente prontamente prepararam sanções para a Rússia e para os oligarcas do país (a UE vai num sexto pacote de sanções). Juntou-se a isso a debandada de empresas que fecharam ou saíram do país por estarem contra a invasão. Para já, Potanin resiste: tem minas de um bem precisoso para o mundo.