Com a inflação a não dar tréguas, agravada também pelos custos da energia, Mário Vaz, CEO da Vodafone Portugal, diz que não vai partilhar detalhes sobre previsões de aumentos de preços aos clientes. “É um tema em que qualquer aviso ou pré-aviso pode ser mal-interpretado, até do ponto de vista da dinâmica competitiva”, explica em declarações ao Observador. “E, por isso, não irei prestar qualquer informação a não ser quando os nossos clientes tiverem de saber — e se o tiverem de saber –, quando e se acontecer”, frisa o responsável da Vodafone Portugal.
O gestor reconhece que a operadora está “naturalmente” preocupada com o tema da inflação e “a fazer uma gestão muito, muito rigorosa dos impactos da inflação”. Desde que os números da inflação em Portugal começaram a subir que os líderes das três principais operadoras no mercado português têm sido questionados sobre possíveis aumentos de preços. A resposta tem sido habitualmente a mesma: estão a acompanhar a situação.
Mário Vaz sublinha que “é preciso que haja consciência de que o tema da inflação e, em particular, a componente do custo energético para os operadores de telecomunicações teve um forte impacto.” “Por norma, até quando se fala de energia, pensa-se na indústria, não se pensa tanto na área de serviços. No nosso caso, suportamos nos nossos serviços uma rede com muita tecnologia. E isso tem consumos muito substanciais de energia, é um custo muito substancial, com o qual já estamos a sofrer o impacto e que se antecipa que ainda será de uma escala muito expressiva no próximo ano”, explica. “E como é que conseguimos incorporar isto nos nossos modelos de pricing e gestão naturalmente é o que está sob análise.”
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Acordo com a Nowo não põe “em causa dinâmica competitiva do mercado”
Esta terça-feira, 18 de outubro, a empresa, liderada por Mário Vaz, comemora 30 anos de operação em Portugal. O arranque no mercado nacional foi feito através da Telecel, passando a designar-se Vodafone em 2001. E foi precisamente perto do 30.º aniversário que a Vodafone Portugal anunciou a compra da Nowo.
Para o líder da Vodafone em Portugal, ideia que tem vindo a repetir ao longo dos tempos, o mercado português tem operadores a mais para a sua dimensão. E, com a chegada de mais empresas — “totalmente à boleia do leilão de 5G”, segundo realça Mário Vaz –, reforçam-se as declarações dos que consideram haver margem para consolidação no mercado.
No final de setembro, a Vodafone anunciou o acordo para a compra da Nowo, por um montante não divulgado. “Este entendimento resulta de uma oportunidade detetada no mercado, nos últimos meses”, salienta Mário Vaz, acrescentando que “mantemos a expectativa da aprovação [pelos reguladores] no primeiro semestre de 2023”.
“A concretização desta operação permitir-nos-á reforçar a nossa competitividade e a capacidade da Vodafone para desenvolver o ambicioso plano de investimentos de cobertura e de tecnologias de conectividade, do qual beneficiam os clientes e as superiores ambições por um país mais digital.” Desta forma, é defendido que a operação “é igualmente positiva para o país e para o setor.”
“Perante o exigente ciclo de investimento que atravessamos, é crítico garantir a sustentabilidade dos investimentos, sem comprometer a qualidade e a resiliência das infraestruturas de comunicações. Contribuímos assim para essa sustentabilidade, sem que, de forma alguma, fique em causa a dinâmica competitiva do mercado.”
A Nowo é o quarto maior operador em Portugal, com cerca de 250 mil subscritores do serviço móvel e 150 mil clientes de acesso fixo. Os números mais recentes da Vodafone, referentes ao primeiro semestre, davam-lhe 4,7 milhões de clientes móveis e 819 mil clientes de televisão por subscrição. Nesta equação é ainda necessário juntar os números resultantes do leilão de 5G. A Vodafone investiu 133,2 milhões de euros para adquirir um total de 110 MHz de espectro, enquanto a Nowo ficou com um total de 70 Mhz, com um investimento de cerca de 70,2 milhões de euros.
Novos operadores tiveram “tapetes vermelhos” em Portugal
Mário Vaz considera que o movimento de consolidação é uma “tendência europeia”, argumentando que “é preciso dimensão” e que “a Europa tem de ter operadores de maior dimensão para conseguir ter capacidade financeira para fazer os muitos investimentos que são exigidos nesta nova era digital”. E lembra que não é preciso apenas ter retorno do investimento como também é necessário ter escala. “Comparamos muito mal com os Estados Unidos e com o Oriente na dimensão de operadores – e é isso que está a colocar a Europa atrasada, por isso é que a Europa está a olhar, do ponto de vista de regulação, para a consolidação e para a dimensão como aspetos a ter em consideração.”
A Anacom, que regula o mercado das comunicações, tem defendido que Portugal precisa de mais operadores. E, em consequência do leilão do 5G, virá pelo menos mais um, os romenos da Digi. Também a Nowo, embora já estivesse presente no mercado, era vista pelo regulador como um novo operador na área móvel.
Mário Vaz recorda que, à data da elaboração do regulamento para o leilão de 5G, Espanha era referida como “o exemplo a seguir, porque era um mercado onde havia muitos operadores, o que era visto como muito bom”. “Nós alertámos sempre que não era um bom exemplo, porque todos os investidores no mercado espanhol estavam a colocar grandes dúvidas de rentabilidade, com um retorno de investimento muito reduzido, abaixo do risco do mercado.” Mas o cenário mudou. “Vimos Espanha a concentrar [empresas] e a ficar com um menor número de operadores para terem escala e, com isso, conseguirem responder aos desafios de investimento associados ao 5G. Portugal fez exatamente o contrário, ao estender estes tapetes vermelhos.” O leilão do 5G trouxe novos concorrentes para o mercado português, com condições de acesso diferentes das que foram aplicadas aos operadores já presentes.
Passado quase um ano do fim do leilão, são escassos os sinais de movimentação dos novos operadores. A notícia mais recente ligada à Digi, dava conta da escolha da espanhola Cellnex para a infraestrutura de rede 5G. Mas concretamente sobre as ofertas de serviço as notícias são inexistentes.
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Questionado sobre se vê movimentação desta rival no mercado, Mário Vaz diz que não consegue responder: “A pergunta tem de ser colocada aos próprios”, aponta. “Os operadores estão no seu próprio percurso, que eu não conheço. Um deles anunciou que entraria no mercado algures no próximo ano, não sei quando, até gostava de saber, dar-me-ia jeito ter essa informação, mas naturalmente é um segredo de negócio que guardarão”, argumenta.
Dinâmica macro “tem impacto nos prazos e nos custos” e as obrigações a cumprir no 5G
Além da inflação, também são conhecidas as dificuldades que a indústria das telecomunicações, à semelhança de outras áreas de negócio, enfrenta com a escassez de componentes. “São públicas as dificuldades que resultam da ausência de componentes, nomeadamente de tudo o que tem a ver com a crise mundial de chipsets, agravada até pela guerra, que é, ela própria, altamente consumidora de chipsets”, nota Mário Vaz. “Toda esta dinâmica macro tem impacto nos prazos e nos custos.”
Numa cadeia final, o CEO da Vodafone Portugal nota que um possível impacto para o cliente final “diz respeito a terminais, que vivem de chipsets”. “Até ver”, reconhece, “não tem havido grandes impactos”, com a empresa a conseguir “ter disponibilidade de stock para os clientes”. Mas há outra possível consequência desta falta de componentes: conseguir cumprir as obrigações de cobertura de rede, traçadas pelo regulamento do leilão de faixas do espectro 5G.
“Esse foi o alerta que já lancei: é que temos datas firmes e fechadas, que foram desenhadas aquando do regulamento do 5G já de há uns anos a esta parte, nas obrigações de cobertura que, no nosso caso, ao contrário dos novos operadores, não tinham qualquer indexação à data de fim do leilão”, contextualiza. As obrigações do leilão estabelecem que os operadores com licenças de 5G têm de assegurar a cobertura de 95% da população total do país até 2025 e de 90% da população de cada uma das freguesias consideradas de baixa densidade, de cada uma das freguesias das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores e de cada uma das freguesias que integram municípios com freguesias de baixa densidade.
“Já tinham as datas pré-estabelecidas”, lembra Mário Vaz, incluindo as metas intercalares de 2023 e 2024. “Perdemos muito tempo no leilão e esse tempo foi retirado ao prazo que tínhamos para fazer os planos.”
Além dos impactos de custo, “porque os preços aumentaram de forma substancial”, o CEO da Vodafone Portugal lembra também a “escassez de recursos humanos” na área das telecomunicações. “Toda a Europa está em desenvolvimento de redes e portanto há muita falta de recursos globais, recursos humanos, que são essenciais para que isso aconteça. Ora isto pode ter consequências.”
O responsável lembra que é preciso ter a “capacidade de perceber que o mundo mudou e as condições mudaram e que estas datas podem ter de ser flexibilizadas” – algo que disse “recentemente ao regulador”. Aliás, em junho foi notícia que os três principais operadores tinham alertado o Governo do risco de não se conseguir o cumprimento das metas até 2025. De acordo com o Eco, a Vodafone Portugal terá sido inclusive a primeira a iniciar esse contacto.
Mário Vaz confirma que a empresa alertou o “Governo para [a necessidade] de estarmos preparados, porque Portugal tem de se preparar sempre com antecedência, não de andar sempre a correr atrás do prejuízo.” “Não estou a dizer que não se vai cumprir, até pode ser que consigamos cumprir, mas todos os fatores externos se alteraram de forma muito radical”, detalha. “Por isso temos de nos preparar para esse cenário, se o cenário acontecer, mas não devemos fazê-lo no dia em que estivermos perante a data limite. Temos de nos preparar com antecedência.”
Garante, no entanto, que “não está em causa” o cumprimento das metas. “Estamos a cumprir o plano, olhando para o próximo ano não vejo a esta data razões para que não consigamos cumprir as obrigações previstas para o ano que aí vem. Mas estamos a sentir dificuldades e tivemos de alterar radicalmente os nossos procedimentos.” E dá um exemplo que poderá ser familiar para os portugueses. “Comprar um carro: compra um carro hoje e vai receber um dia, não sabe muito bem quando. Se quiser mudar de carro daqui a um ano, é melhor fazer a encomenda hoje.” Também a Vodafone está a fazer algo semelhante. “Estamos a antecipar encomendas do futuro já para garantir, pelo menos a priori, que vai haver disponibilidade na fonte, na produção, no nosso fornecedor, para que chegue a tempo e possamos planear. Isto não acontecia. Até mesmo do ponto de vista de gestão e financeira, não é muito boa ideia andar a comprar hoje aquilo de que só se vai precisar daqui a um ano.”
Mário Vaz diz que “não tem havido” contacto com os restantes operadores sobre o tema da flexibilização, mas pede ao regulador mais pragmatismo. “A Vodafone terá sido provavelmente das primeiras a falar no tema e a alertar — sempre disse que era um alerta, não era mais do que isso. Do ponto de vista do regulador ouvi uma resposta, quando esteve numa comissão no Parlamento, a dizer que nem pensar, que as datas eram para cumprir, aconteça o que acontecer.” O CEO da Vodafone Portugal diz que, “vindo do regulador”, não estranha a afirmação. “É uma visão muito pouco pragmática, irrealista e um bocado cega àquilo que são as alterações macro.”
Deixa, portanto, um pedido ao regulador, lembrando que as metas fazem parte do regulamento do leilão: “Que se tenha mais atenção e se prepare um plano alternativo e que esteja preparado para aceitar esses planos alternativos se e quando se justificar.”