Não há um dia que passe sem que Warren Buffett veja as suas empresas nas notícias. Muitas vezes, como no primeiro sábado de maio, é possível associar, mesmo que indiretamente, as suas companhias às principais novidades diárias. Nesse dia, além da assembleia de acionistas da Berkshire Hathaway, a sociedade que serve de veículo aos seus investimentos, os noticiários concentraram as atenções nos protestos em Baltimore e no combate Mayweather vs. Pacquiao.
Aos 84 anos, Warren Buffett é a versão norte-americana de “dono disto tudo”. A Berkshire Hathaway, a quinta sociedade mais valiosa nas bolsas mundiais, não se foca num único setor, ao contrário das quatro maiores. A Apple e a Microsoft concentram-se na informática, a Google na Internet e a Exxon Mobil no petróleo.
Buffett não trabalha sozinho. Charlie Munger, de 91 anos, é o vice-presidente da Berkshire Hathaway e o seu parceiro de negócios há 56 anos. “Charlie consegue ouvir e eu consigo ver. Trabalhamos em equipa”, brincou Warren Buffett logo no arranque da assembleia de acionistas de 2015.
Desde que tomou o controlo da Berkshire Hathaway, há 50 anos, Warren Buffett fermentou a firma até se espalhar por todo o tecido empresarial dos Estados Unidos da América. O conglomerado controla empresas em todos os setores e, muitas vezes, detém o líder de mercado. Naturalmente, os líderes aparecem nos noticiários.
No sábado da assembleia da Berkshire, as fardas dos polícias de Baltimore vieram da subsidiária Flying Cross, a maior empresa do ramo nos EUA. Não é possível ter a certeza, mas é possível que os seguros dos pugilistas Floyd Mayweather e Manny Pacquiao tenham sido contratados junto de sociedades do grupo Berkshire.
Em 1995, Buffett confirmou que Mike Tyson, então campeão do mundo de pesos pesados, contratou um seguro de vida junto do grupo. Muitos desportistas de topo, como a estrela do beisebol Alex Rodriguez, são clientes das seguradoras da Berkshire Hathaway. “É o homem mais esperto do mundo”, disse Rodriguez sobre Buffett.
Buffett é a América
Warren Buffett não só vê diariamente as suas empresas nas notícias, como pode ver diariamente as notícias através das suas empresas. Embora não seja o negócio mais importante da Berkshire Hathaway, há quase 40 anos que Buffett investe em jornais. Contam-se três dezenas de jornais no grupo, incluindo The Buffalo News e o The Omaha World-Herald, publicado na sua terra natal.
A Berkshire Hathaway é o centro de Omaha, a cidade que viu nasceu Warren Buffett em 1930. Localizada na margem direita do rio Missouri, o crescimento de Omaha está intimamente ligado à evolução da Berkshire, embora muitas outras grandes empresa tenham a sua sede lá, como a ConAgra, um produtor de alimentos embalados, e a TD Ameritrade, uma corretora de bolsa.
Desde que Warren Buffett assumiu o controlo da Berkshire Hathaway, em 1965, a sociedade lança aquisições espalhadas por todo o território dos Estados Unidos da América. Aliás, a própria Berkshire Hathaway, que, quando Buffett a adquiriu, era uma produtora têxtil, foi criada a partir da fusão de empresas de Massachusetts, no nordeste norte-americano.
Mas o que é a Berkshire Hathaway hoje? É uma réplica da economia dos Estados Unidos da América numa escala menor.
As empresas do grupo produzem botas de cowboys e roupa interior, vendem anéis de diamantes e enciclopédias, alugam camiões refrigerados e equipamento de construção, fabricam habitações e peças de aviões, transportam mercadorias por ferrovia e passageiros em aviões, deliciam consumidores com gelados e chocolates, fazem seguros aos condutores e a outras companhias de seguros, fornecem eletricidade a casas e indústrias, constroem barcos e autocaravanas e muito mais outras coisas.
A dimensão do universo da Berkshire Hathaway reflete-se na faturação do grupo: as receitas atingem 180 mil milhões de euros por ano, mais do que o produto interno bruto de Portugal. Se a Berkshire fosse uma nação, seria maior do que a portuguesa.
No início de 2015, a Berkshire Hathaway tinha 340.499 trabalhadores, incluindo apenas 25 na sede em Omaha. Se os funcionários formassem uma cidade, a urbe teria uma população que ficaria entre a do Porto e a de Lisboa.
Ataque à Europa
Até agora, as poucas incursões de Warren Buffett fora dos Estados Unidos foram de investimentos reduzidos. A Berkshire Hathaway controla, por exemplo, um vendedor francês de equipamento de restauração, um fabricante israelita de ferramentas para trabalhar metal, uma empresa canadiana de aluguer de gruas e um armazenista russo de químicos.
Em fevereiro, a Berkshire acordou o seu primeiro negócio na Alemanha. Por 360 milhões de euros, comprou a Detlev Louis Motorradvertriebs, que comercializa equipamento para motociclistas, à viúva do fundador. Porém, Buffett não quer parar aqui.
“Temos vontade e temos dinheiro” para gastar na Europa, disse Warren Buffett na última assembleia de acionistas. Apesar de haver dificuldades culturais, o “Oráculo de Omaha” acredita que fará uma grande compra na Alemanha nos próximos cinco anos.
No final de março passado, a Berkshire Hathaway tinha o equivalente 222 mil milhões de euros em depósitos bancários e em aplicações financeiras de curto prazo. Seria o suficiente para comprar a EDP, a companhia portuguesa mais valiosa, 17 vezes ou para adquirir 3,5 vezes todas as empresas cotadas na bolsa de Lisboa. Em alternativa, poderia comprar as duas firmas alemãs mais valiosas, a Bayer e a Volkswagen, e ainda sobraria dinheiro.
Se fosse necessário, a Berkshire Hathaway obteria financiamento barato. Na sua última emissão obrigacionista, a Berkshire Hathaway paga uma taxa de juro de 0,75% por ano para uma maturidade de 8 anos.
Todavia, Warren Buffett provavelmente não quer ir à bolsa comprar uma EDP ou uma Bayer. A maior parte dos ativos da Berkshire Hathaway são empresas não cotadas e o guru gostaria de continuar a comprar sociedades privadas, como confirmou na última assembleia de acionistas.
Portugal pode estar no radar de Warren Buffett, apesar de Charlie Munger, o vice-presidente, afirmar que, juntamente com a Grécia, a nossa nação é um “ponto de pressão” da moeda única.
Até agora, a NetJets Transportes Aéreos é a única empresa lusitana no universo da Berkshire Hathaway. “Temos o apoio desta empresa fabulosa”, conta Mark Wilson, o presidente da companhia aérea portuguesa, que atua a nível europeu com a marca NetJets Europe. A NetJets gere um sistema de fracionamento da propriedade de aviões.
Tal como Warren Buffett defende, “a NetJets procura um crescimento estável de longo prazo”, explicou Mark Wilson ao Observador, à margem da assembleia da Berkshire Hathaway. O crescimento reflete-se na adição de novas aeronaves. Recentemente, a NetJets Europe adquiriu os modelos Embraer Phenom 300 e Bombardier Global 6000 e Challenger 350.
“Ainda há uma capacidade substancial de crescimento”, afirma Mark Wilson, recordando que a maior integração da União Europeia, em particular da zona euro, poderá contribuir para o avanço.
Quando Warren Buffett comprou a NetJets em 1998, a empresa líder na aviação privada já estava presente em Portugal. Nos inícios dos anos 80, a NetJets “procurou uma jurisdição que permitisse várias nacionalidades e que oferecesse acesso a um grande número de profissionais capazes na área da aviação e do atendimento multilingue a clientes”, recorda Mark Wilson. Cerca de 90% da equipa da direção operacional da NetJets em Paço d’Arcos, em Oeiras, tem nacionalidade portuguesa.
Recordista de ganhos
A estratégia de Warren Buffett de crescimento estável dá frutos: nos últimos 50 anos, o valor dos capitais próprios das ações da Berkshire Hathaway aumentou 751.113%, o equivalente a 19,4% por ano. A bolsa reflete os bons resultados operacionais da companhia: as ações valorizaram 1.826.163%.
A Berkshire está listada na bolsa de Nova Iorque, no coração financeiro de Manhattan. Desde que tenha dinheiro, qualquer pessoa pode investir com Warren Buffett, adquirindo ações da sociedade. Porém, para ter os acesso aos mesmos direitos do “Oráculo de Omaha”, precisa de muito dinheiro.
Na passada quarta-feira, cada ação da classe A custava 216.620 dólares, aproximadamente 191 mil euros. São os títulos listados nas bolsas norte-americanas que mais dólares exigem aos investidores e os segundos mais caros a nível mundial, a seguir às ações da Bolsa de Comércio de Santiago (custavam 2,2 mil milhões de pesos chilenos, cerca de 3,2 milhões de euros), segundo a Bloomberg.
Os detentores das ações de classe A podem transformá-las em ações de classe B: cada título A dá direito a 1.500 títulos B. As ações de classe B também estão listadas em Nova Iorque, valendo 143,78 dólares (cerca de 127 euros) na quarta-feira. No entanto, é preciso ter dez mil ações B para ter os mesmos direitos de voto de uma ação A.
O próprio Warren Buffett, que é o maior acionista da Berkshire Hathaway com quase 20% do capital, tem convertido as suas ações A em ações B para poder doá-las mais facilmente. O guru pretende doar para fins filantrópicos mais de 99% do seu património.
Embora esteja a alienar os seus títulos pessoais, Buffett pode levar a Berkshire Hathaway a comprar ações próprias. Na assembleia de acionistas, o presidente da companhia confirmou que só ordenará a compra se o valor de mercado for inferior a 120% do valor dos capitais próprios. Atualmente, as ações cotam a 147% do valor dos capitais próprios por ação.
As ações A teriam de descer até 176 mil dólares e as B até 117,33 dólares para Buffett começar a comprar.
Fé em Buffett
São vários os adjetivos para classificar Warren Buffett, além de “guru” e de “oráculo”.
É o “Super-Homem dos investidores”, defende Nikki Ross, que comparou as técnicas dos maiores investidores de sempre, incluindo Buffett. “A sua personalidade também é como a de Clark Kent [alter ego do Super-Homem] – suave”, acrescenta a autora no livro “Lições dos Gurus da Bolsa”.
O ambiente na feira anual que acompanha a assembleia de acionista confirma que, tal como o Super-Homem, Warren Buffett é um salvador. “Isto é quase uma religião”, confessou Emília Vieira, presidente da Casa de Investimentos, uma sociedade gestora de património de Braga, na véspera da última assembleia de acionista da Berkshire, em Omaha. “Criou-se uma cultura rara no mundo dos investimentos. Os acionistas vêm cá agradecer”, justificou Emília Vieira.
Quando faltava uma hora para o final da assembleia, registou-se o maior aplauso no auditório quando um investidor agradeceu os ensinamentos de Warren Buffett e de Charlie Munger que serão passados “aos nossos filhos”.
“As pessoas agradecem mais um ano de excelentes retornos, mas também o conforto que conseguem por investirem na Berkshire”, explicou Emília Vieira.
“Uma das razões para os investidores virem a Omaha todos os anos é a consistência das respostas”, completou Hugo Roque, o diretor da gestão de ativos da Casa de Investimentos que acompanhou Emília Vieira na viagem desde Braga até Omaha. “Querem ouvir outra vez que devem investir em ações para o longo prazo.”
Desde que iniciou a atividade de gestão de patrimónios, em novembro de 2010, a Casa de Investimentos segue fielmente estratégias de investimento em valor, que nasceram do legado de Benjamin Graham e expandidas pelo seu discípulo mais conhecido, Warren Buffett.
Os resultados da Casa de Investimentos não têm desiludido os clientes: os ganhos médios são de quase 17% por ano. Emília Vieira acredita que continuarão a oferecer bons retornos no longo prazo. “Com o tempo, vamos removendo ignorância e tornando-nos melhores investidores.”
Emília Vieira é acionista da Berkshire Hathaway, bem como alguns dos primeiros clientes da Casa de Investimentos. Em 2010, quando a Berkshire comprou a companhia ferroviária Burlington Northern Santa Fe, as ações do grupo caíram, refletindo os conselhos do analistas de mercado. Depois da análise seguindo a doutrina do investimento em valor, “comprámos as primeiras ações a 66 dólares”, recordou Emília Vieira. Ajustando pelo efeito cambial, o ganho acumulado é de 179%.
Nem todos apreciam o estilo de Warren Buffett. Nesta quinta-feira, Daniel Loeb, que gere o hedge fund Third Point Offshore, disse que aprecia a leitura das cartas aos acionistas de Buffett, mas que nota muitas inconsistências.
“Adoro como ele critica os hedge funds quando ele teve realmente o primeiro hedge fund. Ele critica os ativistas mas ele foi o primeiro ativista.” Um hedge fund é um fundo de investimento pouco regulado e supervisionado, enquanto os ativistas são acionistas que tomam grandes participações para orientar a empresa para os seus objetivos.
Daniel Loeb, que falava na conferência SkyBridge Alternatives, focada nos fundos alternativos de investimento, também apresenta um bom retorno aos seus investidores. Desde dezembro de 1996, acumulou um ganho anual de 17,3%.
Uma ciência chamada Buffettologia
Quando fundaram a Casa de Investimentos, a equipa programou “o modelo de avaliação de valor que permitisse analisar e avaliar as empresas, os seus negócios, as suas vantagens competitivas, as suas margens de lucro, as rentabilidades nos capitais investidos, as perspetivas de crescimento, os seus níveis de endividamento, a qualidade dos seus gestores, durante, pelo menos, os seus últimos dez anos”, explica Emília Vieira no prefácio de “O Livro do Investimento em Valor”, editado pela Caleidoscópio.
Nesse prefácio, a presidente da Casa de Investimentos recorda que teve conhecimento do método de investimento de Warren Buffett pelo livro “Buffettology”, de Mary Buffett e David Clark. “Como Enriquecer na Bolsa com Warren Buffett” é a tradução portuguesa da Actual Editora.
Mary Buffett é a ex-nora de Warren Buffett que cunhou o termo “Buffettologia” como a ciência que estuda os métodos de investimento do “Oráculo de Omaha”. Mary Buffett foi uma das primeiras autoras a ordenar as perguntas que se devem fazer para identificar boas empresas:
- O negócio tem um monopólio identificável de consumidores?
- Os resultados da empresa são fortes e mostram uma tendência ascendente?
- A empresa está financiada de forma conservadora?
- O negócio obtém consistentemente uma elevada rentabilidade do capital próprio dos acionistas?
- O negócio retém os lucros?
- Quanto gasta o negócio na manutenção das operações correntes?
- A empresa está disponível para reinvestir os resultados em novas oportunidades de negócio, na expansão das operações ou na recompra de ações próprias? A administração faz bem este trabalho?
- A empresa é capaz de ajustar os preços à inflação?
- O valor acrescentado pelos resultados retidos aumentará o valor de mercado da empresa?
Encontrar boas empresas não é suficiente. “Depois, esperamos que transacionem a preços substancialmente inferiores ao seu valor intrínseco”, escreve Emília Vieira no seu prefácio.
Esperar pode ser a parte mais difícil da Buffettologia. Os verdadeiros investidores em valor podem ficar com uma elevada proporção do património disponível para aplicar em depósitos a aguardar pelo momento certo, tal como a Berkshire Hathaway.
O relatório do final de março da Casa de Investimentos mostra que as carteiras dos clientes tinham cerca de 27% das suas fortunas à espera dos preços certos. As ações da IBM, da Tesco e do Bank of America eram os principais ativos.
Buffett delega investimento bolsista
Warren Buffett e Charlie Munger já não são jovens. Juntos têm 175 anos. Embora se mantenham à frente da Berkshire Hathaway, nota-se um afastamento progressivo.
As atividades paralelas à assembleia de acionistas já são menos participadas pelo presidente e, ainda menos, pelo vice-presidente. Neste ano, por exemplo, Buffett não vestiu o perfil de vendedor de diamantes na Borsheims, a subsidiária que bate todos os recordes de venda no fim de semana da assembleia.
Uma porção dos investimentos bolsistas já foram delegados em Ted Weschler e Todd Combs, que antes lideraram a gestão de hedge funds. As aplicações bolsistas da Berkshire, que inclui ações do banco Wells Fargo, da Coca-Cola e da American Express, valem cerca de 90 mil milhões de euros.
O assunto dos sucessores é sempre debatido nas assembleias de acionistas. No último evento, Buffett disse que não escolheria um candidato com experiência apenas na área dos investimentos. Seria preciso um candidato com conhecimentos também de gestão de empresas e de alocação de ativos.
Sem o nomear, Warren Buffett afirma que já escolheu o seu sucessor na última carta aos acionistas (pdf). “Em certos aspetos importantes, esta pessoa fará um trabalho melhor do que estou a fazer.”
“Como acionista particular, não me preocupa o assunto do sucessor”, afirmou Emília Vieira em Omaha, antes da assembleia da Berkshire Hathaway. A presidente da Casa de Investimentos explicou que “todas as empresas do grupo têm gestores excecionais”.
Emília Vieira vê uma figura chave em Bill Gates, que é um dos diretores da Berkshire Hathaway, além de amigo pessoal de Warren Buffett, fundador da Microsoft e o homem mais rico do mundo. Bill Gates liderada a Fundação Bill & Melinda Gates, o principal destinatário das doações de Buffett e potencialmente o futuro maior acionista da Berkshire.
É o próprio Warren Buffett que dissipa todos os receios sobre o futuro do grupo. Na última carta aos acionista, diz que a probabilidade de os investidores perderem permanentemente capital nos próximos 50 anos é baixa, porque “o valor intrínseco do negócio irá quase garantidamente avançar com o tempo”.
Mesmo quando Buffett morrer, será difícil derrubar a Berkshire. Ao seu ritmo de crescimento, em breve será a empresa mundial com mais capitais próprios no balanço. À frente, por uma margem muito pequena, só tem o Bank of America, que, curiosamente, é o seu quinto maior investimento bolsista.