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Como foi encontrado o bebé?

O recém-nascido foi encontrado esta terça-feira por um sem-abrigo num contentor do lixo na Avenida Infante Dom Henrique, na freguesia do Beato, em Lisboa. Mais precisamente, estava no contentor que fica perto da estação fluvial e da discoteca Lux Frágil. O homem que o encontrou passava naquela zona quando ouviu “qualquer coisa a gemer, a chorar”, que julgou ser um gato, admitiu em declarações à CMTV. Ao voltar a ouvir gemidos recuou.

Meti a cabeça dentro do ecoponto, vejo o pé de uma criança lá dentro e comecei aos gritos”, recordou.

O sem-abrigo viu-se obrigado a partir a abertura do ecoponto para conseguir espreitar, primeiro, e entrar, depois. Lá dentro, confirmou o pior: “Vi que era mesmo uma criança”. O homem detalhou ainda que o recém-nascido, do sexo masculino, ainda tinha o cordão umbilical e “estava roxo com frio”.

O INEM divulgou entretanto uma fotografia do recém-nascido, na sua página do Instagram

Os gritos do sem-abrigo chamaram a atenção de uma mulher que por ali passava — e que acabaria por ligar para o 112. “Veio a correr. Passei logo o bebé para as mãos dela e ela embrulhou-o“, explicou o sem-abrigo à CMTV (quando o Observador chegou à conversa com ele já não quis contar de novo a história).

Também o dono da discoteca Lux Frágil, por pensar que “alguém estava a vandalizar” os caixotes do lixo, chegou entretanto ao local. Ao deparar-se com aquele cenário acabou por sugerir que levassem a criança para a discoteca para “a aquecer, enquanto não chegava o INEM” — o que viria a acontecer “cerca de cinco a dez minutos depois”. Por isso é que na imagem da criança partilhada pelo próprio INEM na sua página do Instagram — com a legenda “Bem vindo puto!” — se pode ver uma manta roxa de Filipe Faísca usada naquela discoteca.

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O que encontrou a polícia no local?

A chamada foi feita para a PSP por volta das 17h30 de terça-feira. A informação era clara: tinha sido encontrado um recém-nascido num caixote do lixo e estava vivo. Os agentes foram imediatamente deslocados para o local. “Foi então constatado que o recém-nascido aparentava não ter tido qualquer tipo de assistência médica e tinha ainda alguns vestígios hemáticos“, explicou o comissário Serra, porta-voz da PSP, numa conferência de imprensa realizada na manhã desta quarta-feira.

Quando a PSP chegou ao local, a criança já tinha sido retirada do ecoponto para onde tinha sido atirado pelo sem-abrigo que o encontrou e uma mulher que o ajudou, e levado para dentro da discoteca Frágil pelo dono do local, mas os agentes conseguiram apurar que “estava sem qualquer tipo de proteção, nem roupa, nem agasalho“, exceto aquela que tinha sido cedida pela mulher que ajudou no processo. Não foram encontrados quaisquer outros vestígios ou objetos que pudessem ter sido deixados com a criança e que pudessem levar à sua identificação ou à da mãe ou de quem o abandonou.

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As imagens de videovigilância já foram recolhidas?

Sim. Muito próximo dos caixotes do lixo é possível ver uma câmara de videovigilância virada exatamente para o local onde o recém-nascido foi encontrado. A câmara pertence ao Terminal de Cruzeiros de Lisboa.

A câmara de videovigilância detetada no local pertence ao Terminal de Cruzeiros de Lisboa.

Na conferência de imprensa da manhã desta quinta-feira, quando questionado sobre se as imagens dessa câmara de videovigilância já tinham sido recolhidas, o comissário Serra garantiu que “todos os meios de prova foram recolhidos”. Mais tarde, fonte da PSP confirmou ao Observador que foi feito um pedido de preservação das imagens. Essas imagens já foram disponibilizadas à polícia que as irá agora analisar — neste caso, à PJ que está agora com o caso, confirmou entretanto o Observador junto dos intervenientes.

Além das imagens, foram também realizadas outras diligências. A PJ já esteve no local a recolher os primeiros depoimentos: do sem-abrigo que encontrou o recém-nascido e da mulher que o auxiliou. À CMTV, o homem explicou que foi questionado pela PJ sobre uma questão específica: a existência de casais sem abrigo que pernoitassem naquela zona.

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Quem está a investigar o caso?

Foi a PSP que teve o primeiro contacto com a situação, mas este acabou por passar para a alçada da Polícia Judiciária. O caso, especificou fonte deste órgão de polícia criminal ao Observador, está a ser investigado pela secção de homicídios.

O Ministério Público já abriu um inquérito. “Confirma-se a instauração de inquérito relacionado com a matéria. O mesmo corre termos no DIAP de Lisboa”, disse ao Observador fonte da Procuradoria-Geral da República.

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Poderá descobrir-se quem são os pais do bebé através do ADN?

É pouco provável. O ADN do recém-nascido não permite chegar imediatamente aos pais uma vez que funciona por comparação.

Só se a PJ chegar a uma suspeita de ser a mãe, por outros meios, é que pode recolher o ADN desta e fazer o cruzamento com o da criança encontrada.

“O ADN vai então servir, quando se chegar à presumível mãe — e caso se chegue –, para demonstrar se ela é mesmo a mãe ou não”, explicou fonte da PJ ao Observador.

Daí que a análise do perfil de ADN não vá ser, à partida, a linha de orientação da investigação da PJ, segundo confirmou fonte deste órgão.

Mesmo sendo pouco provável, não é impossível. Isto porque existe uma base de dados de perfis de ADN que tem neste momentos 11 774 amostras, a maioria (9 128) de criminosos condenados a mais de três anos de anos de cadeia (só estes são obrigados pela lei a fazê-lo).

O sem-abrigo que encontrou o bebé teve de partir a abertura do ecoponto para poder entrar

Segundo o relatório anual do Conselho de Fiscalização desta base de dados, em vigor desde 2010, há também amostras recolhidas em locais do crime cuja identificação ainda se desconhece (2.455), ou seja, que ainda não tem correspondência. Há ainda amostras de funcionários (143) que lidam com os vestígios de ADN, e de voluntários que se disponibilizaram para isso (apenas 4). A base contava igualmente, em finais de 2018, com ADN de 29 cadáveres que estavam por identificar e 15 para servir de referência a casos, por exemplo, de desaparecimentos — em que os seus familiares deram ADN para o caso dessa pessoa ser encontrada.

No relatório, porém, o Conselho de Fiscalização considerava que as amostras-problemas, as tais recolhidas em locais de crime, eram ainda poucas e tinham até diminuído. Também no ADN recolhido a funcionários não constava nenhum elemento policial sem ser da PJ, apesar de PSP, GNR e SEF, por exemplo, também recolherem estas amostras e, segundo a lei, deverem disponibilizar o seu perfil de ADN.

Esta base de dados, sublinhe-se, é usada em colaboração com polícias de outros países.

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Que crimes podem estar em causa?

Podem estar em causa dois crimes: o crime de exposição ou abandono e o de tentativa de infanticídio ou homicídio qualificado.

De acordo com o Código Penal, incorre num crime de exposição ou abandono “quem colocar em perigo a vida de outra pessoa, expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se ou abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir”. A pena — que vai de um ano de prisão a cinco — aumenta ligeiramente em casos em que o crime tenha sido praticado por um “ascendente ou descendente, adotante ou adotado da vítima”. Ou seja, caso o recém-nascido tenha sido abandonado pela mãe, esta poderá ser punida com pena de prisão de dois a cinco anos.

Mais: se, do abandono, “resultar ofensa à integridade física grave” a pena é de dois a oito anos de prisão. Neste caso, o bebé sobreviveu. Mas, em casos em que a criança acabe por morreu, a pena passa a ser de três a dez anos de prisão.

O caso está agora a ser investigado pela Polícia Judiciária

Poderá também estar em causa um crime de tentativa de infanticídio ou de homicídio, consoante o momento em que foi cometido e caso se prove que a mãe estava sob a “influência perturbadora” do parto. O crime de infanticídio pune, entre um a cinco anos, uma “mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora”. Os médicos do INEM afirmaram que o bebé devia ter cinco a seis horas de vida, no momento em que foi encontrado, e, por isso, poderá não ser considerado infanticídio, mas homicídio qualificado — punível entre 12 a 25 anos de prisão.

Em caso de condenação e mesmo que se trate apenas de tentativas, os limites das penas são os mesmos de um crime que tivesse sido consumado. O que acontece é que, por serem tentativas, as penas serão sempre atenuadas, dentro da moldura prevista.

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O que a lei prevê para o futuro desta criança?

Primeiro que tudo, a lei prevê que os cuidados de saúde desta criança sejam assegurados pelo Estado, o que está a ser feito pelo Hospital da Estefânia. Paralelamente foram abertos três processos diferentes: um processo-crime, um processo cível para averiguação da paternidade e maternidade e um processo de promoção e proteção da criança.

No processo-crime, da competência da PJ, serão investigados os autores do crime de exposição ou abandono e de alegada tentativa de infanticídio ou homicídio e o caso corre na barra criminal.

No chamado processo de filiação, que é um processo administrativo que corre no Ministério Público, vai averiguar-se a maternidade e a paternidade — o que no fundo são dois processos, um para saber quem é a mãe, outro quem é o pai. Pela experiência do juiz do Tribunal de Família e Menores de Menores de Mafra, Joaquim Manuel Silva, estes processos são “super rápidos”. Caso se conclua com êxito, o Ministério Público tenta que exista a perfilhação, caso contrário é arquivado.

Bebé encontrado no lixo em Lisboa estava em hipotermia grave. Agora está “bem e estável” e o INEM divulgou a primeira imagem

Já o processo de promoção e proteção vai depender da averiguação oficiosa da maternidade e paternidade. Este corre na Comissão de Proteção de Crianças, a quem o Ministério Público entregará o destino do bebé mal saia do hospital. A lei prevê que até aos seis anos as crianças sejam acolhidas por uma família, mas nem sempre existem famílias suficientes nestes casos. Caso os pais sejam descobertos e tenham condições para cuidar do bebé, este ser-lhes-á entregue. Caso a Comissão entenda que não estão reunidas as condições ideais para a criança, ou mesmo que a identidade dos pais nunca seja descoberta, o Ministério Público deverá propor ao juiz que esta seja adotada.

De referir que este processo que corre no Tribunal de Família e Menores não depende do processo-crime, embora o juiz possa pedir informações sobre o processo-crime ao juiz que o detiver.

O importante é decidir quem vai cuidar desta criança”, lembra o juiz Joaquim Manuel Silva.

Mas há posições mais extremadas. Para o penalista Fernando Silva, que se tem dedicado a casos de menores, num caso destes, a criança está em perigo por “omissão dos progenitores” e devia seguir diretamente para adoção. Em casos de adoção, segundo a lei, cessa o processo de averiguação oficiosa da maternidade e paternidade e o processo é protegido, mesmo que a identidade dos pais se venha a conhecer. Para este jurista, mesmo que uma mãe mostre arrependimento deste ato, está em causa um crime de tentativa de homicídio e ela não deve poder voltar a cuidar da criança.

O que a lei diz é que as crianças devem ter direito à família e essa família é que a protege e quem a ama. Esta mãe não protegeu“, diz.

Mas e se a mãe foi obrigada a fazê-lo? Para Fernando Silva, caso tal tenha acontecido, nas próximas semanas essa informação virá ao de cima. “O processo de adoção não começa de um dia para o outro“, lembra. O que não pode acontecer, defende, é que “a criança fique em banho-maria à espera do que lhe possa acontecer”, porque aí está a violar-se o “superior interesse da criança”, considera.

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Como e onde se encontra o bebé?

A criança foi encontrada num estado de hipotermia grave e não sobreviveria muito mais tempo caso não fosse encontrada naquele momento. No local, foram prestados meios de socorro imediatos e o bebé foi encaminhado para o Hospital Dona Estefânia.

O bebé foi encaminhado para o Hospital Dona Estefânia, após ter sido assistido no local pelo INEM.

O recém-nascido está “clinicamente bem e estável”, segundo confirmou ao Observador fonte oficial do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central. A criança, fruto de uma gestação completa, está em observação e continuará nos cuidados intensivos daquele hospital.