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O que é o Purple Day?

O Purple Day é uma efeméride que se assinala no dia 26 de março, com o objetivo de aumentar o conhecimento sobre a epilepsia. Quem teve a ideia de criar este dia foi a jovem canadiana Cassidy Megan, em 2008, ela própria com um diagnóstico de epilepsia desde os 7 anos de idade. Com a iniciativa, Cassidy Megan pretendeu chamar a atenção para esta doença, aumentar o conhecimento e pôr as pessoas a falar sobre o assunto, com vista a desconstruir os inúmeros mitos existentes sobre o mesmo. Ao mesmo tempo, quis que quem sofre de epilepsia saiba que não está sozinho.

Ainda em 2008, a Epilepsy Association of the Maritimes, juntou-se a Cassidy Megan com o propósito de dar corpo à iniciativa e, em 2009, a The Anita Kaufmann Foundation ajudou a internacionalizar o Purple Day, que hoje é já assinalado em cerca de cem países, envolvendo diversas organizações, escolas, empresas e individualidades. Uma das maneiras que qualquer pessoa tem de se associar ao Purple Day passa por se vestir de roxo no dia 26 de março, como forma de chamar a atenção para a doença.

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O que é a epilepsia?

A Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) define epilepsia como uma doença neurológica crónica caracterizada pela existência de uma predisposição cerebral para a geração de crises epiléticas recorrentes e não provocadas. Estas crises resultam de uma atividade elétrica cerebral anormalmente excessiva e a sua apresentação clínica depende das áreas cerebrais envolvidas.

Segundo os mais recentes critérios da ILAE, estabelecidos em 2017 para o diagnóstico de Epilepsia, poderá ser suficiente a pessoa apresentar uma crise epilética única, se esta se associar a um outro fator que confira um risco de pelo menos 60% daquele indivíduo ter uma nova crise não provocada nos próximos 10 anos. Este risco acrescido pode ser conferido através de alterações encontradas em alguns exames complementares de diagnóstico, como o eletroencefalograma (EEG), a Tomografia Computorizada ou a Ressonância Magnética Cerebral.

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Quais são os sintomas?

As crises epiléticas podem manifestar-se de maneiras diferentes de pessoa para pessoa, podendo a mesma pessoa apresentar crises com manifestações clínicas distintas entre si.

Estas manifestações podem passar por alterações subtis da consciência e da responsividade, como se de breves lapsos de atenção se tratassem, até à presença de movimentos involuntários de uma parte ou todo o corpo. Nem sempre existe uma alteração do estado de consciência e, por vezes, as pessoas podem sentir apenas alterações sensitivas ou sensoriais impercetíveis a terceiros, como por exemplo, um formigueiro ou odores que não são reais. As crises podem ocasionalmente originar lesões devido a quedas ou outro tipo de acidentes que ocorram durante o episódio.

A frequência pode ser também muito variável.  É possível ter várias  crises num só dia ou as mesmas serem muito esporádicas, com uma frequência, por exemplo, inferior a uma por ano. Em sensivelmente 60 a 70% dos doentes, as crises ficam controladas e não surgem com a toma regular da medicação anti-crises adequada.

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O que causa a epilepsia?

As causas da epilepsia podem ser estruturais, genéticas, infeciosas, metabólicas, autoimunes, mas também desconhecidas. Com efeito, em inúmeros casos, nunca chega a ser possível apurar uma causa. Embora se saiba que a doença pode resultar de uma lesão cerebral, em cerca de 30%  dos casos a sua causa permanece oculta.

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Quem é mais afetado?

Estima-se que mais de 50 milhões de pessoas de todas as idades sofram de epilepsia no mundo, sendo este o quarto distúrbio neurológico mais comum globalmente. Em Portugal, entre 40 mil a 70 mil pessoas terão epilepsia, o que equivale a cerca de uma pessoa em cada 200.

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Como é feito o diagnóstico?

De acordo com a Liga Portuguesa Contra a Epilepsia (LPCE), em regra, o médico chega ao diagnóstico de epilepsia durante a consulta, baseado na descrição das crises feita pelo doente e/ou pelos familiares. Como tal, e devido à natureza das crises, é importante que os doentes se façam acompanhar na consulta médica por pessoas que as testemunhem habitualmente. A facilidade de gravar os episódios recorrendo aos telemóveis é também nos dias de hoje uma mais-valia quando chega a altura de o médico avaliar a natureza dos episódios descritos.

Pode também haver necessidade de recorrer a alguns exames para ajudar a consolidar o diagnóstico, classificar e  determinar com maior rigor o tipo de crises ou epilepsia. Um dos exames que pode ser solicitado é o eletroencefalograma (EEG), que regista a atividade elétrica cerebral. O clínico pode ainda considerar necessário que o doente realize exames de imagem como uma tomografia computorizada (TC) e/ou uma ressonância magnética (RM) cerebral. Em situações mais particulares poderá ser importante a realização de análises sanguíneas ou do líquido cefalorraquidiano.

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Existem vários tipos de crises epiléticas?

Sim, existem vários tipos de crises epiléticas, os quais são definidos em função de como aquelas se manifestam. Assim, temos:

Crises focais – Têm origem numa parte específica do cérebro. A dimensão deste foco é variável e os sintomas que se registam durante uma crise relacionam-se diretamente com as funções associadas à área cerebral afetada. As crises focais podem, ou não, comprometer a consciência. Como tal, nas crises focais sem alteração de consciência, a pessoa percebe o que está a acontecer e consegue lembrar-se do sucedido depois de a crise terminar; já nas crises focais com alteração da consciência, a pessoa perde a noção do meio envolvente, podendo apresentar  movimentos automáticos e desadequados para o contexto (vestir, despir, caminhar, mastigar, engolir, etc.), sendo que, depois de a crise passar, a pessoa não se recorda e pode nem ter noção de que teve uma crise.

Crises generalizadas – Envolvem todo o córtex cerebral. A pessoa perde a consciência e no final não tem memória do sucedido. As crises generalizadas podem ser subdivididas em crises motoras e não motoras.

As crises motoras classificam-se como:

Crises tónicas – São crises súbitas e de curta duração (alguns segundos), em que todos os músculos ficam rígidos, podendo levar a queda, normalmente para trás.

Crises atónicas – Crises súbitas e rápidas em que todos os músculos ficam relaxados, podendo causar uma queda, em regra para a frente.

Crises mioclónicas – Crises muito rápidas que se assemelham a “esticões” dos músculos. Por vezes, acontecem várias crises sucessivamente.

Crises tónico-clónicas bilaterais (convulsões) – A pessoa perde a consciência, cai e apresenta tremores (movimentos tónico-clónicos) generalizados, não se recordando do sucedido. As crises focais podem se disseminar para o restante cérebro, evoluindo para uma crise tónico-clónica bilateral.

As Ausências Típicas (crises não motoras) são crises breves, com a duração de poucos segundos, em que se verifica uma paragem da atividade, com perda de consciência, alineação em relação ao ambiente envolvente e ausência de  memória da situação.

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Como se trata a epilepsia?

O tratamento da epilepsia visa, na maioria dos casos, o  controlo das crises epiléticas. No entanto, em alguns casos, já existem algumas alternativas terapêuticas modificadoras do curso da doença. A terapêutica deve ser sempre personalizada tendo em conta o tipo de crises,  o tipo de epilepsia e síndrome epilético diagnosticado, bem como a sua etiologia e algumas características da Pessoa com Epilepsia, como por exemplo a sua idade, género, doenças ou medicamentos que está a tomar concomitantemente.  Existem atualmente muitas alternativas terapêuticas, que são selecionadas pelo médico de acordo com todos estes aspetos.

Os medicamentos anti-crises epiléticas constituem o tratamento mais frequente, estimando-se que, com estes fármacos, até 70% dos doentes possam ficar livres de crises se diagnosticados e tratados de forma adequada. Em algumas síndromes epiléticas poderá ser equacionada a suspensão da medicação na altura adequada. Nos casos em que os medicamentos se mostram ineficazes, é possível ponderar os eventuais benefícios de outras opções terapêuticas. Existem atualmente em Portugal cinco Centros de Referência para a área da Epilepsia Refratária, especializados no diagnóstico e tratamento de Pessoas com Epilepsia que mantém crises apesar de medicadas com dois fármacos anti-crises epiléticas. Nestes centros, outras alterativas farmacológicas, cirúrgicas, de neuromodulação e dietéticas estão disponíveis e devem ser ponderadas caso a caso.

Uma vez que as Pessoas com Epilepsia têm mais frequentemente outras doenças associadas, incluindo por exemplo ansiedade, depressão ou doenças do sono, sendo importante que o tratamento adequado destas seja também seja equacionado.

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A epilepsia pode ser prevenida?

De acordo com a OMS, cerca de 25% dos casos de epilepsia podem ser evitados. É possível identificar várias dimensões onde a de prevenção da doença é possível:

Procurar Cuidados de Saúde Perinatais – Os cuidados de saúde durante a gravidez, no momento do parto e ao recém-nascido ajudam a reduzir os casos de epilepsia relacionados com lesões cerebrais associadas a este período.

Reduzir o risco vascular – A epilepsia associada ao Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma causa frequente de epilepsia em qualquer grupo etário e a principal causa de epilepsia no idoso. Os AVC podem prevenir-se  através da promoção de um estilo de vida saudável e da redução dos fatores de risco vasculares, nomeadamente, prevenindo ou controlando a hipertensão arterial, a diabetes e a obesidade, bem como o tabagismo e  o consumo excessivo de álcool.

Prevenir traumatismos cranioencefálicos – É a forma mais eficaz de prevenir a epilepsia pós-traumática e passa pela prevenção de  quedas, acidentes de viação e associados a atividades lúdicas e/ou desportivas, onde o uso de capacete de proteção nunca pode ser esquecido.

Prevenir infeções do Sistema Nervoso Central – A prevenção e correto tratamento precoce de algumas infeções (como a neurocisticercose, e o HIV, por exemplo) permitem uma diminuição da incidência da epilepsia. Nos países em desenvolvimento, onde a prevalência destas infeções é superior, é notória uma maior prevalência de epilepsia de causa infeciosa.

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Que impacto tem a epilepsia na vida diária dos doentes?

As pessoas com epilepsia tendem a apresentar mais fraturas e hematomas provocados por lesões ocorridas durante as crises epiléticas do que as pessoas que não têm epilepsia. Considera-se igualmente que o seu risco de morte prematura é até três vezes superior em comparação com a população em geral, nomeadamente, devido a quedas, afogamentos, queimaduras e convulsões prolongadas.

Da mesma maneira, tendem a apresentar mais problemas relacionados com a saúde psicológica, incluindo ansiedade e depressão. Sabe-se que as pessoas com epilepsia, bem como os seus familiares, sofrem bastante com o estigma associado à doença, o que acarreta medo, incompreensão e discriminação social, com consequente impacto na sua qualidade de vida.

De salientar que a epilepsia não afeta a capacidade intelectual de quem dela sofre.

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Que cuidados alimentares devem ser seguidos?

As pessoas com epilepsia não precisam de seguir uma dieta especial, mas sim uma alimentação saudável. Não devem esquecer ainda que as bebidas alcoólicas aumentam o risco de ocorrência de uma crise.

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A prática desportiva deve ser limitada?

A atividade desportiva é recomendável à maior parte das pessoas e as que têm epilepsia não são exceção. Todavia, a realização de algumas atividades deve ser acompanhada de cuidados específicos e alguns desportos são desaconselhados, como é o caso do alpinismo, do mergulho e de outros que possam acarretar algum risco caso a pessoa sofra uma crise durante a prática. Para ter a certeza da viabilidade de determinada prática, é possível pedir aconselhamento médico.

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Qual a melhor forma de ajudar uma pessoa durante uma crise?

Antes de mais, importa ter sempre presente que:

  • Não se deve introduzir nenhum objeto (colher ou outros), nem sequer colocar os dedos, na boca da pessoa;
  • Não se deve tentar impedir os movimentos do doente ou transportá-lo para outro local, exceto em situações de perigo;
  • Não se deve dar a beber qualquer líquido até à recuperação completa da crise.

Além destes aspetos, importa adequar a atuação ao tipo de crise em causa

Nas crises focais em que há perturbação da consciência deve-se:

  • Proteger o doente de eventuais perigos envolventes durante a crise;
  • Falar de forma calma e gentil, uma vez que o doente pode estar confuso;
  • Acompanhar o doente até que este recupere por completo a consciência;
  • No final da crise, explicar o que aconteceu de forma clara e calma.

Nas crises generalizadas, com queda, deve-se:

  • Manter a calma;
  • Proteger a cabeça do doente;
  • Deitar o doente de lado e desapertar-lhe a roupa à volta do pescoço;
  • Acompanhá-lo e apoiá-lo até à completa recuperação da consciência;
  • Se a crise demorar mais do que cinco minutos e o doente não estiver acompanhado por alguém que o conheça, deve chamar-se o INEM.

Premiar projetos de saúde na área da epilepsia

Este ano, a 14.ª edição do Angelini University Award (AUA), uma iniciativa promovida pela Angelini Pharma dirigida a jovens a frequentar o ensino superior na área da Saúde em Portugal, tem como lema “Epilepsia – Soluções para uma melhor gestão da doença”. Esta edição do galardão conta com o patrocínio científico da LPCE e visa aumentar a literacia da população, melhorar os cuidados a prestar aos doentes e diminuir o estigma associado à doença. As inscrições podem ser feitas até 31 de março aqui.

A avaliação dos projetos apresentados a concurso terá em consideração a sua inovação, criatividade, metodologia, pertinência, viabilidade de implementação e apresentação formal. Serão atribuídos dois prémios monetários no valor total de 15 mil euros (10 mil euros para o primeiro prémio e 5 mil euros para o segundo), havendo ainda um terceiro prémio, que será eleito através da votação do público e com um valor ainda a definir. Os vencedores são anunciados no dia 8 de novembro, durante um evento a realizar-se no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.

Este artigo teve o apoio da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia. Para saber mais sobre a epilepsia visite: www.epilepsia.pt

Referência bibliográficas:

Fisher, Robert S. et all –  “Definição Clínica Prática de Epilepsia” (2014). International League Against Epilepsy. Disponível em: https://www.ilae.org/files/ilaeGuideline/Definition-2014-Portugal2.pdf [Acedido em março de 2023].
Fisher, Robert S. et all –  WClassificação Operacional das Crises da ILAE: Artigo de Consenso da Comissão da ILAE para a Classificação e Terminologia” (2017).  International League Against Epilepsy. Disponível em: https://www.ilae.org/files/ilaeGuideline/OperationalClassification-Fisher2017-Portugal.pdf [Acedido em março de 2023].
Scheffer, Ingrid E. et all – “Classificação das epilepsias da ILAE: Relatório da Comissão de Classificação e Terminologia da ILAE” (2017). International League Against Epilepsy. Disponível em: https://www.ilae.org/files/ilaeGuideline/ClassificationEpilepsies-Scheffer2017-Portugal.pdf [Acedido em março de 2023].
Epilepsy Foundation. What is epilepsy? Disponível em: https://www.epilepsy.com/what-is-epilepsy [Acedido em março de 2023].
Liga Portuguesa Contra a Epilepsia. A epilepsia e generalidades. Disponível em: https://epilepsia.pt/definicoes-e-classificacoes [Acedido em março de 2023].
Liga Portuguesa Contra a Epilepsia. Epilepsia – definições e classificações. Disponível em: https://epilepsia.pt/epilepsia-e-generalidades [Acedido em março de 2023].
World Health Organization. Epilepsy. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/epilepsy [Acedido em março de 2023].
World Health Organization. Epilepsy. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/epilepsy#tab=tab_1 [Acedido em março de 2023].
World Health Organization. Epilepsy. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/epilepsy#tab=tab_2 [Acedido em março de 2023].

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