(Artigo originalmente publicado a 17 de setembro de 2019, dia do debate onde foram feitas as declarações)

O que está em causa

É tudo uma questão de números. Para António Costa, o Serviço Nacional de Saúde não piorou desde que chegou ao Governo. Pelo contrário, segundo a sua análise dos números, até melhorou, apesar dos constrangimentos financeiros. Mas, para o social democrata Rui Rio, é uma questão de ter números para jogar. “O Serviço Nacional de Saúde? Em 2015, como estava? E em 2019, como está? Está pior, também tenho números para jogar: o total de consultas do SNS, médicas e de enfermagem, são menos 48 mil”, disse, para depois acrescentar: “Basta olhar para as listas de espera para consultas e cirurgias, que aumentaram”.

Quais são os factos?

De facto, os números disponíveis no portal do Serviço Nacional de Saúde dão conta de que, em 2015, os inscritos em listas de espera do SNS eram 191.874, em 2016 eram 210.515 e em 2018 aumentaram para 234.726. De 2019 não há, ainda, números. Ou seja, em 2018 havia mais 42.852 utentes à espera de uma operação, como aliás concluiu Mário Amorim Lopes num ensaio para o Observador.

E o relatório de 2018 do Acesso aos Cuidados de Saúde, elaborado anualmente pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), também mostra que entraram mais utentes para as listas de espera de cirurgia. Em 2015, tinham entrado 662.642 utentes. Dois anos depois (2017), entraram 699.132 e, em 2018, 706.103 — ou seja, “mais 6.971 do que em 2017, mais 43.461 do que em 2015”.

Rui Rio tem razão quando diz que as listas de espera estão a crescer. A declaração é, porém, enganadora, já que omite que o número de doentes inscritos para cirurgia também aumentou (PEDRO NUNES/LUSA)

Assim, o argumento de Rui Rio é verdadeiro: há de facto mais utentes à espera de uma cirurgia. Mas se mergulharmos no mesmo relatório da ACSS, encontramos um outro dado: o tempo de espera para a cirurgia não se alterou muito desde 2015. “A média do tempo de espera dos operados manteve-se nos 3,1 meses em 2017, apesar do aumento da procura e do crescimento do número de doentes operados”, lê-se. Os dados foram semelhantes no ano seguinte, o de 2018. Se em 2015 foram operados 560.401 doentes, em 2017 foram 588.813 e, em 2018, 595.978, dando razão aos números avançados por António Costa e mostrando um melhor desempenho do sistema: mesmo com mais pessoas na lista, o tempo de espera não aumentou.

Para provar que, de facto, o Serviço Nacional de Saúde melhorou durante o seu Governo, Costa despejou vários números: “Com mais 11 mil profissionais, mais 4 mil e tal médicos, 4 mil enfermeiros, técnicos diagnóstico e outros”, foi possível “fazer mais 20 mil intervenções cirúrgicas do que há quatro anos” e ter mais consultas. “Temos mais 700 mil consultas nos cuidados primários”, disse, para mostrar que estava no bom caminho para melhorar a Saúde do País.

Rio puxou dos seus dados estatísticos e lembrou: do total de consultas do SNS, médicas e de enfermagem, são menos 48 mil. Afinal são menos ou mais? O mesmo relatório dá resposta. De facto, em 2018, foram feitas mais de 31 milhões de consultas médicas em cuidados primários, num total de mais 711 mil consultas que em 2015. Mas registou-se uma ligeira redução no número de consultas por enfermeiros (em 2018 foram 19,1 milhões, em 2015 tinham sido 20 milhões). Não se sabe como Rui Rio chegou a uma diferença de 48 mil. Isto porque, somando as consultas médicas e as de enfermagem em cuidados primários, os números apontam sim para uma redução 235 mil consultas e não de 48 mil.

Conclusão

Sim, estão mais pessoas à espera, mas no que toca à lista de espera para as cirurgias, o tempo de espera para uma cirurgia pouco se alterou desde 2015. Relativamente às consultas, não se percebe como Rui Rio chegou ao número “48 mil”, porque o relatório da ACSS dá conta de que foram feitas menos 235 mil consultas.

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