Matéria delicada para qualquer político, ainda para mais um primeiro-ministro socialista, depois da Operação Marquês e das acusações ao antigo primeiro-ministro do PS José Sócrates: notícias sobre a sua declaração de rendimentos e de património. Na declaração que António Costa — como todos os titulares de cargos e altos cargos públicos têm de fazer — entregou no Tribunal Constitucional (TC) não consta qualquer conta à ordem. Isto quer dizer que o primeiro-ministro não tem nenhuma conta desta natureza? Estará a ocultá-la? Nada disso.

Uma das publicações que se tornaram virais nos últimos dias — nomeadamente após notícias que davam conta desse alegado facto — recorre a uma imagem antiga, de abril de 2020, a propósito de outra notícia. Nessa altura, o primeiro-ministro foi filmado a fazer compras num mercado, já em plena pandemia e quando ainda não era obrigatório o uso de máscara, sem estar a usar esta proteção que era, no entanto, recomendada. Desse vídeo foi aproveitado o momento em que António Costa paga, com recurso a cartão multibanco, uma compra. Este utilizador estabelece uma relação entre a imagem e a suposta inexistência de contas à ordem por parte do primeiro-ministro e questiona: “De quem será a conta bancária?”, “será da mulher? Da mãe?, De um amigo?”

As perguntas remetem para o caso Sócrates, nomeadamente sobre a “mãe” e a “mulher” e não são as únicas que, na última semana, surgiram em várias publicações no Facebook. Um dos utilizadores que partilha a mesma imagem pergunta mesmo se a conta será de Santos Silva, já que o primeiro-ministro não declarou qualquer conta à ordem ao Tribunal Constitucional.

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É verdade que não o fez, informação que o Observador confirmou pela consulta da declaração entregue pelo primeiro-ministro. Mas António Costa tem conta à ordem, segundo respondeu o gabinete do primeiro-ministro ao jornal. Então por que razão não a declarou?

De acordo com a lei do Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, “os titulares de cargos políticos e equiparados e os titulares de altos cargos públicos apresentam no Tribunal Constitucional, no prazo de 60 dias contado da data de início do exercício das respetivas funções, declaração dos seus rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais, da qual constem”.

A declaração tem de ser renovada sempre que exista uma alteração num dos elementos obrigatórios. É pedida a indicação específica de informações como a de rendimentos brutos, a descrição do ativo patrimonial, quotas, ações ou partes sociais em empresas, barcos, aviões e carros e também de “contas bancárias a prazo, aplicações financeiras equivalentes e desde que superior a 50 salários mínimos, contas bancárias à ordem e direitos de crédito”.

Costa tem conta à ordem, mas não é obrigado a declará-la. O que diz a lei e a declaração do primeiro-ministro

A formulação que consta na lei  parece indicar a necessidade de se apresentarem todas as contas à ordem. No entanto, o entendimento do Tribunal Constitucional, desde que a lei foi aprovada, é que não é isso que estava no espírito do legislador. Assim, no próprio formulário que disponibiliza aos abrangidos pela lei, pede apenas que sejam declaradas “contas bancárias à ordem e direitos de crédito de valor superior a 50 salários mínimos”, tal como o Observador explicou detalhadamente neste artigo, depois de ter consultado a declaração entregue pelo primeiro-ministro no TC e a legislação sobre estas obrigações, bem como os seus anexos.

Questionado pelo Observador, o gabinete do primeiro-ministro respondeu que António Costa “tem conta bancária à ordem com saldo inferior a 50 salários mínimos (33.250 euros, a valores de 2021), pelo que, como decorre da lei, não tem de ser declarada ao Tribunal Constitucional”. Além disso, como funcionário público, recebe por transferência bancária, pelo que tem de ter conta no banco em nome próprio. Assim, o cartão que aparece a ser usado por Costa numa compra no mercado pode ser seu.

Conclusão

É falso que António Costa não tenha conta à ordem, e o próprio confirmou que a tem. É verdade que não a declarou ao Tribunal Constitucional. Mas a declaração só é obrigatória para contas à ordem com saldos superiores a 50 salários mínimos nacionais ou quando, no seu conjunto, as várias contas de que possa ser titular ultrapassem esse mesmo valor, o que não é o caso do primeiro-ministro, que diz ter conta a ordem mas com saldo inferior a esse limite.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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