Um poster com supostas regras para os adeptos que visitarem o Qatar para o Mundial de Futebol de 2022 já conta com milhares de partilhas. A lista de proibições é extensa: segundo a imagem, quem voar até ao país não poderá beber álcool, ser homossexual, expor partes do corpo (dependendo das partilhas, há quem diga que essa regra só se aplicaria a mulheres), dizer palavrões ou namorar.

Mas a veracidade do poster já foi desmentida. Melhor dizendo: já foi desmentido que a imagem — que é real — tivesse sido criada por qualquer tipo de autoridade do país ou pela organização do torneio de futebol.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A própria organização publicou, no Twitter, no dia 6 de outubro, um comunicado em que se refere ao gráfico, dada a dimensão que as partilhas já estavam a atingir. A imagem “não é de uma fonte oficial” e contém “informação factualmente incorreta”, explica o texto. “Aconselhamos fortemente os fãs e visitantes a confiarem apenas em fontes oficiais da organização para conselhos de viagem.”

O mesmo texto adianta que o comité do Qatar responsável pela organização e a FIFA irão publicar um “extenso guia para fãs” que promete “contrariar” muita da informação que está a circular. E assegura: “Os organizadores do torneio deixaram claro desde o início que toda a gente é bem-vinda ao Qatar para o Mundial de Futebol. O Qatar tem sido sempre uma nação aberta, tolerante e acolhedora.”

Mas a realidade será mais complexa do que isso — e o verdadeiro contexto e leis do Qatar, país amplamente criticado por ativistas e organizações de defesa dos direitos humanos, sobretudo desde que o Mundial começou a ser organizado, terá levado muitos utilizadores a acreditar na veracidade da partilha.

Para já, é possível perceber que a origem do poster será a conta de Twitter de uma organização local de cidadãos, conservadora, chamada Reflect Your Respect (Mostra o teu Respeito, em português). O próprio poster, que aconselha os visitantes a respeitarem a “cultura e religião local” evitando aqueles “comportamentos”, contém o logótipo desta organização.

Estabelecida que está a origem da informação, convém perceber porque é que ela circulou tão facilmente, o que pode ter a ver com os hábitos religiosos e culturais no Qatar, assim como com as várias polémicas em que o país tem estado envolvido e pelas quais é criticado.

No próprio site do torneio, há uma secção destinada a informar os visitantes sobre a cultura local, que lembra que o Qatar é um “país relativamente conservador”, ainda que “extremamente acolhedor”. E algumas das informações disponíveis coincidem, de facto, com as que o poster inclui.

Por exemplo: quanto à indumentária, “as pessoas podem vestir, genericamente, o que quiserem”, mas ainda assim é “esperado” que cubram os ombros e joelhos quando visitarem “locais públicos, como museus e outros edifícios do governo”. Nadar será permitido especificamente nas praias privadas dos hotéis e nas piscinas. Além disso, os adeptos não poderão tirar as suas camisolas dentro dos estádios.

Quanto ao álcool, avisa o website, “não faz parte da cultura local”, mas estará “disponível para compra” pelos fãs em “restaurantes licenciados e muitos hotéis”, além de a organização ter aprovado regras mais relaxadas do que no resto do país para permitir que se possa beber em bancas perto do estádio (não lá dentro) e à noite numa zona oficial chamada Fan Festival (festival dos fãs). É ilegal bebê-lo na rua. Também não se pode trazer álcool de outro país, uma vez que pode ser confiscado à chegada.

O mesmo guia explica que as “demonstrações de carinho em público” também não fazem parte da “cultura local” e pede que os adeptos “respeitem” essa regra. Quanto às fotografias, pede-se “cortesia” e aconselha-se que seja pedida autorização antes de fotografar membros do público. Já tirar fotografias ou gravar vídeos de edifícios do governo é terminantemente proibido.

Ainda para explicar aos adeptos a adaptação às regras do Qatar, fica definido que no país o primeiro dia da semana é domingo, sendo o fim de semana sexta-feira (dia sagrado, com bancos e outros serviços fechados) e sábado.

Ou seja, embora o poster não fosse verdadeiro no sentido em que não foi emitido por nenhuma autoridade nem tudo o que diz seja factual, várias das informações que contém têm a ver com regras e leis reais do país.

Comunidade LGBT alvo de detenções arbitrárias no Qatar

Embora a comunidade LGBT não seja mencionada no website do torneio, a maneira como o país trata estas pessoas há muito que gera preocupação. De resto, ainda esta semana a organização não-governamental Human Rights Watch acusava a polícia do Qatar de deter arbitrariamente membros da comunidade LGBT e de os maltratar, com algumas dessas detenções a ocorrerem em setembro, já com a preparação para o Mundial a decorrer.

Entre os casos documentados encontram-se seis alegados espancamentos “severos e repetidos” e cinco casos de assédio sexual sob custódia policial. Segundo o comunicado da ONG, as forças de segurança do país terão ordenado que as mulheres transgénero participassem em sessões de “terapia de conversão”.

“Enquanto o Qatar se prepara para acolher o Campeonato Mundial, as forças de segurança estão a deter e a abusar de pessoas LGBT simplesmente pelo que são, aparentemente confiantes de que os abusos das forças de segurança não serão relatados e não serão controlados”, podia ler-se no comunicado. “O mundo está a assistir.”

Qatar vai gastar 80 mil litros de água por dia nos estádios do Mundial. Métodos poluentes geram preocupação

Não são as únicas críticas feitas à organização e ao regime do Qatar. Desde logo, a Amnistia Internacional está a exigir uma investigação às condições em que morreram milhares de trabalhadores na construção dos estádios e infraestruturas para o Mundial, pedindo que o país e o torneio assumam responsabilidades e ajudem a compensar as famílias.

Amnistia exige investigação a milhares de mortes de trabalhadores ligados ao Mundial 2022

Há também a questão ambiental, uma vez que o Qatar, situado numa das regiões mais áridas do mundo, se prepara para gastar 80 mil litros de água por dia nos seus estádios, recorrendo a métodos poluentes para garantir essa quantidade de água.

Conclusão

O poster em causa foi criado por uma organização local e não emitido pelas autoridades ou pela organização do Mundial. No entanto, contém algumas regras verdadeiras ou parcialmente verdadeiras, num país que tem sido muito criticado pelas condições em que está a organizar o torneio e pelas violações de direitos humanos.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge