Uma publicação que tem sido amplamente partilhada no Facebook alega que uma história de banda-desenhada publicada em 1957 “previu” a pandemia da Covid-19. A publicação inclui uma vinheta retirada de uma história da série norte-americana de banda-desenhada “O Fantasma”, onde o herói surge a colocar uma máscara na cara e a dizer a duas outras personagens: “Atem-na como eu estou a fazer. Isto vai proteger-vos do ‘vírus da China’ no vale.

A vinheta é acompanhada por uma legenda onde se lê: “Acreditam que esta banda-desenhada foi publicada em 1957?

Contudo, trata-se de uma imagem manipulada: na história original, não é aquilo que a personagem diz.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Vamos por partes. O desenho é, efetivamente, real. As histórias de “O Fantasma”, um herói criado pelo autor norte-americano Lee Falk, começaram a ser publicadas diariamente em jornais dos EUA em 1936 — e a personagem foi objeto de diversas expressões ao longo das décadas seguintes, tendo inclusivamente ganhado vida em séries e filmes mais recentes. Algumas histórias da série chegaram a ser publicadas em Portugal.

O desenho em causa nesta publicação diz respeito a uma história efetivamente publicada em 1957. Trata-se da história “The Valley of no Return”, publicada em jornais entre 1 de julho de 1957 e 21 de setembro de 1957, como apontam várias fontes disponíveis publicamente (incluindo páginas de internet especializadas em arquivos de banda-desenhada, como esta, e serviços de fact-checking, como este).

O excerto da história original. À direita, a vinheta original ampliada.

Nessa história, o herói confronta-se com a existência de uma misteriosa substância no ar que adormece pessoas e animais — e encoraja outras personagens a colocarem pedaços de tecido embebidos em água a tapar a boca e o nariz. Tal é visível quando se lê a prancha completa. Na vinheta em questão, a personagem diz: “Atem-na como eu estou a fazer. Isto vai proteger-vos da ‘peste do sono’ no vale.” (É usada a expressão inglesa “sleep death“, e não “China virus“.)

Logo desde o início da pandemia, expressões como “vírus da China” ou “vírus chinês” foram usadas de modo pejorativo por figuras como o ex-presidente dos EUA Donald Trump para atribuir à China a responsabilidade pela disseminação do coronavírus — o que aprofundou os atritos diplomáticos entre os EUA e a China.

Conclusão

Basta uma pesquisa rápida no mundo dos arquivos da banda-desenhada para perceber que aquele desenho foi efetivamente publicado em 1957, mas a fala do herói não se referia a nenhum “vírus da China” — mas, sim, a uma “praga do sono” sobre a qual a história versava. A publicação em causa inclui uma imagem adulterada para propagar uma expressão polémica que já foi duramente criticada ao longo dos últimos quase dois anos de pandemia.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge