A questão do alargamento de prazos de prescrição para crimes de abuso sexual ganhou uma nova vida nos últimos meses, na sequência da revelação de casos de abusos sexuais de menores praticados no contexto na Igreja Católica portuguesa. Desde então, foram vários os partidos com assento parlamentar a trazer para a agenda política a possibilidade de alterar a lei. O aumento do prazo de prescrição deste tipo de crimes acabou por ser aprovado no Parlamento no início do mês de março. A partir de agora, os procedimentos criminais passam a não prescrever antes de a vitima fazer 30 anos, ao contrário dos 23 anos anteriormente previstos por lei. Este alargamento já tinha, de resto, sido proposto pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja.
Aprovados projetos para aumento dos prazos de prescrição de crimes sexuais contra menores
Poucos dias antes desta aprovação na Assembleia da República, surgiu uma publicação nas redes sociais a alegar que o Chega foi “o único a defender o aumento das prescrições para crimes de abuso sexual”. O post em questão é acompanhado de uma captura de ecrã que, alegadamente, mostra os resultados da votação de um projeto de lei da atual legislatura (XV) e que promove a “alteração dos prazos dos crimes sexuais contra menores e de um conjunto de crimes de corrupção”. Na imagem é dado a entender que apenas o Chega terá votado a favor desse projeto de lei ou que estado isolado na defesa de uma maior penalização de “crimes de abuso sexual”.
Na votação do diploma referido na publicação (370/XV/1.ª), a Iniciativa Liberal e o PAN abstiveram-se. Os restantes partidos votaram contra. A medida, alega esta imagem, acabou por ser rejeitada pelo Parlamento. Mas será que esta afirmação é verdadeira?
Se procurarmos no site da Assembleia da República pelo projeto de lei referido (370/XV/1.ª), percebemos que nem sequer diz respeito a crimes sexuais, nem a uma proposta apresentada pelo Chega ou, sequer, a um projeto de lei. Diz, sim, respeito a uma proposta de resolução do PSD datada de janeiro deste ano, que recomenda ao Governo que “elabore, atualize e aprove os Programas de Ordenamento do Território (PROT), de modo a estabelecer estratégias concretas de prevenção e atenuação de fenómenos meteorológicos adversos e excecionais”. O diploma em questão acabou por ser aprovado por unanimidade no início de março. Foi publicado duas semanas depois em Diário da Assembleia da República.
Já o alargamento da idade da vítima para efeitos de prescrição de crimes de abusos sexuais foi aprovado a 9 de março deste ano, por unanimidade, numa sessão plenária solicitada pelo Chega. Em debate estiveram propostas não apenas do Chega, mas também da Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PAN. Fazendo uma pesquisa na página oficial da Assembleia da República é possível concluir que todas foram aprovadas por unanimidade — à exceção do projeto de lei apresentado pelo partido liderado por André Ventura.
O Chega apresentou cinco iniciativas legislativas, todas acabaram chumbadas. Entre elas, o partido voltou a sugerir a castração química de pedófilos e a criação de um Plano Nacional de Combate à Pedofilia. O Chega propunha também fixar em 15 anos o prazo de prescrição destes crimes e que o procedimento criminal não se extinguisse antes de a vítima completar 30 anos de idade — proposta que contou com o voto contra de PS e PCP, a abstenção de PSD, PAN e Livre e o voto favorável do proponente, da IL e do BE. De acordo com a informação que consta em Diário da República, as propostas do Chega — identificadas como “150/XV/1.ª”, “600/XV/1.ª”, “601/XV/1.ª”, “461/XV/1.ª” e “504/XV/1.ª” — não correspondem também, como já referido, à iniciativa legislativa referida na publicação (370/XV/1.ª).
De resto, fazendo uma simples pesquisa em motores de busca como o Google, percebemos que o Chega não foi o único partido a defender um alargamento dos prazos de prescrição para crimes de abusos sexuais. Na internet encontramos várias notícias, a citar diferentes líderes partidários, que pedem uma resposta mais abrangente aos abusos sexuais de menores.
O presidente do PSD, por exemplo, veio defender o aumento do prazo de prescrição destes crimes logo em março, na véspera da sessão plenária que aprovou a medida. Na altura, Luís Montenegro classificava a situação dos abusos na Igreja como “indescritível e inaceitável” e pedia “uma reflexão do legislador”, manifestando-se convicto de que existiam “todas as condições” para um consenso entre os partidos.
Montenegro defende aumento do prazo de prescrição de crimes de abuso de menores
Também a deputada do PS Isabel Moreira pediu um alargamento de prazos, numa publicação nas redes sociais, depois de conhecidas as conclusões da comissão independente (fê-lo, aliás, ainda antes de a publicação em análise ter sido partilhada no Facebook). A socialista escreveu que havia “muito caminho a percorrer em matéria de crimes sexuais”, referindo que esta proposta devia ser acatada com “humildade”. Já o ex-líder da IL, João Cotrim de Figueiredo, defendeu em declarações na Assembleia da República que o partido via “com bons olhos” o alargamento dos prazos da prescrição dos crimes sexuais, considerando que existiam “condições de ir mais longe” do que os 30 anos (também neste caso, as declarações foram proferidas antes de o autor do post partilhar este conteúdo). A Iniciativa Liberal apresentou também uma proposta nesse sentido.
Já pelo partido Livre, nesse mesmo dia (13 de fevereiro) o deputado único Rui Tavares mostrou-se disponível para acompanhar iniciativas legislativas em áreas como a revisão e alargamento dos prazos de prescrição para crimes de abuso sexual, em particular de menores. No mesmo sentido, Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, anunciou logo em fevereiro que iria propor no Parlamento a criação de um grupo de trabalho sobre o aumento dos prazos de prescrição dos crimes de abusos sexuais.
Conclusão
A publicação é falsa. O Chega não foi o único partido a defender um alargamento dos prazos de prescrição para crimes de abuso sexual. Foram vários os partidos com assento parlamentar a sugerir o mesmo, indo ao encontro da sugestão da comissão independente que analisou os abusos na Igreja Católica portuguesa. De resto, o aumento dos prazos foi aprovado no Parlamento, mas todos os projetos de lei do Chega relativos a este tipo de crimes acabaram por ser chumbados pelos deputados — o que, ainda assim, não valida a tese expressa na publicação em análise.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.