Pedro Nuno Santos é “o principal responsável pela falta de habitação” em Portugal, para André Ventura, o líder do partido Chega. E porquê? Porque, afirmou Ventura no debate com o líder socialista, no seu mandato como ministro da Habitação (2019-2022) construíram-se menos casas em Portugal do que desde o início deste século. É uma acusação que faz sentido e é fundamentada em estatísticas oficiais?

O líder do Chega, que se terá baseado numa infografia criada pelo portal +Liberdade, insistiu neste argumento, embora tenha confundido vários períodos temporais. Primeiro disse que se construíram casas em Portugal a um ritmo que foi o menor do “século passado todo” (o que, em rigor, significaria o século XX, entre 1901 e 2000); mais tarde afirmou que a construção naqueles anos foi “a mais baixa do século” (o que significaria desde 2001 até ao presente); e, finalmente, assinalou que foi “a pior construção de sempre” .

Ainda assim, mesmo não considerando estas imprecisões, o gráfico que André Ventura utilizou fala sobre a “média anual de fogos concluídos em construções novas para habitação familiar, em Portugal, desde 1995“. Um primeiro bloco diz respeito a 1995-1999 e aponta para uma média anual de casas novas construídas de 82 mil, o segundo bloco (2000-2004) foi o melhor de todos: 104 mil. Existe, depois, um terceiro bloco entre 2005 e 2009 com 64 mil casas construídas por ano, em média. Logo a seguir veio a crise financeira e o resgate da troika e a construção em Portugal afundou para uma média anual de 20 mil (entre 2010 e 2014).

Esses foram anos muito marcados por dificuldades no crédito bancário, tanto na promoção (pelas construtoras) como na aquisição (pelas famílias), e por um êxodo de muita mão de obra, mais ou menos especializada, para outras geografias como, por exemplo, Angola. A atividade de construção travou a fundo e, entre 2015 e 2021, um último bloco do gráfico calcula uma média anual de apenas 12 mil casas construídas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O candidato socialista a primeiro-ministro respondeu dizendo que sob a sua alçada (incluindo, aqui, a sucessora Marina Gonçalves, muito próxima de Pedro Nuno Santos) foi lançado “o maior plano de investimento público em habitação da história da democracia”, numa alusão aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência que foi lançado no pós-Covid.

Mas Ventura explicou que estava a falar de “todo o tipo de construção“, não apenas a construção pública, dando a entender que os governos a que Pedro Nuno Santos pertenceu não souberam aplicar políticas de incentivos para que fossem construídas mais casas em Portugal – de origem pública ou privada – de forma a que houvesse mais oferta no mercado e não houvesse hoje tantas dificuldades no acesso à habitação no País.

Estes dados permitem afirmar que Pedro Nuno Santos, que foi ministro das Infraestruturas, Transportes e Habitação entre 2019-2022 (e entregou a pasta da Habitação à ministra Marina Gonçalves após 2022), foi “o principal responsável pela falta de habitação” no paísEis o que dizem as estatísticas oficiais do INE sobre o ritmo de construção nova, independentemente de ser pública ou privada:

Depois de uma atividade fulgurante no início da zona euro, em que o setor da construção foi muito apoiado pela banca, que emprestou a taxas de juro baixas (a promotores e clientes finais), a construção de casas novas caiu a pique na aproximação à crise financeira internacional e, mais tarde, o resgate da troika. O ponto mais baixo neste gráfico – que, sublinhe-se, não inclui reabilitação mas apenas construção nova – foi em 2015: apenas 7.148 casas novas construídas num ano inteiro.

A subida a partir daí foi gradual, com o mercado imobiliário a tornar-se mais dinâmico e a banca mais capitalizada e disponível para conceder crédito a construtores e famílias. Em 2023, a quantidade de casas construídas deverá ter sido sensivelmente o triplo daquilo que foi o mínimo tocado em 2015: com mais de 21 mil casas novas colocadas no mercado. Isto contradiz a ideia transmitida por Ventura, porque no período em que Pedro Nuno Santos foi ministro (mesmo antes de assumir a pasta da Habitação) a atividade de construção já estava a animar.

Antes de ir para a habitação, Pedro Nuno Santos foi ministro dos Assuntos Parlamentares (entre 2015 e 2019). Só em 2019 assumiu a pasta da habitação e, aí, o valor já estava acima das 12 mil casas construídas num ano.

Estes dados dizem respeito a construções terminadas mas igualmente importante é olhar para o ritmo dos licenciamentos – já que construir uma casa pode demorar um ou dois anos, ou até mais, e esta é uma área onde os governos também podem ter influência (promovendo a simplificação dos licenciamentos ou obstaculizando-os).

A este respeito, um documento recente do INE salienta que “entre 2017 e 2022, assistiu-se a um crescimento contínuo no total de fogos licenciados, com exceção de dois anos específicos: 2020 e 2022″ – o primeiro ano da pandemia e o ano que começou com a invasão da Ucrânia, que provocou muita instabilidade nos preços de algumas matérias-primas usadas na construção.

Ao longo do período de 2017 a 2022, a tendência geral foi de crescimento contínuo no licenciamento de fogos em construções novas para habitação familiares”, diz o INE.

Conclusão

Os dados citados por André Ventura, apesar das imprecisões de linguagem, são verdadeiros e têm como fonte o instituto +Liberdade (a partir de dados do INE), que avaliou a construção nova por legislatura. Só que as estatísticas oficiais compiladas pelo INE indicam, porém, que o ritmo mínimo anual de construção nova em Portugal foi atingido em 2015 – o que é razoável atribuir-se aos constrangimentos orçamentais associados ao programa de assistência financeira e, sobretudo, às grandes dificuldades sentidas pelo setor bancário naqueles tempos.

Os anos seguintes foram de lenta recuperação e o mandato de Pedro Nuno Santos como ministro da Habitação (que começou em 2019) até coincidiu com um aumento não só das novas construções concluídas como, também, dos licenciamentos. Isto embora haja outros fatores, como a evolução do setor e os fluxos de investimento, que até poderão ter tido um papel mais importante do que a própria ação do Governo.

Por estas razões, não sendo globalmente falsos os dados citados por André Ventura, a conclusão que o líder do Chega tira deles é enganadora.

IFCN Badge