Qual fenómeno sazonal, há um gesto no futebol que aparece nos nossos ecrãs de tempos a tempos: uma equipa marca golo, há festejos efusivos que arrastam abraços para fora do campo, mas um solitário jogador, qual mártir, sacrifica a sua alegria em prol do grupo e fica dentro do campo, sozinho. Porquê? As redes sociais justificam sempre de forma heroica na legenda da foto: alegadamente, dizem, se aquele último jogador não ficasse em campo, ou seja, se todos estivessem fora do relvado, o adversário poderia retomar o jogo de imediato.

Voltámos a ver essa situação neste Mundial, com pelo menos dois casos que inundaram as redes sociais: no Portugal-Suíça, dos oitavos-de-final, Bernardo Silva ficou a ver ao longe os colegas a festejar o terceiro golo. Eles fora do campo, para lá da bandeirola de canto, em abraços; Bernardo de mãos à cintura, em cima da linha, mas dentro do campo. Já na final do Mundial, nem a emoção de um golo decisivo impediu a mesma situação: Kolo Muani foi o último jogador a chegar ao abraço de grupo dos festejos do segundo golo de Mbappé e foi empurrado para dentro do campo por Theo Hernández para, supostamente, não deixar os argentinos seguir jogo.

Mas esta regra existe mesmo? Não, é apenas um “mito-urbano-futebolístico”, é falso. É o que nos explica o ex-árbitro internacional e “áudio-árbitro” da Rádio Observador Pedro Henriques: “Não, a outra equipa não pode recomeçar o jogo se todos festejarem fora de campo. Há duas leis para nos basearmos num caso destes: a lei 3 e a lei 8”. Ora, vamos lá então pegar no manual das Leis do Jogo, já na versão de 2022-2023 e em tradução para português de Portugal, feita pelo Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No caso da Lei 3, falamos do ponto 1, referente ao “Número de Jogadores”. Diz este ponto que “… o árbitro não deve recomeçar o jogo depois de a bola ter deixado de estar em jogo se uma equipa não tiver o mínimo de sete jogadores” em campo. Ou seja, de acordo com este ponto, temos a primeira garantia: o jogo só recomeça quando pelo menos sete jogadores estiverem dentro do campo e prontos para jogar, sendo que é obrigatório que um deles seja guarda-redes.

Quanto à Lei 8, que fala do “Começo e recomeço do jogo”, voltamos a destacar o ponto 1, que se refere ao procedimento do pontapé de saída, na página 81. É aí, no sexto parágrafo do ponto 1, que podemos ler que, “em cada pontapé de saída, todos os jogadores, exceto o jogador que executa o pontapé de saída, devem encontrar-se no seu próprio meio-campo”.

O ex-árbitro Pedro Henriques, autor do programa da Rádio Observador Sem Falta, usa o exemplo prático do Portugal-Suíça, imaginando que Bernardo Silva também tinha saído das quatro linhas: “A Suíça queria recomeçar o jogo. Punha a bola no meio-campo e o árbitro olhava para o meio-campo português e contava quantos jogadores estavam lá. Nenhum? Então não posso recomeçar já o jogo. Só isto”.

Além destas duas leis, há ainda uma referência a celebrações de golos na Lei 12 do manual das Leis do Jogo, mas que menciona apenas que “deixar o terreno de jogo para celebrar um golo não é uma infração passível de advertência” e que “os jogadores devem regressar o mais rapidamente possível”, mas sem mencionar nenhuma regra mítica de recomeço, como avançam as publicações.

Conclusão

É falso. Não há nenhuma regra nas Leis do Jogo que permita que uma equipa recomece um jogo de imediato enquanto a outra festeja toda fora do campo. Não é preciso deixar nenhum jogador dentro das quatro-linhas para evitar um recomeço rápido do adversário. Trata-se apenas de um mito, repetido muitas vezes nas redes sociais. As Leis dos Jogo são claras: o jogo só pode recomeçar quando a equipa estiver no seu próprio meio-campo, com pelo menos 7 jogadores (com a obrigatoriedade de um ser guarda-redes), o número mínimo para um jogo de futebol decorrer.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook

IFCN Badge