Uma publicação no Facebook deixa uma acusação ao Governo por estar a “gastar 32 milhões de euros para substituir cadernos eleitorais”. Além disso, sugere que existe a intenção de o Governo implementar o voto eletrónico. Mas será que as duas alegações são verdadeiras?

O texto é curto e atribui ao primeiro-ministro a decisão de gastar uma quantia que ascende aos 32 milhões de euros para substituir cadernos eleitorais e “aldrabar o povo nas próximas eleições”. A frase segue com o seguinte aviso: “Não aceite o voto eletrónico.” Não é referida qualquer fonte desta informação.

No final de agosto, o Governo aprovou a autorização para a “compra de 29 mil equipamentos informáticos para as assembleias de voto, até ao montante máximo de 23.200.000 euros (acrescidos de IVA), no âmbito da desmaterialização dos cadernos eleitorais já nas eleições europeias de 2024”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como é possível verificar, o valor disponibilizado é inferior (mesmo com a taxa normal de IVA) ao que consta na publicação do Facebook em análise e só diz respeito à desmaterialização dos cadernos eleitorais, ou seja, a existência de cadernos eleitorais em formato digital. Segundo o Governo, isso vai permitir o voto em mobilidade nas próximas Europeias, em qualquer região do território, seja qual for a origem e naturalidade dos cidadãos, permitindo também a votação antecipada.

Em junho, o ministro da Administração Interna explicou que “os cadernos eleitorais passaram a estar desmaterializados, quem está na mesa de voto, com o cartão do cidadão vai ao respetivo meio informático, vê o número do respetivo eleitor e procede à descarga do voto desse eleitor”. Com as Europeias marcadas para uma altura de feriados em Portugal, 9 de junho, José Luís Carneiro colocou esta como uma “forma de combater a baixa participação eleitoral nas europeias. No último ato eleitoral a taxa de abstenção rondou mesmo os 69%”, afirmou então.

Europeias terão voto em mobilidade e antecipado para tentar refrear abstenção

Segundo o Governo anunciou em agosto, nas Europeias já será possível “a utilização de cadernos eleitorais desmaterializados em todas as assembleias de voto, ou seja, uma versão digital em computador. O que permitirá agilizar o direito de voto, exercer o direito de voto em mobilidade, no dia da eleição, em qualquer mesa de voto constituída”.

Quanto ao voto eletrónico, a única decisão que existe, por agora, é uma recomendação do Parlamento ao Governo, aprovada em julho, da autoria do PS e aprovada por todos os partidos, exceto o PCP. O projeto defende que o Governo “efetue, nas comunidades portuguesas, num país ou conjunto de países, uma experiência de voto eletrónico presencial em mobilidade com o objetivo de poder contribuir para a simplificação do ato de votar e promover o aumento da participação”. O PSD queria ir mais longe, defendendo a implementação do voto eletrónico de forma não presencial — o que foi chumbado no Parlamento (com o voto contra do PS), com o partido a inscrever no seu projeto de revisão constitucional a possibilidade de a lei eleitoral vir a consagrar isso mesmo.

O líder do PS e primeiro-ministro, António Costa, tem sido reservado na aplicação desta possibilidade que em 2019 considerava ter ainda “muitas fragilidades”, não estando no horizonte do partido, segundo dizia ao Lusojornal na entrevista aqui publicada. Ainda assim, o seu Governo tem vindo a evoluir na posição e, no ano seguinte, nas Grandes Opções do Plano, que se estendiam até 2023, constava o objetivo de “generalizar a experiência de voto eletrónico presencial já testada no distrito de Évora, nas últimas eleições Europeias”. Neste relatório sobre essa experiência em Évora em 2019, feito pela secretaria-geral da Administração Interna, pode consultar (da página 83 à 85) as conclusões sobre o voto eletrónico então experimentado e também sobre os cadernos desmaterializados.

Até ao momento não há, no entanto, qualquer indicação do Governo sobre a implementação do voto eletrónico. Para já, o objetivo é tirar os cadernos eleitorais do papel e digitalizá-los, para facilitar o voto em mobilidade como forma de combater a abstenção já nas Europeias do próximo ano.

Conclusão

O Governo vai investir na desmaterialização dos cadernos eleitorais, mas não com 32 milhões de euros. O valor máximo aprovado pelo Conselho de Ministros para essa medida é um pouco abaixo daquele que consta na publicação. Além disso, neste momento não existe qualquer medida do Governo para implementar o voto eletrónico, sendo certo que existe uma recomendação do Parlamento nesse sentido — embora o PS apenas consinta o voto eletrónico presencial e rejeite o não presencial defendido pelo PSD.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge