No período dedicado a questionar o primeiro-ministro, a líder do Bloco de Esquerda afirmou que “o privado fecha as portas quando a população mais precisa de cuidados”, insinuando que as unidades de saúde privadas se colocaram de fora da assistência à população durante a pandemia. Mas a afirmação é, no mínimo, enganadora.
Há, de facto, situações em que unidades hospitalares privadas fecharam as portas —durante algum tempo—, em plena pandemia e durante o combate à Covid-19, como o caso dos hospitais do SAMS ou do hospital Trofa Saúde em Famalicão (que durante algumas semanas entre março e abril e forçou os trabalhadores a gozar dias de férias), mas não é verdade que todas as unidades de saúde privadas tenham rejeitado cuidados à população durante a pandemia. A generalização torna a afirmação parcialmente falsa.
Ao Observador, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) diz que é “totalmente falso que os hospitais privados tenham encerrado ou sequer denunciado convenções com o SNS” e que essa afirmação “revela total irresponsabilidade que só serve para bloquear o acesso dos portugueses a uma saúde de qualidade”.
Com a chegada da pandemia da Covid-19 e a necessidade de ajuste dos recursos à eventual sobrelotação dos hospitais, o ministério da Saúde chegou a ter articulado com os hospitais privados (e do setor social) uma solução que previa uma “eventual necessidade de requisição”, com cinco hospitais a serem ativados para servirem de apoio ao SNS. No entanto, ainda em abril, o SNS prescindiu do apoio do Hospital Privado da Boa Nova, em Matosinhos, do Hospital de São Gonçalo de Lagos, do Hospital da Luz e CUF Infante Santo, em Lisboa e da CUF Porto (que tinham disponibilizado cerca de 300 camas).
Quem paga a conta no privado? Marta Temido faz outra pergunta: “Quem é que pagaria antes?”
“A partir desse momento, os hospitais privados deixaram de receber doentes Covid do SNS [por decisão das entidades públicas] e reorganizaram-se para poder satisfazer de forma segura e mais adequada os seus doentes (Covid e não Covid). Os hospitais privados não fizeram mais porque o Ministério da Saúde não quis”, responde ao Observador a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada acrescentando que a redução da atividade hospitalar nos privados “decorreu das orientações da DGS e da falta de procura, nas mesmas condições dos hospitais públicos”.
Registando, em abril, uma queda na atividade assistencial de 67%, segundo a associação, face ao mesmo mês de 2019, os números do mês de julho ficaram próximos dos “indicadores registados antes da pandemia”.
“Os hospitais privados estão a funcionar em pleno para dar resposta integral a quem os procura e, no atual contexto, é mesmo fundamental que as pessoas continuem a cuidar da sua saúde, que não tenham receio de ir ao hospital. É por isso que a APHP apoia incondicionalmente a campanha digital ‘Não Espere. Defenda a sua Vida’ que o Conselho Estratégico Nacional da Saúde da Confederação Empresarial de Portugal [CIP] criou para sensibilizar a população para a importância de, em caso de doença, mesmo neste contexto de pandemia, procurar sempre aconselhamento e ajuda junto dos serviços de saúde”, aponta a associação esclarecendo que as unidades privadas se organizam da mesma forma que as públicas estando preparadas para doentes com a Covid-19 e não-Covid.
A Associação aponta ainda de falta de “vontade política” para articular respostas “entre todas as instituições de saúde do país”. “Em rede funcionaríamos de forma mais eficiente e aumentaríamos o acesso aos cuidados de saúde, mas esta vontade política… Ainda está bloqueada. Se os hospitais privados não fazem mais é porque o Ministério da Saúde não quer”, acusam.
Mais recentemente, vieram a público notícias de hospitais privados que estariam a transferir grávidas com teste positivo à Covid-19 para os hospitais públicos, mas Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada afirma que apenas “houve cinco parturientes que foram transferidas para o SNS” dos 6.137 partos realizados pelos hospitais privados entre março e agosto, argumentando ainda que tal acontece também dentro do SNS, com os hospitais a seguirem as instruções das autoridades de saúde e a as grávidas a serem “acompanhadas nos hospitais assumidos como de referência”.
Conclusão
É verdade que há registo de duas unidades de saúde privadas que encerraram durante algum tempo em plena pandemia (tendo ambas sido reabertas semanas mais tarde), mas é enganador afirmar que “o privado fecha as portas”, como se tivesse sido completamente vedado o acesso de doentes com a Covid-19 à assistência hospitalar em unidades de saúde privadas. Houve ainda, durante algum tempo, um acordo entre a tutela da Saúde e cinco hospitais privados para que pudessem servir de apoio de retaguarda que acabou por ser cancelado por iniciativa do ministério da Saúde, durante o mês de abril. Ou seja: os privados até queriam ter recebido mais doentes do SNS, mas foram as entidades públicas que abdicaram de recorrer a esses serviços protocolados.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é: