Não é a primeira vez que circula nas redes sociais uma lista de conselhos para “eliminar o vírus”. Mas, por não terem qualquer sustentação da ciência, confiar neles pode colocar a sua saúde em risco. Para “fortalecer o sistema imunológico”, a lista abaixo apoia-se em “conselhos dos hospitais” que devem ser partilhados por mais pessoas para que possam evitar a infeção pelo novo coronavírus ou até eliminá-lo do corpo.

Davide Carvalho, médico e diretor do Centro de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de São João começa por explicar ao Observador que todos os nutrientes necessários para “fortalecer o sistema imunitário” estão incluídos na “chamada dieta Mediterrânica (…) que pode representar um padrão nutricional saudável a ser seguido em quarentena” e sustenta que por isso não há razão para recorrer aos suplementos alimentares. “Não há evidência científica que demonstre que tomas de suplementos com vitaminas melhorem a infeção Covid-19”, garante.

A publicação menciona a toma de vitamina C e E como conselhos clínicos, mas vale lembrar também que a toma de suplementos vitamínicos só está indicada em casos de défice destas vitaminas e deve ser sempre aconselhada por um profissional de saúde. Em alternativa, o médico indica que “fontes de vitaminas C incluem pimentão vermelho, laranja, morango, brócolos, manga, limão e outras frutas e legumes”. Por outro lado, as principais fontes dietéticas de vitamina E são “óleos vegetais (soja, girassol, milho, gérmen de trigo e noz), nozes, sementes, espinafre e brócolos”.

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Já sobre os conselhos alimentares descritos, o médico aponta como “ingredientes chave” da dieta Mediterrânica “o azeite, as frutas e vegetais frescos, as leguminosas ricas em proteínas, peixes e grãos inteiros”. Davide Carvalho alerta ainda para moderação no consumo de “vinho e carne vermelha”.

O endocrinologista deixa, em alternativa a esta lista, os próprios conselhos alimentares. Tendo em conta também a saúde mental de quem está confinado, assinala que “é importante consumir alimentos que contenham ou promovam a síntese de serotonina e melatonina ao jantar”. Falamos, por exemplo, de “amêndoas, bananas, cerejas e aveia”. “Além disso, a quarentena pode ser associada a menos tempo passado ao ar livre, menos exposição ao sol e produção reduzida de vitamina D”, continua Davide Carvalho, que admite que “a deficiência de vitamina D no inverno está associada a epidemias víricas”. Por isso, aconselha o peixe, o fígado, a gema de ovo e alimentos com adição de vitamina D, como é o caso de alguns leites e iogurtes no mercado.

Mas continuamos na análise aos pontos descritos na lista. O consumo de água e tempo recomendado de descanso descritos coincidem, por seu lado, com as recomendações gerais de um estilo de vida saudável, e por isso são para ter sempre em conta, não apenas em tempo de pandemia.

Os sintomas descritos na publicação e associados ao novo coronavírus também batem certo com o que a Direção-Geral de Saúde e o Ministério da Saúde sinalizam como sintomas da infeção por SARS-Cov2.

No caso de verificar estes sintomas, deve ligar para a linha SNS24 e não esperar pela cura através dos alimentos indicados para “eliminar o vírus” ou impedir a infeção “antes de chegar aos pulmões” — esta lista de alimentos é enganadora e, se desconfiar que pode estar infetado pelo novo coronavírus ou mostrar sintomas, deve informar as autoridades de saúde e procurar aconselhamento médico de forma a não colocar em risco a sua saúde e das pessoas que o rodeiam.

Como já tinha explicado ao Observador a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, não há uma cura universal para o coronavírus e “nenhum alimento consegue evitar o contágio nem auxiliar após uma pessoa se contaminar”. A garantia era deixada numa altura em que circulava pelas redes sociais uma lista muito semelhante à que agora é veiculada, igualmente com o argumento de os alimentos com pH mais elevado poderem contornar a infeção pelo vírus.

Neste contexto, vale também explicar que a escala de pH varia de 0 a 14 e que na publicação em causa há alimentos com valores que ultrapassam a escala, o que prova desde logo que a lista não contém informação verdadeira. Há igualmente alimentos considerados ácidos (com pH abaixo de 7) que na lista aparecem com um pH superior a esse valor. Além disto, os alimentos não têm um pH fixo, mas sim aproximado, pelo que qualquer valor associado aos alimentos teria de mostrar números variáveis.

Conclusão

Alexandra Bento dizia ao Observador, para a elaboração de um fact check muito semelhante a este, que “o que circula na Internet é muito perigoso. Não há nenhum medicamento, nem alimento, nem suplemento milagrosos”.

É também o que garante o endocrinologista Davide Carvalho, que lembra que uma alimentação saudável é crucial para o fortalecimento do sistema imunitário e ajuda no combate a vários quadros de doença – não apenas, mas também, a Covid-19.

É preciso, contudo, deixar claro que os conselhos alimentares servem para conferir robustez à saúde geral das pessoas e não são uma cura para a infeção pelo novo coronavírus nem servem de barreira de transmissão do vírus.

Em suma, a alimentação pode ajudar, sim, a evitar quadros graves de doença da Covid-19, porque a saúde geral do indivíduo é decisiva nesses mesmos quadros, mas não há alimentos “milagrosos” que curem ou impeçam a infeção, ao contrário do que é referido na publicação.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com a classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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