O vídeo que circula nas redes sociais mostra uma mulher de vestido comprido e megafone na mão, a gritar protestos indistinguíveis no meio de uma passadeira onde circulam várias carrinhas pretas, todas parte da mesma comitiva. A certa altura, a pessoa que grava o vídeo comenta, em inglês: “Ela vai ser atropelada.” Segundos depois, entra em cena um polícia que agarra a manifestante, atira-a ao chão e imobiliza-a, perante os gritos de quem assiste à cena: “Larga-a! Larga-a!”.

A conclusão, errada, do autor desta publicação no Facebook — e de muitas outras do mesmo género que andam a circular — é que a manifestante (“esquerdopata” é o termo usado para a referir) estava a tentar “atrapalhar a comitiva do Presidente do Brasil”, Jair Bolsonaro, durante uma deslocação aos Estados Unidos. “Ela achou que podia praticar lá a baderna que faz aqui, mas a polícia de lá cuidou bem dessa baderneira”, garante o mesmo utilizador.

Frame do vídeo que mostra a mulher a gritar ao megafone, na passadeira.

Mas isso não é verdade, uma vez que as imagens não mostram a passagem da comitiva do Presidente brasileiro, nem o protesto estava relacionado com o chefe de Estado brasileiro.

Como várias peças jornalísticas publicadas nesse dia (quarta-feira, 8 de junho) provam, as imagens mostram, na verdade, o protesto de uma manifestante pró-aborto à passagem da comitiva, não de Jair Bolsonaro, mas do seu homólogo norte-americano, o Presidente Joe Biden. E foi travada por um agente dos serviços secretos que acompanhava a comitiva de Biden, com a ajuda de agentes do Departamento de Polícia de Los Angeles.

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Polícia imobilizou a mulher na estrada, enquanto algumas pessoas gritavam que a largasse.

O protesto surge no contexto da decisão da maioria dos juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos — que já tinha sido antecipada na imprensa e foi esta sexta-feira votada e confirmada — de anular a decisão do processo Roe vs. Wade, a decisão que, em 1973, legalizou a interrupção voluntária da gravidez, fixando jurisprudência.

Supremo Tribunal dos Estados Unidos acaba com o direito constitucional ao aborto no país

Significa isto que os 50 estados norte-americanos podem agora legislar individualmente sobre o assunto. Segundo um levantamento do Instituto Guttmacher, 26 deverão mesmo proibir o aborto ou adotar leis mais restritivas, tendo 13 desses estados leis já prontas.

Ora, o que a manifestante grita no vídeo, constata o Independent (outros meios não explicam o conteúdo dos protestos), é um apelo nesse sentido, defendendo que “a proibição do aborto não vai impedir os abortos — apenas os seguros”. Isto apesar de o próprio Joe Biden já se ter mostrado contra a decisão de proibir o aborto e de ter defendido que nesse caso a população terá de eleger representantes pró-escolha para manter as leis que permitem a interrupção voluntária da gravidez, estado a estado.

O vídeo foi gravado na baixa de Los Angeles, por onde Joe Biden estava a passar para se dirigir à Cimeira das Américas, que começou há quase 30 anos, por iniciativa dos Estados Unidos, para unir os dois continentes na construção de um bloco de comércio.

Desta vez, como escrevia o Globo, o objetivo do evento era reunir os líderes destes países para discutir o fortalecimento da democracia na região. Bolsonaro chegou a Los Angeles nessa quinta-feira, dia 9, e teve um encontro bilateral com Biden na mesma noite. Ou seja, apenas chegou à cidade um dia depois de o vídeo ter sido gravado, pelo que seria impossível estar a passar na altura do protesto.

Como a Fox noticiava na altura, no vídeo aparecem também manifestantes, do outro lado da estrada, com bandeiras de alguns dos países que foram excluídos pelos Estados Unidos da cimeira (Cuba, Nicarágua e Venezuela). A Casa Branca disse não ter intenção de convidar “ditadores”, citando a assessora de imprensa Karine Jean-Pierre.

Conclusão

O protesto não era contra Jair Bolsonaro, que ainda nem sequer tinha aterrado em solo norte-americano por esta hora, mas sim contra a comitiva de Joe Biden, que ia a caminho da Cimeira das Américas. Segundo o Independent, a manifestante estaria a defender o direito ao aborto, esta sexta-feira anulado pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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