“Alguém me explica isto”, pede uma longa publicação no Facebook que compara a política migratória de vários países com a política migratória que está em vigor na União Europeia.

“Se atravessares a fronteira da Coreia do Norte ilegalmente, és condenado a 12 anos de trabalhos forçados. Se atravessares a fronteira afegã ilegalmente, és alvejado”, mas ao contrário do que acontece nestes países “se entrares por alguma fronteira da União Europeia ilegalmente serás obrigado a ter carta de condução, segurança social, trabalho, cartões de crédito, renda de casa subsidiada”. A lista é longa mas o autor garante que “por último, e não menos importante: Podes manifestar-te nas ruas e até queimar a bandeira nacional”. O objetivo da publicação é claro, tenta comparar de forma negativa as políticas migratórias europeias com as políticas migratórias de alguns dos países mais restritivos do mundo.

Publicação no Facebook com informações erradas sobre a política migratória europeia.

Publicação no Facebook com informações erradas sobre a política migratória europeia.

Vamos então por partes. Qual é a política da União Europeia para com a imigração ilegal? Em 2022, 330 mil migrantes em situação irregular entraram nas fronteiras dos Estados membros da União Europeia. De acordo com os números da Frontex, foi o número mais elevado desde 2016 e representa um aumento de 64% face ao ano anterior, 2021.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estes números levaram alguns Estados membros, como os Países Baixos, a Bélgica, a Irlanda e a Dinamarca a levantar preocupações sobre o aumento das entradas irregulares. Neste encontro, que aconteceu em 2023, o primeiro-ministro da Irlanda deixou a posição clara: “É importante que sejamos nós, enquanto europeus, a decidir quem entra nos nossos países, não aqueles que se dedicam ao tráfico de seres humanos. Aqueles que conquistarem o estatuto de refugiado têm o direito de permanecer, mas os outros não, e devem ser devolvidos.” E o chanceler da Áustria alinhou no mesmo sentido defendendo que os 27 precisam de “carregar no travão” à migração ilegal na União Europeia.

Mas há novidades. Ainda a 8 de junho, a maioria dos ministros com as pastas das migrações da União Europeia chegaram a acordo para dar mais um passo em direção ao Pacto de Migração e Asilo que os 27 querem ter concluído até abril de 2024. Os Estados-membros passam, a partir de agora, a ter de acolher um determinado número de requerentes que chegam a um outro país, sujeito a pressões migratórias. Se recusarem, têm de pagar 20 mil euros por cada requerente de asilo rejeitado. Hungria e Polónia votaram contra o acordo e Bulgária, Malta, Eslováquia e Lituânia abstiveram-se.

União Europa chega a acordo sobre reforma das regras de asilo

Mas a história recente da União Europeia — desde a Crise de Refugiados de 2015 — não é universalmente a favor da imigração, principalmente da imigração ilegal, como a publicação faz querer parecer. Na publicação, lê-se: “Se entrares por alguma fronteira da União Europeia ilegalmente, serás obrigado [um termo usado aqui com alguma carga de ironia] a ter carta de condução, segurança social, trabalho, cartões de crédito, renda de casa subsidiada.”

Em novembro de 2020, a Comissão Europeia apresentou o Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021-2027, um plano quepromove a inclusão para todos” e “elimina as barreiras que podem impedir a inclusão de pessoas com antecedentes migratórios”. O Plano de ação insta os Estados membros: a apostar na “educação e formação inclusivas” dos migrantes; a promover a melhoria “das oportunidades de emprego”; dá financiamento específico para promover “o acesso a serviços de saúde” e o acesso a “habitação adequada e a preços acessíveis”. Mas este plano de ação tem como vista integrar os cidadãos “nacionais de países estrangeiros que residam legalmente na UE”.

Em vez disso, a política da União Europeia para migrantes em situação ilegal é baseada no “retorno” aos seus países de origem. A própria Comissão Europeia define o “retorno de migrantes em situação irregular é essencial para aumentar a credibilidade das políticas no campo da proteção internacional e da migração ilegal”. “Todos os anos, mais de 300 mil estrangeiros são obrigados a deixar a União Europeia, porque entraram ou permanecem irregularmente.”

Esta parte da política migratória europeia levanta vozes de alerta entre as organizações humanitárias. A Oxfam, por exemplo, denuncia que migrantes e refugiados são maltratados por agentes da polícia em países como a Sérvia, a Croácia, a Hungria e a Bulgária: “A violência e a intimidação são usadas para expulsá-los ilegalmente e negar-lhes acesso aos procedimentos de asilo.” Outro exemplo, a associação de Médicos sem Fronteiras acusa os Estados membros da União Europeia de aprovarem “políticas violentas que custam vidas” e defende que o esforço feito para acolher refugiados ucranianos mostra que a UE é “capaz de criar e implementar uma política de migração humanitária: a única coisa que falta é vontade política“.

Ao Observador, André Costa Jorge, da Plataforma de Apoio aos Refugiados, recorda que “desde o início dos anos 2000” a União Europeia tem adotado uma “postura firme de combate à imigração irregular”, como consta na informação do Parlamento Europeu. “Regra-geral, as legislações nacionais não concedem apoios, ou vias de regularização para pessoas que entraram de forma irregular na UE“. Já no caso português, é possível um migrante regularizar a sua situação “pela via do trabalho”, mesmo que entrem por via irregular.

“Devem trabalhar e pagar impostos (IRS) e contribuições (Segurança Social) durante 12 meses e, durante esse período, não têm acesso a direitos básicos, como o acesso gratuito ao SNS, aulas de português, formação profissional, nem podem recorrer livremente às autoridades em caso de exploração laboral ou ocorrência de crimes graves ou muito graves, pois correm o risco de serem detidas e deportadas.” Ainda assim, e com a lupa virada ainda para o caso português, os imigrantes que se encontrem em situação irregular continuam a ter acesso à saúde, “mas pagam o valor real das consultas e dos exames, o que significa que uma ida às urgências pode representar uma despesa superior a 100 euros.

Mesmo para os migrantes que veem a sua situação regularizada em Portugal, é “completamente falso que sejam obrigados a ter carta de condução“, “completamente falso” que sejam obrigados a abrir conta bancária ou que a maioria da população imigrante preencha os requisitos para a atribuição de cartão de crédito.

É, ainda, igualmente falso que os migrantes tenham rendas subsidiadas. Como explica o presidente da Plataforma de Apoio ao Refugiado, “regra geral, pessoas imigrantes e refugiadas são deixadas de fora das políticas públicas de habitação em Portugal”, uma vez que os programas nacionais de apoio exigem provas de taxa de esforço “muito inferiores à realidade migrante” e um mínimo de cinco anos de residência no Município.

Conclusão

Se a União Europeia respeita mais os direitos humanos dos seus imigrantes do que países como a Coreia do Norte ou o Afeganistão? Sim. Não há dúvidas. Mas não é esse o ponto que a publicação tenta provar. Sugere que os imigrantes que atravessarem as fronteiras europeias ilegalmente têm vantagens à sua espera, como “carta de condução, trabalho, cartões de crédito, renda de casa subsidiada”. O que não é verdade. Mesmo a lista de incentivos sugeridos por Bruxelas aos Estados membros, destina-se a cidadãos “nacionais de países estrangeiros que residam legalmente na UE“.

Além disso, a Europa sofreu uma das piores crises de refugiados no continente em 2015 e a forma como responde à chegada de migrantes em situação irregular ou ilegal é, desde essa altura, muito criticada por várias organizações humanitárias, como os Médicos sem Fronteiras ou a Oxfam.

“Regra-geral, as legislações nacionais não concedem apoios, ou vias de regularização para pessoas que entraram de forma irregular na UE“, reforça a Plataforma de Apoio aos Refugiados. A Plataforma fala de uma publicação que pretende “fomentar o ódio e a violência com base na informação”.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge