A discussão sobre qual o veículo mais poluente do mundo — se o movido a energia elétrica se o que é movido a combustível tradicional — continua a percorrer as redes sociais. No passado dia 8 de outubro, uma publicação de Facebook alegava que o veículo responsável por “extrair materiais necessários para produzir uma bateria da Tesla” queima “mil litros de gasóleo em 12 horas”. “E as pessoas ainda falam em emissões zero quando conduzem o seu carro elétrico”, alega, em jeito de ironia, o autor. Trata-se, no entanto, de uma publicação que continua a ser falsa.
Primeiro, é preciso dizer que esta discussão, do ponto de vista do autor, parte de um pressuposto errado: é que o fabrico de uma bateria da Tesla (ou de outro carro elétrico) não é o único parâmetro de avaliação no que diz respeito às emissões ou a outro elemento qualquer poluente que afete o planeta. Para perceber o porquê, o Observador contactou a professora Fátima Montemor, da Unidade de Química Estrutural do Instituto Superior Técnico, que garantiu que não existe nenhum sistema de produção de energia no mundo que não liberte emissões. “Desde centrais termoelétricas, barragens, painéis solares, ou mesmo sistemas de armazenamento e energia como as baterias, nenhuma destas, quer no seu fabrico ou utilização, está totalmente isenta de emissões”, explica.
Basta olhar para o exemplo do fabrico de um automóvel: é necessário, por exemplo, extrair e transportar minério para obter o aço, bem como outros metais, do zinco ao magnésio. “Estes processos consomem energia, combustível fóssil e produzem largas emissões. É também necessário processar derivados do petróleo para produzir as partes plásticas como os pneus ou bancos, seja um Tesla ou um Fiat, há uma grande pegada ecológica associada”, alega.
Resolvida esta questão, é necessário olhar para o tópico principal, o da bateria da marca liderada por Elon Musk. São necessárias diferentes matérias primas, como níquel, manganês ou o lítio, bem como outros componentes (elétricos ou não) que necessitam de processos de extração, de transporte e de processamento. Tudo exige, novamente, algo: o consumo de energia que origina emissões. “O mesmo se passa com a produção de hidrogénio, porque são precisos minérios para produzir metais, carbono e componentes poliméricos. E, claro, também é necessário o uso de água para produzir hidrogénio. Quanto à gasolina, já se sabe, é necessário explorar petróleo”, afirma a professora Fátima Montemor. Ou seja, nenhum combustível é verdadeiramente limpo e isento de emissões.
Quanto à questão de qual o mais limpo, se as baterias, se os combustíveis tradicionais, a especialista diz que ganha o primeiro nesta corrida, pois “no conjunto da sua vida liberta menos emissões”. “São muitos os estudos que o comprovam e o cenário tem vindo a melhorar à medida que a qualidade e capacidade das baterias aumenta, a par da capacidade das estratégias de reutilização e reciclagem, que se vão tornando obrigatórias”, diz. Portanto, o avanço tecnológico e civilizacional tende a aproximar-nos de um cenário de emissões zero, mas esse, segundo a professora Fátima Montemor, “é um objetivo quase impossível de atingir”.
Como referido, os estudos são vários, mas é possível olhar para alguns. Por exemplo, segundo um relatório de março de 2021 da Transport & Environment, que se refere a um conjunto de organizações não governamentais que trabalham na área do meio ambiente e do transporte, o “peso do petróleo ou do diesel queimado para fazer gasolina durante o tempo de vida útil é à volta de 300/400 vezes maior do que a totalidade de células de metal usadas no fabrico de baterias”. Depois, entre outras conclusões do estudo, convém destacar duas: será necessário menos material para produzir baterias e a Europa precisará de importar menos estes materiais por causa da reciclagem. Ou seja, os combustíveis fósseis desperdiçam muito mais matérias-primas do que as baterias elétricas.
É verdade que a discussão sobre a “pureza ecológica” do lítio (usado no fabrico destas baterias) tem levantado algumas dúvidas nos últimos tempos, mas, quanto ao que é alegado pela publicação original, não é possível apurar que seja verdade. Ou seja, com a informação disponível neste momento, é possível dizer que os automóveis elétricos são menos poluentes do que os automóveis movidos a combustível fóssil. Mas ser menos poluente não quer dizer que isento de emissões. Também é necessário dizer que publicações semelhantes à acima descrita foram já desmentidas anteriormente por fact-checkers internacionais.
Conclusão
Os estudos apontam, bem como um vasto leque de especialistas no tema, que as baterias elétricas usadas em automóveis são menos poluentes que os veículos que usam combustível fóssil. Mas serem menos poluentes não significa que não libertem emissões prejudicais à atmosfera da Terra. O Observador consultou a professora Fátima Montemor para perceber se, de facto, estas baterias seriam mais poluentes e a resposta foi esclarecedora: tanto quanto foi possível apurar até ao momento, não. O que é alegado pelo autor “traduz-se numa afirmação não sustentada cientificamente. É apenas uma conclusão com base numa parte do processo e que carece de uma análise adequada”, alega a professora Fátima Montemor.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.