As acusações são variadas: segundo várias partilhas no Facebook, tanto as Nações Unidas (ONU) como a Organização Mundial da Saúde (OMS) estão empenhadas em defender que as crianças devem ter parceiros sexuais e ser ensinadas pelas escolas a “masturbarem-se, usarem pornografia, aprenderem a fazer sexo oral e terem relações homossexuais”.

Um relatório da ONU daria, segundo esta partilha, instruções aos professores da escola primária para se “certificarem” de que as crianças começam a ter parceiros sexuais e relações sexuais “o mais cedo possível”. Por tudo isto, defende a publicação, seria necessário tomar posição para “proteger” as crianças.

Esta publicação tem por base, na verdade, um site que se baseia em excertos truncados, a partir dos quais se fazem interpretações muito diferentes daquilo que está escrito, de um relatório da UNESCO publicado em 2018, com o objetivo de servir de “guia técnico” aos educadores para ensinarem educação sexual com base em “evidência científica”.

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O texto que serve de prefácio ao relatório, assinado pela diretora da instituição, Audrey Azoulay, explica que “demasiadas crianças ainda fazem a transição da infância para a vida adulta recebendo informação incompleta, incorreta ou cheia de preconceitos” sobre o seu desenvolvimento físico, social e emocional. Essa impreparação, defende, aumenta a “vulnerabilidade” das crianças e jovens, cujo risco de “exploração e outros perigos” aumenta, e significa um “falhanço do dever” que a sociedade tem de proteger “uma geração inteira”.

No site Stop World Control, no qual se baseia a publicação aqui em análise, o quadro pintado é bem mais preocupante. A página, que abre com um aviso em que diz querer avisar a humanidade sobre “a agenda da dominação mundial”, é frequentemente visada por órgãos que fazem fact-checking por disseminar informação truncada ou simplesmente errada.

Neste caso, citam-se partes do relatório da UNESCO cortadas ou fora do contexto. Há, no longo texto publicado pelo Stop World Control e disponível em seis línguas, muitos exemplos supostamente retirados diretamente do documento original.

Logo para começar, o site diz fazer uma “paráfrase” e um “resumo” das orientações oficiais do organismo, mencionando que entre elas estão as seguintes: “Crianças pequenas são seres sexuais que devem começar a ter parceiros sexuais e relações sexuais assim que possível. Por esta razão, crianças no jardim de infância e na primária devem ser ensinadas a desenvolver luxúria e desejo sexual, aprender a masturbar-se, construir relações do mesmo sexo, usar pornografia online e aprender técnicas diferentes, como sexo oral.”

Segue depois para imagens do relatório original, com partes sublinhadas. E o que se pode ler ali, nas partes (completas) que o próprio site cita, é que a educação sexual é um processo que tem por base a aprendizagem sobre os “aspetos cognitivos, emocionais, físicos e sociais” da sexualidade, para “munir crianças e jovens do conhecimento, capacidades, atitudes e valores que lhes irão permitir: perceber a sua saúde, bem estar e dignidade; desenvolver relações sociais e sexuais respeitadoras; considerar a forma como as suas escolhas vão afetar o seu bem-estar e o dos outros; e perceber e assegurar a proteção dos seus direitos ao longo das suas vidas”.

Ora, deste excerto, o Stop World Control escolhe destacar apenas quatro palavras sublinhadas: “munir crianças e jovens” e “relações sexuais”. E, a partir daí, parte para a conclusão de que o objetivo é que as crianças e jovens tenham relações sexuais o mais cedo possível.

Noutro exemplo, o site cita um parágrafo do relatório em que se diz que um dos objetivos da educação sexual é ajudar a “desenvolver capacidades necessárias para fazer escolhas saudáveis durante a vida”, incluindo a “capacidade para refletir e tomar decisões com informação, comunicar e negociar de forma eficaz e demonstrar assertividade. Estas capacidades podem ajudar crianças e jovens a criar relações respeitadoras e saudáveis com familiares, pares, amigos e parceiros românticos e sexuais”.

O site sublinha, deste parágrafo, apenas a parte que se refere a “criar relações (…) com parceiros sexuais”, ignorando que o contexto fala em ensinar-lhes capacidades para a “vida” de forma a assegurar que essas relações venham a ser saudáveis e “respeitadoras”.

O site critica depois alguns conteúdos indicados no relatório para certas idades — o documento aponta que na faixa dos cinco aos oito anos será adequado explicar que as pessoas podem mostrar afeto umas pelas outras através do “toque” e da “intimidade”, prevendo que percebam que isso pode incluir beijos, abraços, toques e por vezes comportamentos sexuais, mas devem aprender o que é ou não é um toque apropriado e o que devem fazer se alguém lhes tocar de uma “maneira má”.

O Stop World Control destaca também os conteúdos planeados para crianças de 9 a 12 anos sobre o conceito de masturbação, embora omita o facto de o relatório dizer, na mesma secção, que devem ser capazes de “comparar vantagens e desvantagens de escolher adiar relações sexuais ou de começar a ser sexualmente ativo” e referir que a abstinência é a forma mais segura de prevenir gravidezes e doenças sexualmente transmissíveis, incluindo HIV.

Há também uma parte do relatório que refere, para crianças dessa idade, a “primeira experiência sexual”, mas o site omite que isso consta de uma secção sobre a “informação” que se deve dar às crianças — e não a uma qualquer indicação para que essa experiência deva acontecer.

Quanto às referências a relações entre pessoas do mesmo sexo, o que o relatório indica, mais à frente, é que as crianças e jovens devem aprender que a discriminação é errada e pode ter “efeitos negativos” sobre as pessoas que a sofrem.

Conclusão

Não há nada no relatório em causa que indique que as crianças devem ter parceiros sexuais ou começar a ter relações sexuais o mais cedo possível. O documento, que dá instruções sobre educação sexual, defende que se dê informação contextualizada sobre alguns destes tópicos, incluindo sobre as vantagens da abstinência.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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