A discussão sobre os números de profissionais de saúde — e, em concreto, sobre o número de médicos — no Serviço Nacional de Saúde tem ocupado boa parte da discussão política dos últimos meses. Na convenção do Bloco de Esquerda, no último fim de semana, Catarina Martins voltou ao tema para registar a fatura de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) “sem instrumentos para fixar” os seus recursos humanos. E fez as contas desta forma: “Com um SNS sem instrumentos para fixar os seus profissionais — veja-se a perda de quase dois mil médicos no SNS até ao fim de 2020, e já vai em mais de 200 os que este ano saíram do SNS —, será que o Governo acha que deve continuar a impedir que haja carreiras com exclusividade nos hospitais e centros de saúde? Já sabem a resposta.”

O ponto de chegada era político e ideológico: a defesa da exclusividade nas carreiras na área da saúde — e fica, por isso, excluído desta verificação de factos. Mas o argumento da coordenadora do Bloco de Esquerda parte de dois dados concretos: um saldo negativo de “quase dois mil médicos” em pleno ano de pandemia e “mais de 200” a menos no SNS, só nos primeiros meses deste ano.

Esta passagem do discurso de Catarina Martins, no domingo, pode ser ouvida no vídeo publicado pelo site Esquerda.net no Youtube, a partir do minuto 10’35’’.

Antes de partir para a análise dos números, importa destacar um dado: no discurso de Catarina Martins que foi enviado antecipadamente aos jornalistas que acompanhavam a convenção do partido, a primeira destas duas referências apontava para a “perda de quase mil médicos no SNS” no ano passado. Mas, quando fez a sua intervenção perante os militantes, a coordenadora do Bloco acabou por falar em “quase dois mil médicos” a menos no SNS em 2020.

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E isso conduz-nos ao primeiro ponto desta verificação. Se se tivesse mantido fiel à versão que tinha sido disponibilizada com embargo à comunicação social, era seguro admitir que Catarina Martins tinha sido rigorosa na sua análise.

Vejamos porquê: em janeiro de 2020, e de acordo com os dados do Portal da Transparência do Ministério da Saúde, havia 30.484 médicos a trabalhar no SNS. É esse o resultado da soma do número de médicos internos (10.929) e de médicos com mais anos de carreira nos hospitais da rede pública. No final desse ano, esse universo tinha caído para os 29.539. Ou seja, em dezembro, havia um saldo negativo de 945, entre estes profissionais de saúde.

Uma “perda de quase mil médicos”, portanto. Mas o eco da intervenção de Catarina Martins no espaço público não se faz a partir das palavras que levava escritas e em que se baseou para fazer o discurso de encerramento da convenção do partido. É a palavra dita que conta, para todos os efeitos. E, por isso, quando a coordenadora do Bloco de Esquerda mencionou um saldo negativo de “quase dois mil médicos no SNS até ao fim de 2020”, incorreu num erro. Um lapso de leitura, possivelmente, mas que se traduz num erro de rigor de números.

E em relação aos “mais de 200 este ano que saíram do SNS”? Aí, não há qualquer dissonância entre o que estava no papel e aquilo que foi reproduzido por Catarina Martins em Matosinhos — mas nem por isso os dados estão corretos.

Repetimos o exercício: 31.406 médicos registados como ativos no SNS em janeiro deste ano (11.119 dos quais internos) e 31.244 em abril (10.892 internos), segundo os dados mais recentes do Portal da Transparência. Contas feitas, havia menos 162 destes profissionais a trabalhar no SNS em abril, em comparação com janeiro. E não “mais de 200”, como referiu a líder do Bloco de Esquerda.

Conclusão

Num e noutro dados, Catarina Martins está errada. Ainda que as suas notas para o discurso estivessem corretas, na referência aos “quase mil médicos” a menos no SNS, no balanço do ano passado, a formulação que acabou por usar fê-la incorrer num duplo erro. Nem 2020 chegou ao fim com uma “perda de quase dois mil médicos” no SNS nem este ano saíram “mais de 200” destes profissionais do serviço público de saúde.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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