O antigo primeiro-ministro José Sócrates tem viajado para o Brasil nas últimas semanas sem avisar os tribunais, apesar de ser arguido em dois processos com origem na operação Marquês. O próprio alegou, em entrevista à SIC Notícias, a 15 de junho, que não tem de o fazer porque não está sujeito ao Termo de Identidade e Residência nesses dois processos. Uma publicação no Facebook, que simula uma partilha da estação televisiva, incluindo o layout do post e o logo da televisão, atribui uma citação ao antigo primeiro-ministro em que este alegadamente diz: “A juíza não pode obrigar a dizer onde andei, não sou um ladrão qualquer, eu pertenço ao PS“. É, no entanto, falso que José Sócrates tenha feito qualquer referência ao PS nessa entrevista ou que tenha utilizado expressões similares a esta.

A publicação que atribui a José Sócrates uma citação que este não fez na entrevista à SIC

A entrevista foi emitida na SIC Notícias no dia 15 de junho e basta assistir na íntegra ao vídeo (que está disponível no site da estação de informação) para se perceber que José Sócrates nem sequer fala no PS ao longo dos vinte minutos de entrevista. É verdade que José Sócrates alega que não tem de comunicar as suas deslocações ao Brasil nem ao tribunal nem à juíza.

Mas eu não tenho de comunicar ao tribunal [as deslocações ao estrangeiro]. Esse é um ponto. E não tenho porquê? Por uma razão simples: eu não tenho Termo de Identidade e Residência neste processo. Neste processo de que estamos a falar, nunca prestei Termo de Identidade e Residência”, disse José Sócrates na entrevista à SIC Notícias.

O antigo primeiro-ministro chega a dizê-lo, especificamente, sobre sobre a juíza (Margarida Alves), que lhe pediu essas informações no âmbito de um processo que não é o principal, mas que surge na sequência da Operação Marquês. Confrontado pelo jornalista da SIC Notícias sobre o facto de a juíza já ter solicitado ao juiz do processo principal (Ivo Rosa) que o Termo de Identidade e Residência fosse estendido a este processo, José Sócrates viu nisso um reforço da sua posição:

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Se a juíza pediu ao processo anterior a certidão de Termo de Identidade e Residência, é porque [este processo] não o tinha. Se não o tinha, não pode obrigar, nem pode perguntar por onde andei ou deixei de andar. É apenas um abuso. É uma violência, que se soma a tantas outras ao longo destes oito anos de processo Marquês. No outro processo, o Marquês, o Termo de Identidade e Residência extinguiu-se também”, acrescentou José Sócrates na mesma entrevista.

Com base nestas declarações de José Sócrates percebe-se que a primeira parte da afirmação que o autor da publicação em causa lhe atribui (“A juíza não pode obrigar a dizer onde andei”) corresponde de forma aproximada ao que José Sócrates disse, ao contrário do que se segue nas frases entre aspas também atribuídas ao antigo chefe de Governo (“…não sou um ladrão qualquer, eu pertenço ao PS”) — que foram inventadas pelo autor da publicação.

Numa tentativa de credibilizar a informação falsa, o mesmo autor fez uma fotomontagem, utilizando como base uma publicação (verdadeira) da própria SIC Notícias. Uma comparação entre a imagem do autor e a imagem original, partilhada na página de Instagram SIC Notícias a 15 de junho permite constatar que a imagem original da SIC foi adulterada.

À esquerda, a imagem adulterada, publicada a 18 de junho. À direita a imagem publicada no Instagram da SIC Notícias, a 15 de junho

A polémica em torno das idas do antigo primeiro-ministro ao Brasil adensou-se no último mês. A 18 de maio, foi noticiado pela revista Visão que o Ministério Público queria que José Sócrates explicasse as viagens ao Brasil. Nessa ocasião, à CNN Portugal, o antigo chefe de Governo anunciava que resistiria a dar essas informações: “Não mudei de endereço pessoal, razão pela qual não me sinto obrigado a comunicar ao tribunal nada mais que não seja o meu termo de residência”.

A 31 de maio, a defesa de José Sócrates, que é representado por Pedro Delille, respondia ao requerimento do Ministério Público, noticiado pelo Lusa, dizendo que o antigo primeiro-ministro “não tinha — nem tem — obrigação alguma de comunicar e, muito menos, de prestar a tribunal ou a processo algum (…) qualquer tipo de informação relativamente a tais deslocações, pois a única medida de coação a que está sujeito é o Termo de Identidade e Residência e tal medida não envolve nenhuma restrição à liberdade ou ao património dos arguidos”.

Quinze dias depois, na entrevista à SIC Notícias, José Sócrates disse que “não teria nenhum problema em responder a essas perguntas se fossem feitas com bons modos.” O antigo primeiro-ministro não só não disse que não tinha de comunicar neste processo as idas ao estrangeiro por não ter Termo de Identidade e Residência como acrescentou que, no processo principal, “o Marquês, o TIR extinguiu-se também”.

Entretanto, na última segunda-feira, foi noticiado que a juíza acedeu ao pedido do Ministério Público e que José Sócrates vai ser interrogado sobre estas viagens ao Brasil no próximo dia 30 de junho. A defesa voltou a contestar este interrogatório, que não considera legítimo.

“Não parece haver limites para a desfaçatez” de Sócrates. MP quer interrogar ex-PM para promover a alteração das medidas de coação

Conclusão

Se é verdade que José Sócrates alegou que não está obrigado a informar a justiça quando se desloca ao Brasil — e que o reiterou numa entrevista à SIC Notícias –, é falso que o antigo primeiro-ministro tenha alguma vez dito que “não é um ladrão como os outros” e que pertence ao PS. Nos 20 minutos dessa mesma entrevista, emitida a 15 de junho, José Sócrates nunca utiliza estas expressões, nem sequer similares. Além disso, o autor da publicação adulterou ainda uma publicação verdadeira daquela estação televisiva.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook.

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