A publicação em causa começa por culpar a tecnologia mRNA pela “esterilidade em 97% dos homens” e infertilidade em “45% das mulheres”. O autor escreve que a metodologia da vacina faz com que “circule pelo sangue até encontrar um recetor de enzima [ACE2] que existe principalmente nos testículos e nos ovários”, reescrevendo “o código genético” da pessoa vacinada.

A suposta relação entre a vacinação e a infertilidade não é nova. Quando surgiu a vacina contra o papilomavírus humano (HPV), esse foi um dos mitos mais difíceis de contornar, já que estava tão enraizado que tanto a Organização Mundial de Saúde como o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças foram obrigadas a fazer campanhas próprias para acabar com o mito que estava a levar muitas mulheres a recusar serem vacinadas.

O que é novo é o chamado mRNA (mensageiro de ácido ribonucleico), pela primeira vez usado numa vacina aprovada para uso em seres humanos. Tanto a vacina da Pfizer como a da Moderna – ambas encomendadas por Portugal – recorreram a esta tecnologia.

As vacinas de base RNA não alteram o código genético humano, como o Observador já tinha explicado. O código modificado é o de uma molécula da bactéria e não o do ser humano. Importa também explicar que o conteúdo da vacina inclui informação genética sobre o vírus Sars-Cov-2, que faz com que o corpo comece a reproduzir o genoma do vírus – e não os agentes que causam a doença – para que o sistema imunitário reaja e combata este ‘corpo estranho’.

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Quanto à afirmação de que “97% dos homens” e “45% das mulheres” ficarão estéreis depois de tomarem a vacina, trata-se de uma informação para a qual o Observador não encontrou evidência científica, sendo que o autor da publicação não cita qualquer fonte. O virologista Celso Cunha explica que “não existe nenhum estudo que sugira que os efeitos secundários da vacina incluam infertilidade”.

O especialista lembra ainda, em declarações ao Observador, que “mesmo que essa possibilidade hipoteticamente existisse, seria impossível num tão curto espaço de tempo e com tão poucas vacinas ainda administradas chegar a qualquer conclusão” que apontasse para os números avançados pela publicação. “Quaisquer números publicados são produto da má fé e/ou ignorância de quem os imaginou e divulgou”, conclui Celso Cunha.

Por outro lado, a publicação assemelha-se bastante a outra que circulou em língua inglesa, pelo menos nos Estados Unidos e na Austrália – também esta falsa —, onde se lia que “até 97% das pessoas vacinadas” ficariam estéreis. Ora, um estudo de 1989 terá sido usado para esta campanha anti-vacinação nas redes sociais. O estudo existe, mas nada tem a ver com o novo coronavírus — as conclusões são retiradas do contexto e, por isso, levam ao engano.

É verdade que a proteína ACE2 (Enzima Conversora de Angiotensina), mencionada na publicação, é a porta de entrada do vírus nas células humanas. Cientistas chineses descobriram a estrutura desta proteína logo em março, antes mesmo de se conhecerem os primeiros casos em Portugal. Um estudo publicado na revista Science, em que já se antecipava que esta proteína fosse crucial para o desenvolvimento de terapias contra o vírus, explica que a ACE2 se encontra sobretudo nos pulmões, coração, intestinos, rins ou fígado. Mas já não é verdade que a proteína “exista sobretudo” nos ovários e nos testículos. O virologista Celso Cunha indica que “existe evidência da expressão do recetor ACE2 nos testículos, mas não nos ovários”, mas lembra que “a influência do SARS-Cov-2 na fertilidade” não foi demonstrada e “não há nenhuma evidência de que os indivíduos infetados com SARS-Cov-2 tenham tido sequelas ao nível da capacidade reprodutiva”.

Por fim, o autor da publicação menciona três médicos: “Dra. Roxana Bruno, Dra. Chinda Brandolino e Dr. Heiko Schöning”. Quem escreve a publicação acredita que estes são três médicos em quem se pode confiar, além dos movimentos “Pela Verdade”.

Os três têm sido porta-vozes de movimentos negacionistas – anti-confinamento, anti-máscara e anti-vacina. No caso da argentina Roxana Bruno, bioquímica e doutorada em Imunologia, que se mostrou contra as medidas impostas pelo Governo, a Sociedade Argentina de Imunologia repudiou as suas declarações e fez questão de desmistificar as afirmações que fez num programa de rádio.

Já Chinda Brandolino, também argentina, é conhecida por ser negacionista da Covid-19. É medica de formação, mas não exerce desde 2013, tendo sido médica legista e tendo ainda válida a licença profissional para exercer em Buenos Aires, segundo a plataforma argentina de ‘fact-check’ Chequeado.

O último, Heiko Schöning, será provavelmente o mais conhecido. É fundador do movimento “Médicos Pela Verdade”, na Alemanha, e é médico militar. Um movimento que foi replicado em Portugal e que já resultou em vários processos disciplinares — a Ordem dos Médicos tem em marcha investigações aos médicos que integram este grupo.

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Conclusão

O conteúdo da publicação parece replicar outra publicação em língua inglesa que se tornou viral, que já tinha sido verificada e em que tinha sido confirmada a sua falsidade. Não há estudos científicos que sustentem o que é descrito pelo autor. As organizações de referência em saúde asseguram a segurança da vacina e desmistificam, também, os mitos em torno dela.

A nova tecnologia mRNA – nunca antes aprovada para uso em vacinas em humanos – merece o acompanhamento da comunidade científica no que toca aos possíveis efeitos secundários que ainda se desconhecem, mas os argumentos escolhidos pelo autor não são alvo de dúvida.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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