Para milhões de cidadãos, o curto intervalo entre o início do fabrico das vacinas contra a Covid-19 e o início da sua administração levanta dúvidas e reservas. Mas uma publicação de Facebook datada de 20 de abril deste ano levanta questões que vão além da mera reserva: “As vacinas da Covid-19 não são vacinas, são uma perigosa terapia genética experimental. As vacinas normais criam imunidade contra as doenças mas estas não criam imunidade contra o novo coronavírus.” Foi supostamente dita por Steven Hotze, médico texano e ativista anti-Covid-19, mas não passa de uma publicação falsa.
“Vale a pena dizer que, neste momento, há no mundo inteiro centenas de milhões de vacinas administradas. Os efeitos adversos foram identificados e são extremamente raros.” É assim que Luís Graça, médico e investigador do Instituto de Medicina Molecular, começa por desmentir aquilo que é alegado pela publicação original. Quanto aos efeitos tromboembólicos, já identificados quer na vacina da Astrazeneca quer na vacina da Johnson & Johnson, “suscitaram medidas por parte das autoridades de saúde para evitá-los”. Depois de uma exclusão maior, a Janssen pode, neste momento, ser administrada a mulheres com mais de 50 anos e aos homens, sem restrição de idade; e, no caso da AstraZeneca, a vacina pode ser administrada a pessoas com mais de 60 anos (ou mais jovens, desde que com consentimento de quem a receba).
Por outro lado, Luís Graça prefere agarrar-se aos números para desdramatizar aquilo que é defendido por Steven Hotze. “Já temos dados de utilização da vacina por mais de seis meses e o que fica demonstrado é que, nas faixas etárias em que começaram a ser usadas as vacinadas, as consequências mais negativas, como o internamento ou morte, desapareceram.” O investigador refere ainda que em Portugal, por exemplo, existe de facto a preocupação com a variante Delta e com o rápido aumento de casos registado — nomeadamente na Área Metropolitana de Lisboa. Mas essa situação está relacionada com as pessoas que ainda não foram vacinadas (abaixo dos 50 anos).
Ou seja, embora existam casos de pessoas vacinadas (especialmente só com a primeira dose) a serem internadas nos hospitais, esse facto não é, por agora, motivo de preocupação maior porque, comparando com realidades de meses anteriores, quando o processo de vacinação ainda não tinha começado, o país está francamente melhor. “Agora já não precisamos de olhar para os ensaios clínicos, é a vida real. As vacinas não são eficazes a 100%, sim, mas as hospitalizações e mortes são muito raras agora, dantes não”, afirma o especialista.
O médico português deixa ainda uma sugestão: que se olhe para os números de Covid-19 em Portugal, especialmente no caso da mortalidade, e que se compare esses números com os de janeiro. Por exemplo, no último dia desse mês, Portugal registou 303 mortes. Esta terça-feira registou apenas duas. Esses números — de infetados, de mortos mas, também, de pessoas vacinadas com a primeira e a segunda dose — podem ser acompanhados quer através da plataforma Our World on Data quer pelas autoridades de saúde de cada país, como é o caso da Direção-Geral da Saúde.
Quanto à durabilidade da imunização das diferentes vacinas administradas no mundo, Luís Graça referiu um estudo do Public Health England sobre pessoas que ficaram novamente infetadas com o novo coronavírus. “Depois de se ter seguido as pessoas durante 12 meses, os casos de reinfeção ficaram nos 0,4% e eram casos assintomáticos. Agora até já se vacina pessoas reinfetadas porque potencia a resposta imunitária, ou seja, a duração dessa proteção deve ser equivalente. Estima-se então que essa proteção possa durar, pelo menos, um ano. Não sabemos quanto tempo mais”, conclui.
Para terminar, importa referir que o médico citado na publicação original já foi desmentido por outros fact-checkers internacionais, nomeadamente nos Estados Unidos da América mas também em Espanha, como o Newtral. Por exemplo, o Fact Check.org refere que, por um lado, que Steven Hotze não teve sucesso quando desafiou judicialmente as medidas sanitárias naquele Estado norte-americano; e, por outro, é falso que as vacinas da Moderna e da Pfizer /BioNtech não são eficazes contra a doença provocada pelo novo coronavírus.
Importa também referir que a Food and Drugs Administration enviou uma carta a Hotze porque o também fundador da clínica Hotze Health &Wellness em Houston vendia produtos não aprovados que alegadamente preveniam contra a Covid-19.
Conclusão
Não é verdade que as vacinas contra a Covid-19 não ofereçam qualquer tipo de imunidade. Isto porque, segundo o médico e investigador do Instituto de Medicina Molecular Luís Graça, se esse argumento fosse verdadeiro, o número de internamentos e mortes por causa do novo coronavírus não tinha diminuído drasticamente em vários países do mundo, como é o caso de Portugal.
O autor da alegada frase terá sido o médico e ativista conservador norte-americano, Steven Hotze, que já foi verificado por outros órgãos de comunicação social, que consideraram as suas afirmações como falsas.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.
Corrigida informação relativa ao universo de pessoas que podem ser inoculadas com as vacinas da Janssen e da AstraZeneca, às 15h20 do dia 29 de junho