No debate que se gerou nas redes sociais depois de a Moody’s anunciar na sexta-feira a melhoria do rating da dívida portuguesa, o deputado socialista (até recentemente porta-voz do partido) João Galamba foi ao Twitter comentar que havia “imensa gente que não sabe que a Moody’s colocou Portugal no lixo quando o primeiro-ministro era Passos Coelho, não Sócrates“.

O que está em causa?

Ao longo de cerca de sete anos, a Moody’s, uma das três principais agências de rating do mundo, teve uma classificação de “alto risco” (vulgo, lixo) para a dívida pública portuguesa. Isso significa que a recomendou, durante este longo período, apenas aos investidores com estratégias de investimentos mais ousadas. A Moody’s foi a primeira das três maiores agências — Moody’s, S&P e Fitch — a cortar a notação de crédito de Portugal no auge da crise da dívida.

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Isso fez com que investidores importantes — como grandes fundos de pensões, seguradoras e alguns fundos de investimento — tivessem não só de deixar de comprar dívida portuguesa como, também, de “despejar” no mercado muita da dívida que teriam nas suas carteiras. Foi esse efeito que fez disparar as taxas de juro no mercado, mesmo depois de Portugal já estar sob a alçada do programa de resgate da UE e FMI.

Com o seu tweet, João Galamba entrou na discussão sobre os méritos da decisão agora anunciada (a melhoria do rating) mas concentrando-se nos pretensos deméritos de quem teve responsabilidades no “pecado original”, isto é, quem é que tinha responsabilidades políticas quando o rating foi cortado para o nível negativo onde esteve até agora.

Quais são os factos?

A agência Moody’s cortou o rating de Portugal no dia 5 de julho de 2011. Precisamente um mês antes, a 5 de junho, as eleições legislativas deram 108 lugares de deputado ao PSD liderado por Passos Coelho, que acabariam por se juntar aos 24 assentos parlamentares do CDS-PP, de Paulo Portas, para formar o governo de coligação que governaria o país durante todo o programa de assistência financeira (o PS de José Sócrates teve, nessas eleições, 74 deputados, num dos piores resultados da história do partido).

O executivo liderado por Pedro Passos Coelho tomou posse a 21 de junho, com uma maioria parlamentar empenhada em cumprir o memorando assinado pelo PSD, CDS e PS após as negociações com a troika nos meses de abril e maio. Cerca de duas semanas depois da tomada de posse, a agência Moody’s decidiu cortar o ratingalgo que o primeiro-ministro recém-empossado considerou “um murro no estômago”, porque vinha complicar o trabalho que o governo estava a começar e o caminho de regresso aos mercados.

Segundo o que foi noticiado na altura, com base em quem ouviu Passos a reagir ao corte de rating, apesar da desilusão Passos Coelho mostrou-se “determinado em não reagir negativamente” à decisão, preferindo encará-la como um “estímulo” para que Portugal possa sair rapidamente desta situação.

Mas a decisão da Moody’s estava tomada e tinha esta justificação: “acreditamos que existe um risco crescente de que Portugal irá necessitar de um segundo pacote de financiamento [por parte da UE e/ou do FMI] antes de que o país consiga regressar aos mercados de dívida — e há uma probabilidade crescente de que haverá uma participação do setor privado como pré-condição para esse segundo pacote”.

Traduzindo: a Moody’s acredita que Portugal não ia conseguir cumprir as metas rígidas do programa da troika e que, se fosse necessário mais dinheiro dos fundos europeus, isso não aconteceria sem que também fossem impostas perdas aos investidores privados (os clientes da Moody’s). Isso acabou por não acontecer em Portugal, mas foi o que aconteceu, por exemplo, na Grécia, já no início de 2012, quando houve a “troca voluntária” de títulos de dívida grega, com perdas para os investidores, condição sine qua non que o segundo resgate a Atenas fosse aprovado.

Na altura, ao cortar o rating, a Moody’s estava a olhar para a situação económica de Portugal, que nos anos anteriores tinha acumulado elevados níveis de dívida (pública e privada) e via, portanto, um “risco” de que acontecesse também em Portugal aquilo que viria, de facto, a acontecer na Grécia — um cenário que foi gradualmente sendo afastado nos anos de governação PSD/CDS e no contexto de uma zona euro que tomou várias medidas para conter a crise, desde os fundos europeus até à intervenção do Banco Central Europeu (BCE) nos mercados.

No final, acabou por não haver perdas para os investidores privados na dívida portuguesa — Portugal nunca reestruturou a dívida que João Galamba considerou em 2014 que era “impagável”. Mas a agência Moody’s quis esperar mais alguns anos para perceber se após o programa de assistência a economia continuaria num rumo sustentável. Nesta sexta-feira, 12 de outubro de 2018, a agência cedeu, finalmente, confiante numa “retoma rica em criação de emprego, graças, em parte, às reformas anteriores que melhoraram a flexibilidade do mercado de trabalho“. A Moody’s mostrou-se confiante de que o Governo não irá inverter o que já foi feito até agora, por isso o rating saiu de lixo.

Moody’s faz as pazes com o Zé Povinho. “Rating” sai de “lixo” 2.656 dias depois

Conclusão

O comentário de João Galamba, sendo factualmente verdadeiro — Passos Coelho tomou posse duas semanas antes do corte de rating — é enganador porque a agência Moody’s não justificou a sua decisão com alguma coisa que o “então novo governo” pudesse ter dito ou feito, apesar de estar há poucos dias em São Bento. O corte de rating deveu-se a uma avaliação geral sobre a situação económica a que Portugal tinha chegado e, por outro lado, sobre o ambiente político na Europa que poderia fazer (como fez, já em 2012, na Grécia) com que um possível segundo resgate tivesse de vir com uma partilha dos custos entre os fundos europeus e os investidores privados.

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