Catarina Martins confrontava António Costa com aquilo que disse ser a “obsessão” do Governo socialista com o défice e com os efeitos que a política de consolidação das contas públicas tem tido na governação à esquerda, quando o primeiro-ministro tentou fazer o controlo de danos possível: “Nós não incumprimos nenhuma das medidas negociadas com o Bloco de Esquerda. Nenhuma”. Será mesmo assim?

O que está em causa?

António Costa referia-se, presumivelmente, ao acordo assinado em novembro de 2015. Com a legislatura a caminhar a passos largos para o fim, a verdade é que os vários pontos que constavam da posição conjunta celebrada entre PS e Bloco de Esquerda estão praticamente concluídos, com maior ou menor tensão entre os dois parceiros parlamentares.

Coisa diferente é afirmar, como fez o primeiro-ministro, que o Governo respeitou todos os acordos com o Bloco de Esquerda. Basta recuar uma semana para encontrar declarações de vários deputados bloquistas a acusarem António Costa de ter “rasgado” os compromissos assumidos com o partido coordenado por Catarina Martins. Quando? Quando atirou para 2019 o fim das penalizações nas longas carreiras contributivas, mesmo depois de ter acordado com o Bloco a entrada em vigor da medida já em janeiro deste ano.

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Bloco acusa Governo de “rasgar compromissos”. PS pede “responsabilidade”

Os factos

Em maio de 2017, o Governo assumiu um acordo com o Bloco de Esquerda que previa o início da segunda fase de valorização das longas carreiras contributivas. Na prática, os socialistas comprometeram-se a acabar já em janeiro com o corte de 14,5% (decorrente do factor de sustentabilidade) aplicado às reformas dos pensionistas com 63 ou mais anos de idade que, à data em que realizaram 60 anos, tivessem 40 ou mais anos de carreira. O acordo, firmado por escrito, não foi cumprido, com os socialistas a usarem o crescimento económico para explicar o recuo.

O facto de o crescimento económico entre novembro de 2016 e 2017 ter sido superior a 2% resultou numa atualização das pensões de 0,5% acima da taxa de inflação verificada, o que, segundo as contas do Governo, obrigou a uma alteração do calendário definido com o Bloco.

Tal como tinha ameaçado no final de fevereiro, o Bloco ainda tentou avançar unilateralmente com a valorização das longas carreiras contributivas, apresentando um projeto de lei que previa isso mesmo. Os socialistas, no entanto, juntaram-se ao PSD e ao CDS e chumbaram medida.

No dia do debate, seria Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, a verbalizar a insatisfação do partido. “Levamos a sério as nossas negociações. Achamos que quando nos dizem alguma coisa, quando escrevem alguma coisa, é para levar a sério. Há dinheiro? Há dinheiro, sim senhor. Falta é vontade política. Não sejam todos Mário Centeno“, desafiou o bloquista.

Bloco ameaça avançar unilateralmente com valorização das longas carreiras contributivas

Conclusão

A afirmação de António Costa não é verdadeira. Se é certo que os acordos de governação à esquerda têm sido cumpridos — e que os quatro parceiros parlamentar (PS, BE, PCP e PEV) celebram os resultados alcançados –, o primeiro-ministro não pode dizer que nunca falhou compromissos assumidos com o Bloco de Esquerda.

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