Atualizado com esclarecimentos adicionais prestados pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já depois de publicado o fact-chek. Face aos novos dados, a classificação passa, assim, a “praticamente certo”.
Alguns dos números já eram conhecidos, mas o ministro das Infraestruturas decidiu ir mais longe. Na quarta-feira, numa audição parlamentar, Pedro Nuno Santos apresentou as contas sobre quanto ganhou o maior acionista da Groundforce, Alfredo Casimiro, como um negócio que todos os portugueses gostariam de fazer. Num contexto de debate político com a oposição à direita, Pedro Nuno Santos descreveu uma privatização realizada em 2012 na qual o então Governo do PSD/CDS decidiu “entregar/pagar a Alfredo Casimiro para ficar com a Groundforce”.
Numa audição marcada por muito ataques ao dono da Pasogal, a acionista privada da empresa de handling, o ministro afirmou ainda que a participação de 50,1% adquirida por Alfredo Casimiro foi apenas paga em 2018. E antes de pagar, o empresário que está no centro da polémica por causa da crise financeira na Groundforce recebeu 7,6 milhões de euros, em comissões de gestão, o que se traduz num ganho da ordem dos quatro milhões de euros para um investimento que foi totalmente financiado – isso é público – com um empréstimo bancário do Montepio que não está pago.
O ministro tem razão?
A venda da Groundforce foi uma privatização feita pelo Governo PSD/CDS?
A venda da maioria do capital da Groundforce não foi uma privatização (como aliás retificou logo durante a audição o deputado comunista Bruno Dias). E, ao contrário das outras alienações realizadas na altura, resultou não de uma decisão política, ou de uma imposição da Troika, mas de uma obrigação imposta pela Autoridade da Concorrência à TAP. A venda foi conduzida pela TAP e não pelo Governo, ainda que este tenha autorizado a operação e os seus contornos finais.
O processo tem origem em 2009, quando a TAP recomprou a maioria do capital da Serviços Portugueses de Handling (SPdH) aos espanhóis da Globalia, para resolver problemas de gestão e grande instabilidade laboral que estavam a afetar a operação da própria transportadora. A companhia foi autorizada a reassumir o controlo na condição de vender num prazo de dois anos, porque o regulamento europeu não permite que transportadoras aéreas detenham empresas de handling com este poder de mercado. E foi esse o processo de venda que resultou na entrada da Urbanos. O facto de não ser uma privatização significa que esta operação não seguiu os critérios mais exigentes destas operações que implicam um caderno de encargos, um concurso competitivo e uma avaliação fundamentada e uma decisão de Conselho de Ministros.
O Governo pediu a Alfredo Casimiro para comprar a Groundforce?
O empresário contou que tinha recebido um telefonema do ministro Álvaro Santos Pereira a pedir-lhe para comprar a empresa. A informação recolhida pelo Observador indica que o então dono da Urbanos já estaria em contacto com a TAP, tendo manifestado interesse pela parte de carga da empresa de handling, o que estava diretamente ligado à sua atividade de logística. Mas não era o candidato mais forte à empresa. Havia conversações avançadas com a empresa belga Aviapartner, mas esta – sabendo da pressão temporal da TAP para vender – terá imposto condições de última hora (nomeadamente que o Estado deixasse a empresa capitalizada com 25 milhões de euros) que a empresa portuguesa não aceitou, tendo comunicado essa posição aos ministérios das Finanças e da Economia.
Foram então contactados outros interessados como a Swissport e a Urbanos e, num quadro de contra-relógio, a venda tinha de ficar fechada até final de 2011, acordou-se a venda ao grupo de Alfredo Casimiro, mediante determinadas condições propostas pela TAP, então uma empresa pública liderada por Fernando Pinto, e o Governo PSD/CDS validou. Álvaro Santos Pereira tinha a pasta da economia. O dossiê da aviação estava com o secretário de Estado das Obras Públicas e Transportes, Sérgio Monteiro.
Por quanto foi vendida a Groundforce?
A participação de 50,1% no capital da SPdH foi vendida por três milhões de euros, o que corresponde ao valor mais baixo do intervalo que foi fixado pela TAP para esta alienação (entre três a seis milhões de euros). A este valor, acrescia 20% do EBITDA (margem bruta) obtida nos primeiros dois anos de gestão privada, o que veio a dar os 3,7 milhões de euros que é um número consensual entre as partes. Mas havia uma condição para a execução do pagamento, a obtenção via concurso das licenças de operação de handling nos principais aeroportos que estavam a chegar ao fim e, sem as quais a Groundforce não tinha valor.
Quando foi pago o valor fixado?
A condição de só pagar após renovação das licenças de operação foi pacífica na época, mas acabou por resultar numa das perplexidades deste negócio: os 3,7 milhões de euros devidos pelos 50,1% da empresa só foram pagos em 2018. Isto porque o regulador ANAC demorou muito tempo a lançar os concursos nos aeroportos que permitiram à Groundforce obter as licenças definitivas de handling que tinham sido vendidas com a empresa, o que demorou cinco a concretizar-se. Até lá, a Groundforce operou com licenças provisórias e, nos termos do contrato feito com o dono da Urbanos, se essas licenças não fossem atribuídas à SPdH — houve outras empresas a concorrer — o negócio caía, como, aliás, é referido em vários relatórios anuais da TAP.
“Saliente-se que, caso a SPdH não seja selecionada para prestadora dos serviços de handling a terceiros, nos futuros concursos públicos internacionais a abrir pelo INAC (atual ANAC), a Pasogal (empresa de Alfredo Casimiro) terá o direito de resolver o referido contrato de compra e venda”. Condição que, aliás, o empresário voltou a exigir para investir agora na Groundforce.
O dono da Pasogal usou o dinheiro da Groundforce para pagar a sua participação?
Apesar de ter demorado vários anos a pagar, os 3,7 milhões de euros da transação ficaram cativos. E foi, aliás, criada uma conta de reserva para eventuais dividendos que ficariam retidos e só seriam entregues ao acionista privado depois de ser pago o preço acordado. Até 2017, as contas da TAP reportam que a Pasogal surge no quadro dos devedores com o valor não recorrente de três milhões de euros, referência que desaparece em 2018, confirmando o recebimento do pagamento esse ano. Quanto à forma como o pagamento foi feito é menos claro, mas há elementos que indicam que terá sido através dos dividendos a que tinha direito a receber da própria Groundforce que foi feito o acerto de contas. Entre 2018 e 2019, a Groundforce distribuiu dividendos no montante de 7,3 milhões de euros, referentes a lucros de 2017 e 2018. No entanto, no mesmo período, a TAP registou dividendos desta participada superiores, de 8,3 milhões de euros.
Porque foi paga uma comissão de gestão ao novo acionista?
Esta situação tem sido apontada como mais um indicador de que os termos do negócio foram desequilibrados a favor do dono da Urbanos. Mas na verdade a própria TAP terá insistido na necessidade de existir um “fee” de gestão para responder às exigências da Autoridade da Concorrência. Dada a posição relevante que a transportadora manteve na SPdH e pelo facto de ser também o maior cliente, era preciso tornar claro que a gestão era independente e de que não haveria interferência da TAP. A fórmula encontrada passou pela empresa pagar uma comissão de gestão ao novo acionista. Foi fixado um fee que correspondia 1,5% das receitas anuais da Groundforce.
Alfredo Casimiro pagou 3,7 milhões e recebeu 7,6 milhões?
De acordo com o ministro das Infraestruturas, a Pasogal recebeu um total de 7,6 milhões de euros da Groundforce em comissões de gestão. Até 2015, foram 5,2 milhões de euros. Depois o pagamento foi interrompido porque existiram conflitos entre a TAP e a Pasogal. A TAP, ela própria em processo de privatização, teria considerado que o fee que pagava à gestão do parceiro era excessivo face ao trabalho feito na gestão.
Outra fonte adianta ao Observador que o maior cliente não estava satisfeita com o nível de serviços prestados pela Groundforce que estaria nesta fase de grande crescimento no tráfego aeroportuário, a tentar conquistar novos clientes. Pedro Nuno Santos, referiu no Parlamento que a Pasogal recebeu mais 2,2 milhões de euros, na sequência de um acordo após uma ação judicial que colocou à TAP por causa da interrupção do pagamento do fee. Fonte oficial da Pasogal , em declarações ao Eco, afirma que recebeu de fees de gestão um total de 5,4 milhões de euros. Este valor não não inclui contudo a indemnização de 2,2 milhões de euros que a TAP pagou, mas depois de uma ação judicial
A transação realizada pelo dono da Urbanos era um negócio que todos os portugueses queriam ter feito?
Quando se investe é normal esperar um retorno superior ao valor gasto, ainda que a prazo e com risco pelo meio. E este é um dos aspetos que Pedro Nuno Santos contesta no esclarecimento remetido ao Observador onde revela que o fee a pagar ao acionista privado não dependia dos resultados da Groundforce. Quando se investe não há ganhos garantidos. “E o que lhe deram, com 1,5% de receitas desligadas dos resultados, foi um ganho garantido, muito superior ao que estava previsto ser pago”. Em 2013, a Groundforce teve receitas um pouco superiores a 100 milhões de euros, se o percentual fosse aplicado às receitas brutas, o fee corresponderia a cerca de 1,5 milhões de euros anuais, o que permitiria em três anos normais ultrapassar o preço aceite pelo empresário e que veio a ser de 3,7 milhões de euros.
É também importante realçar que Alfredo Casimiro não usou recursos próprios, tendo recorrido a um empréstimo que não chegou a pagar (pelo menos na totalidade) – para o qual até deu como penhor as ações que iria comprar. Este empréstimo do Montepio está em incumprimento, o que permite ao banco executar o penhor, admitiu o próprio Alfredo Casimiro ao Observador. Ressalvou, no entanto, que está a renegociá-lo e que seria “má fé” do banco executar agora. Além disso, só pagou depois ter começado receber.
Com a radiografia tirada agora, é fácil concluir que Alfredo Casimiro fez um bom negócio, ou até um excelente negócio. Mas em 2012, a conclusão seria tão evidente?
Para Pedro Nuno Santos a resposta é sim, porque se Groundforce tivesse dado prejuízos, o acionista privado “ia receber mais do que pagou na mesma”. Além disso, a execução do contrato estava condicionada à obtenção de licenças de handling e do contrato com a TAP. Alfredo Casimiro “só teria de pagar se as licenças fossem renovadas, se não fossem ele ia pagar zero”, refere. Correto, mas se o negócio fosse desfeito, o empresário deixaria de ser acionista.
Do ponto de vista do ministro das Infraestruturas, “um investimento tem risco. Este não teve nenhum. Ninguém faz negócios com risco nulo. Isso não existe. Aquilo foi um negócio de favor. Os governos têm o dever de defender o interesse público e aquele não o fez”.
Ainda assim, em 2012 a recuperação económica e financeira da SPdH não era um dado adquirido. A empresa vinha de prejuízos acumulados de 150 milhões de euros e de uma situação de instabilidade laboral. Com a mudança de gestão, esse quadro alterou-se. Foi feito um acordo com os trabalhadores para rever o acordo de empresa que reduziu os custos em cerca de seis milhões de euros e garantiu a paz social. A retoma económica e o forte crescimento do turismo, e da própria TAP sobretudo a partir de 2015, também contribuíram para uma recuperação que permitia à Groundforce pagar dividendos a partir de 2017. Por outro lado, a esperada entrada de novos competidores para disputar o mercado do handling não se concretizou.
No entanto, a TAP também beneficiou da evolução da Groundforce com a estabilização do serviço de handling, essencial para o sucesso da sua operação, e até com alguns dividendos recebidos desta participada, em contraste com outras operações deficitárias.
Quando negociou a venda sob pressão no final de 2011, a TAP não teria alternativa se não fechar o negócio com dono da Urbanos. Mas a pressa invocada pelos protagonistas — a decisão da Autoridade da Concorrência que impõe à TAP a obrigação de venda, não revela o prazo para acautelar o segredo comercial — também é questionada por Pedro Nuno Santos que deixa a pergunta: “O que acontecia se tivessem demorado mais tempo a vender?”
Conclusão
Praticamente certo. As afirmações feitas por Pedro Nuno Santos estão, no essencial, corretas. Algumas conclusões devem ser enquadradas no debate político com deputados do PSD e do CDS. A venda da Groundforce não foi uma decisão do Governo de Passos Coelho, nem uma privatização. Foi feita pela TAP, por imposição da Autoridade da Concorrência e com pressão de calendário, o que afetou o resultado, mas foi feita com o acordo do Governo. Alfredo Casimiro recebeu mais da Groundforce do que pagou, mais do dobro: 7,4 milhões de euros para 3,7 milhões de euros (em seis anos). É também correto afirmar que o empresário só pagou depois de receber, mas a razão para a demora teve a ver com as derrapagens no lançamento dos concursos de handling por parte do regulador. O Governo do PSD/CDS não poderia saber em 2012 que essas derrapagens iam acontecer, no entanto, os dados conhecidos à data permitiam antecipar, com algum grau de certeza, que o empresário tinha assegurado à partida, ganhos superiores ao que ia pagar. Isto com anos normais de operação.